segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Haiti, dúvida brasileira

Sombra. Foto: Fernando Gabeira
Um brasileiro foi afastado da missão da OEA no Haiti porque deu entrevista criticando o papel das forças internacionais e dizendo que o Brasil não deve ser o guardião do cemitério. Seu nome é Ricardo Seitenfus, um homem corpulento que veio da mesma região do ministro Jobim e inclusive se parece fisicamente com ele.
Seitenfus foi o grande interlocutor que encontrei, quando criticava a ida do Brasil ao Haiti. Era e ainda é um defensor apaixonado da ajuda àquele pobre país. Minha questão era mais histórica: se tanto franceses como americanos estiveram no Haiti, porque as intervenções nunca dão certo ali? Lendo “Os Comediantes”, romance de Graham Greene, escrito nos anos 50, vemos referências a estradas construídas por americanos e que foram destruídas apos sua saída. No texto de Regis Debray, escrito para o governo francês, há também uma eloqüente inquietação sobre a possibilidade de construir no Haiti.

A defesa de Seitenfus foi tão competente que o governo o apontou para  OEA. Acontece que Seitenfus não defendeu a ida ao Haiti para agradar a ninguém, mas sim porque tinha simpatias com o Haiti e compaixão pelas dificuldades de seu povo.
Agora, sobretudo depois do terremoto, compreendeu que não se trata mais de ocupação militar e sim de ajuda econômica e social. O Brasil, diz ele, não pode ser o guardião de um cemitério.
Mas aí é que está o buraco. O Haiti, com sua tragédia, é vizinho dos EUA. A presença militar não se restringe ao combate aos grupos armados mas ajuda a desencorajar uma fuga em massa para os EUA. O Haiti continuará sendo ocupado militarmente, enquanto centenas de ONGs disputam palmo a palmo projetos isolados naquele país.
Seitenfus tinha razão, eu me equivoquei quando condenei a ida brasileira ao Haiti. Valeu a pena para os haitianos e brasileiros. Nas duas viagens que fiz ao país, tive a oportunidade de corrigir minha visão. Mas algumas dúvidas que me levaram a combater a idéia  ainda sobrevivem. Por que ninguém realizou, depois de tantas tentativas, a tarefa de pacificar e desenvolver o Haiti de forma estável?
De qualquer forma, pensem no Haiti, sempre que falarem do Alemão. O complexo do Alemão não está em Porto Príncipe, mas muitos dilemas são os mesmos.
Foto e texto de Fernando Gabeira, 27-12-2010

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