terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Paulo Resende: "Não esperava envelhecer sem dignidade. O governo não fez nada, está esperando que a gente morra, e desde 2006 muitos já morreram."

Companhias aéreas falidas têm dívidas de R$ 25 bilhões
Há 18,5 mil ações trabalhistas de ex-funcionários de Varig, Vasp e Transbrasil e passivos com ex-fornecedores
Em 2000, as três tinham 24 mil empregados; 58 aviões estão sem uso, mas falência morosa impede retirada

Aviões da Vasp no Aeroporto de Congonhas. Foto: Ricardo Nogueira/Folhapress
As falências de Varig, Vasp e Transbrasil, as principais companhias aéreas da década de 1990, deixaram para trás um rastro de dívidas que supera R$ 25,4 bilhões, segundo levantamento feito pelo advogado do setor aéreo Carlos Duque-Estrada, a pedido da Folha.
O cálculo foi feito a partir de informações atualizadas da Justiça e da 1ª Vara de Falência de São Paulo.
Esse montante é devido a milhares de credores, que vão desde fornecedores de água dos escritórios dessas empresas até fornecedores de combustível e peças.
Varig e Vasp saíram do mercado no governo Lula, que chegou a incluir as companhias aéreas na nova lei de recuperação judicial. O mecanismo deu sobrevida às empresas, mas até agora se mostrou insuficiente para mantê-las em operação.
Até hoje, a crise da Varig é citada por especialistas como um dos pontos de partida das diversas crises do setor nos últimos cinco anos.
O montante de R$ 25,4 bilhões inclui ainda dívidas com União, INSS e Receita Federal, além de fornecedores e funcionários.
"Quase R$ 3 bilhões são dívidas trabalhistas. Os processos se arrastam por conta de estratégias de advogados que usam e abusam de recursos para não deixar que as ações se encerrem", diz o advogado Duque-Estrada.
 
PROTECIONISMO
Em 2000, as três empresas contavam com 23.993 funcionários, entre pilotos, comissários, auxiliares de voo, pessoal de manutenção e revisão, tráfego e vendas.
Os dados são do Anuário Estatístico da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e não incluem os 2.745 funcionários de empresas do antigo grupo Varig -como Rio Sul e Nordeste.
Para ter ideia do porte dessas companhias, esse é o mesmo volume de funcionários que TAM e Azul tinham, somadas, em 2009.
"Essas empresas viveram um outro momento político, em que os militares garantiam um retorno mínimo para as companhias. Quando acabou o protecionismo do Estado, elas não conseguiram se adaptar", afirma Graziela Baggio, do Sindicato Nacional dos Aeronautas.
Na Justiça do Trabalho, são ao menos 18.500 processos trabalhistas ativos envolvendo ex-funcionários das três companhias. Somente em São Paulo são 6.581 ações, segundo levantamento atualizado até 17 de dezembro do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.
Um dos sinais da morosidade do processo de falência de uma companhia aérea é a presença de 58 aviões inoperantes em 25 aeroportos administrados pela Infraero.
Esses aviões são listados como ativos das empresas e estão envolvidos em disputas judiciais, o que dificulta a retirada. Quando a Justiça der autorização para a remoção, será preciso definir, ainda nos processos de falência, quem deverá retirá-los.
Até o dia 7 passado, as dívidas de Vasp, Varig e Transbrasil com a administradora de aeroportos somavam R$ 47 milhões em tarifas de pouso e permanência, além do adicional recolhido sobre as tarifas.

Ex-comissário cobra da Vasp R$ 1,5 milhão
O ex-comissário Paulo Cesar Seeman, 50, cobra na Justiça há quase dez anos o pagamento de salários atrasados e benefícios da Vasp.
Ele faz parte de um grupo seleto de credores com dívidas de alto valor e espera receber R$ 1,5 milhão.
Seeman foi demitido em 2000 e voltou para a companhia em 2008 por meio de uma ação de reintegração. Como a Vasp deixou de voar em 2005, ele passou a trabalhar na área administrativa.
A saída da empresa foi traumática: ele atuava como chefe de equipe da primeira classe em voos internacionais e trabalhava no setor havia duas décadas. Aos 40 anos, não conseguiu arrumar emprego em outra companhia aérea.
"Morava em um condomínio fechado em São Paulo. Tive de vender a casa, colocar minha filha para estudar em escola pública. De todos os meus amigos que foram demitidos, sou o único que conseguiu permanecer casado, uma coisa como essa abala a vida da gente."
Seeman voltou a estudar e hoje atua na área de recursos humanos. Mesmo assim, afirma que recebe hoje metade do que ganhava como comissário.
Ele diz ter esperança de finalmente receber parte do que a companhia deve após a venda da fazenda Piratininga, do empresário Wagner Canhedo, ex-proprietário da Vasp.
O cenário é menos otimista para o comissário aposentado da Varig José Paulo de Resende, 62. Beneficiário do Aerus, fundo de pensão da companhia aérea que está sob intervenção desde 2006, Resende viu sua renda encolher e não tem plano de saúde há dois anos.
"Lembro-me do meu último voo. Fui homenageado em um voo NY-Rio. Minha aposentadoria começou com benefício de R$ 3.475 e hoje recebo R$ 592", disse.
"Não esperava envelhecer sem dignidade. O governo não fez nada, está esperando que a gente morra, e desde 2006 muitos já morreram."
Os aposentados dependem do julgamento de uma ação de defasagem tarifária da Varig contra a União no STF (Supremo Tribunal Federal).
Claudia Rolli, de São Paulo e Janaína Lage, do Rio, Folha de São Paulo, 28-12-2010
Colaboração de Nelson Schuler

Rio de Janeiro, 23 de outubro de 2009
Rio de Janeiro, 13 de maio de 2009

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