Luís Farinha, Diário de Notícias
São cada vez mais persistentes, e mais fortes, os indícios de que a criminalidade violenta passou a ser um factor novo, mas já incontornável, na vida dos portugueses. E o pior, o que é verdadeiramente preocupante é que, a pouco e pouco, toda a gente tem vindo a conformar-se com a ideia de que isso é um sinal dos tempos, logo inevitável. Infelizmente, não andam muito arredios da verdade os que assim pensam. É por isso que, numa passividade resignada, vamos assistindo à degradação da sociedade, limitando-nos a ir modificando os hábitos de vida de acordo com o novo panorama social que, entretanto e ao que tudo indica, veio para ficar. Deixámos de sair à noite. Habituámo-nos a olhar por cima do ombro quando, mesmo em pleno dia, percorremos ruas menos frequentadas. Colocamos grades nas janelas se vivemos em andares baixos. Reforçamos as fechaduras das portas das casas. Trancamos as do carro mal nele entramos... e assim por diante.
Se há 40 ou 50 anos alguém sugerisse que hoje, no início do século XXI (e do 3.º milénio) Portugal estaria em presença de um quadro tão sombrio como o que, em termos de delinquência vem marcando o quotidiano, certamente não deixaria de ser considerado um alarmista inconsequente. Afinal, a realidade acabaria por provar que tal previsão nada tinha de inverosímil ou de improvável. A marginalidade é hoje um facto incontestável e os seus contornos violentos são cada dia mais visíveis e preocupantes. Distorcer esta realidade com recurso à dialéctica cavilosa, pode servir o presente imediato de quem, com a sua falta de talento, permitiu que a isto se chegasse. Porém, o julgamento dos vindouros será incompassível quando for feito o balanço deste período da história. Então, virá ao de cima a inépcia de uma geração de notáveis que, incapazes de preservarem o futuro, se limitaram a cultivar as sinecuras do poder.
Não interessa, de momento, deter-me, em jeito de balanço, sobre a criminalidade que grassa de norte a sul do País. O objectivo é, isso sim, lançar um olhar sobre os motivos que, cada vez com maior frequência, trazem os jovens às páginas dos jornais, protagonizando ocorrências delituosas que se vão tornando mais graves de dia para dia.
Do meu ponto de vista será fácil de mais (e também perigoso) ceder à tentação de reduzir a delinquência juvenil a simples manifestações de contestação, de irreverência, ou à consequência directa do consumo de substâncias tóxicas. Nos casos de contestação ou irreverência, poder-se-á até afirmar que uma coisa e outra são, na sua essência, atitudes salutares e até desejáveis na gente nova e nada têm a ver com os ilícitos que diariamente ensombram os noticiários. As origens do que se passa em Portugal (como de resto em todo o mundo) têm de ser procuradas mais profundamente. Aliás, os sinais da desordem são já tão evidentes que não podemos continuar a fingir que os não vemos. De que vale mistificar a realidade com frases rendilhadas que só servem para dar dos seus autores uma imagem que os não abona?
Envolvidos nesta onda de marginalidade aparecem, invariavelmente, jovens de raça negra com ânsia de afirmação e brancos sem arrimo familiar. Alguns deles, brancos e negros, trazem associado o hábito das drogas. Muitas vezes, porém, os estupefacientes não são o leit motiv que os move, o que dificulta ainda mais o intento de descortinar o que está por detrás das suas acções delituosas.
