Violações em massa dos direitos humanos, raptos e execuções extrajudiciais levam Conselho de Segurança a endurecer posição
Adeptos do Presidente cessante manifestam-se em Abidjan, uma zona favorável a Gbagbo. Foto: Luc Gnago/Reuters |
O Conselho de Segurança prolongou ontem por seis meses a Operação das Nações Unidas na Costa do Marfim (ONUCI), depois de a alta comissária para os Direitos Humanos se ter manifestado profundamente preocupada com o rapto de pessoas e com execuções extrajudiciais.
Segundo a AFP, o Conselho encarou mesmo a hipótese de reforçar os efectivos actuais da ONUCI, cerca de 10.000, que o Presidente cessante Laurent Gbagbo queria que saíssem do país, tal como os 950 soldados franceses da Força Licorne.
A situação é cada vez mais tensa entre o campo de Gbagbo e a ONUCI, enquanto a alta comissária Navi Pillay fala das provas crescentes de violações maciças dos direitos humanos, nos últimos cinco dias, com centenas de adversários do candidato derrotado a serem levados de casa a meio da noite para cárceres clandestinos. Alguns têm aparecido mortos em circunstâncias inexplicáveis.
Na emissora gaulesa RMC, o antigo primeiro-ministro francês Dominique de Villepin considerou que o papel da ONU deve mesmo ir mais longe, em colaboração com Paris: "É preciso ir para o terreno".
O investigador português Eduardo Costa Dias, do Centro de Estudos Africanos do ISCTE, afirmou ao PÚBLICO que "chegou a hora da verdade, da perdição sem retorno, pois que Gbagbo já cometeu demasiados erros. Ele e o seu círculo íntimo, a começar pela mulher, Simone", que é vice-presidente da Frente Popular Marfinense (FPI) e líder do respectivo grupo parlamentar.
"A não haver uma intervenção rápida da comunidade internacional, é a guerra civil, com um banho de sangue", acrescentou aquele especialista em assuntos da África Ocidental, ecoando outras visões pessimistas do que está a acontecer na Costa do Marfim.
Os indivíduos armados, não identificados, em trajo militar, que têm procedido aos sequestros são acompanhados por elementos das Forças de Defesa e Segurança (FDS) ou por milícias, declarou a alta comissária Pillay, segundo a qual isso aconteceu nomeadamente na localidade de Bassam, a leste de Abidjan.
Derrota rejeitada
As FDS, comandadas pelo general Philippe Mangou, são um pilar do regime mantido há 10 anos por Gbagbo, que não aceita ter sido derrotado nas presidenciais que tiveram a sua segunda volta no dia 28 de Novembro.
Algumas testemunhas dos acontecimentos desta última semana disseram à Amnistia Internacional que manifestantes gravemente feridos quando na quinta-feira procuraram encaminhar-se para os estúdios da televisão estatal viram ser-lhe recusado tratamento médico, perante a ameaça das forças de segurança.
O primeiro-ministro designado pelo Presidente eleito Alassane Ouattara, Guillaume Soro, antigo líder da guerrilha vulgarmente conhecida por Forças Novas (FN), disse ser preciso que a comunidade internacional se consciencialize de que está perante "uma verdadeira loucura assassina". Soro acusou o regime de Gbagbo de estar a criar na Costa do Marfim "outro Ruanda", numa referência ao genocídio que em 1994 se verificou na região dos Grandes Lagos, com cerca de 800.000 mortos.
A porta-voz das FN, Affousy Bamba, uma advogada, acusou entretanto os partidários do Presidente cessante de estarem a preparar uma chacina com o apoio de milicianos ou de mercenários naturais de Angola e da Libéria.
"Ambas as partes estão a preparar-se claramente para o conflito e Gbagbo, encurralado, demonstra pouco senso", comentou Alex Vines, director do programa África do centro de investigação Chatham House, citado pela Associated Press.
Há dias que se teme o pior, tendo o jornal francês Le Monde escrito em editorial que a Costa do Marfim já está a pagar bastante caro desde há oito anos o facto de ter ficado quase cortada em duas depois da revolta de 2002, com rivalidades étnicas, diminuição do nível de vida, infra-estruturas abandonadas e "criminalização do poder central".
Tal como o Presidente Nicolas Sarkozy, a ONU, a União Africana e a União Europeia, também o editorialista do Le Monde afirmou, logo em título, que "Gbagbo deve deixar o poder"
Nada para negociar
Aliás, já há duas semanas o vice-presidente do International Crisis Group, Alain Délétroz, dissera inequivocamente "que já não há nada mais para negociar na Costa do Marfim, a não ser as condições de partida de um chefe de Estado que se tornou ilegítimo e perigoso para o seu país e para toda a África Ocidental".
Depois de 10 anos de instabilidade e de má gestão, o país "plebiscitou Ouattara como portador de uma esperança de mudança", sintetizou Délétroz.
Em Bruxelas, a União Europeia decidiu ontem que amanhã irá anunciar formalmente sanções a aplicar a Gbagbo e a 18 dos seus colaboradores, proibindo-os de entrar no espaço comunitário.
"É tempo de ele partir", disse em Washington o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, manifestando de igual modo a disposição de a Administração Obama impor sanções a título individual às pessoas consideradas as principais responsáveis do que actualmente está a acontecer na Costa do Marfim, que é o maior produtor mundial de cacau.
Foi no dia 3 de Dezembro que o Conselho Constitucional, da confiança de Gbagbo, anulou o veredicto da Comissão Eleitoral Independente e o proclamou vencedor, anulando parte dos votos que tinham ido para Ouattara.
Jorge Heitor, Público, 21-12-2010
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