Tornou-se corrente atribuir exclusivamente aos negros da segunda geração (os filhos dos emigrantes africanos) a onda de delinquência juvenil que ameaça submergir Portugal. Tal afirmação é talvez abusiva. Contudo, ainda que se tenha tornado politicamente incorrecto admiti-lo, é preciso reconhecer que muito do que acontece nos subúrbios de Lisboa é, de facto, protagonizado por esses jovens. Do mesmo modo, nem sempre a desagregação familiar dos jovens brancos ou negros pode ser apontada como justificação dos seus actos marginais. Há casos relevantes de rapazes e raparigas que cresceram longe dos seus familiares mas que, apesar disso, se tornaram membros respeitáveis e até influentes da sociedade. Quantos ex-internados na Tutoria da Infância e na Casa Pia de Lisboa podem servir de exemplo? Quantos jovens ainda longe da adolescência vieram da província para a Capital, entregues aos cuidados de vagos familiares, elas para servir, como antigamente se dizia, eles para começarem carreiras de marçanos de lojas disto e daquilo ou de aprendizes dos muitos ofícios que o mundo laboral oferecia, isto quando a "exploração do trabalho infantil" ainda não tirava o sono aos acérrimos defensores da boa e sã moralidade social? Quantos outros não nasceram e cresceram nas chamadas zonas de barracas que antigamente proliferavam dentro e fora dos muros de Lisboa e que mais tarde se tornaram cidadãos respeitados e respeitáveis? Do mesmo modo, quem não conhece casos de rapazes e raparigas provenientes das chamadas boas famílias que, vá-se lá saber por quê, acabaram por se extraviar pelos ínvios caminhos da má vida?
Voltemos, porém, aos toxicodependentes, geralmente apontados como culpados de tudo quanto é delito. De acordo com a opinião pública (e sem que se saiba como se chegou a essa conclusão) não há crime grande ou pequeno que não seja obra desses pobres coitados. No entanto, não será um pouco de mais atribuir-lhes, a par dos jovens negros, o ónus da delinquência que se vive em Portugal, nomeadamente na periferia das grandes cidades? Está provado que os toxicodependentes furtam, vigarizam, pedincham, prostituem-se, em suma: fazem qualquer coisa para conseguir dinheiro para mais uma dose. Porém, não é fácil acreditar que os viciados se entregam ao vandalismo gratuito. Não comungo da ideia generalizada de que são eles que riscam as viaturas estacionadas, que as roubam para as atirarem em seguida por ribanceiras abaixo, que lhes lançam fogo ou que, como sucedeu em Lisboa nos começos de 99, numa só noite cortaram os pneus a 50 viaturas estacionadas na zona do Campo de Santana, proeza repetida na noite de 25 de Dezembro do mesmo ano, desta vez na zona do Dafundo, no concelho de Oeiras, onde foram retalhados os pneus de dezasseis viaturas estacionadas. Como é quase certo não serem eles, igualmente, quem estilhaça vidros de montras sem intenção de roubar, como tem também acontecido na castigada zona de Algés , ou que assaltam escolas, destruindo as suas instalações, em demonstração da mais aberrante selvajaria.
Voltemos, porém, aos toxicodependentes, geralmente apontados como culpados de tudo quanto é delito. De acordo com a opinião pública (e sem que se saiba como se chegou a essa conclusão) não há crime grande ou pequeno que não seja obra desses pobres coitados. No entanto, não será um pouco de mais atribuir-lhes, a par dos jovens negros, o ónus da delinquência que se vive em Portugal, nomeadamente na periferia das grandes cidades? Está provado que os toxicodependentes furtam, vigarizam, pedincham, prostituem-se, em suma: fazem qualquer coisa para conseguir dinheiro para mais uma dose. Porém, não é fácil acreditar que os viciados se entregam ao vandalismo gratuito. Não comungo da ideia generalizada de que são eles que riscam as viaturas estacionadas, que as roubam para as atirarem em seguida por ribanceiras abaixo, que lhes lançam fogo ou que, como sucedeu em Lisboa nos começos de 99, numa só noite cortaram os pneus a 50 viaturas estacionadas na zona do Campo de Santana, proeza repetida na noite de 25 de Dezembro do mesmo ano, desta vez na zona do Dafundo, no concelho de Oeiras, onde foram retalhados os pneus de dezasseis viaturas estacionadas. Como é quase certo não serem eles, igualmente, quem estilhaça vidros de montras sem intenção de roubar, como tem também acontecido na castigada zona de Algés , ou que assaltam escolas, destruindo as suas instalações, em demonstração da mais aberrante selvajaria.
Com isto, parece não ser de todo despicienda a convicção de que estamos em presença de cenários distintos a recomendar formas de abordagem diferentes. Teimar em ignorar esta realidade (como tem acontecido até agora) não criando legislação adequada a cada caso e adoptando medidas que respondam a essas diferenças, pode ter consequências desastrosas, de retrocesso cada vez mais improvável.
A continuarmos imitando a avestruz, como será Portugal daqui por vinte anos?
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