quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A culpa do Natal pobre

"Pai Natal pobre" é o título/legenda desta foto. Não consegui identificar a autoria.

Este Natal vai ser um Natal muito mais pobre para todos. Já se vê pelas iluminações mixurucas da cidade, pelo ar desconsolado e lúgubre das pessoas que cruzamos na rua, nas lojas, nos transportes ou nos cafés, e sobretudo pelos saldos desesperados: tudo com descontos e tudo por vender. A pobreza instalou-se em Portugal de mãos dadas com o desemprego e veio para durar.
Mas, se este ano o Natal vai ser muito pobre e difícil para todos, o do próximo ano será, muito provavelmente, um Natal ainda mais sombrio, de privações de toda a ordem e miséria negra. De resto, ao longo do ano de 2011, corre-se o risco de conflitualidades inimagináveis, quer no plano corporativo, quer no plano inorgânico das massas e do "salve-se quem puder!", em que um estado de necessidade legitimará o "vale tudo" para assegurar a sobrevivência das pessoas e das famílias.

Os inconscientes que nos governam parece que ainda não se deram conta desse problema que virá a gerar situações de violência e a pôr directamente em causa a segurança de pessoas e bens, o respeito pela propriedade privada e o cumprimento das leis.
Depois de levarem anos e anos a negar, a pés juntos e a cada dia que passava, a extensão das asneiras trágicas que iam cometendo, preparam-se agora para passar uma esponja piedosa sobre si mesmos, afivelando ominosamente umas ventas de inocência ofendida e uma cândida cútis de meninos de coro sem mácula. Se em Portugal, ao que se diz por aí, nestas coisas de colarinho branco e braçadeira cor-de-rosa, ninguém vai preso, por que cargas de água é que os governantes haviam de ser excepção a esse princípio?
Ainda agora se viu o primeiro-ministro numas jornadas de deputados do Partido Socialista. Seria de esperar que, verificado o estado a que o seu Governo nos conduziu, houvesse naquele enfunado grémio parlamentar uma única reacção: correr imediatamente com o homem para fora da sala e forçá-lo sem contemplações a apear-se do cargo, por indecente e má figura. Mas ficaram todos muito satisfeitos por ele se pavonear como se não tivesse contribuído para a catástrofe com a sua governação desastrada. No parlamento, essa gente tinha colaborado em boa medida com o Governo e passara a legislatura a justificar o injustificável. Mas agora podiam ter um pouco mais de vergonha na cara. Nada disso. Mui circunspectos, aplaudiram outra vez, depois das afirmações e insinuações indecentes que ele fez quanto à pobreza em Portugal e a quem quereria, segundo ele, instrumentalizar eleitoralmente a pobreza, afinal criada pela própria governação socialista.
Esperava-se que a criatura se apresentasse a dizer aos seus correligionários que tinha feito ouvidos de mercador às advertências e avisos quer de especialistas, quer de profanos, muitos deles socialistas, ao longo destes anos todos; que reconhecesse ter cometido assim um erro irresponsável e tremendo; que viesse, de orelha murcha e baraço ao pescoço, prometer emenda sincera e remodelação rápida; que assumisse humildemente as suas responsabilidades. Mas não. Parece que conta manter-se no lugar até ao fim do mandato...
Cavaco Silva tem explicado a contingência em que teve de agir discretamente para conseguir a aprovação do Orçamento e tem recordado as vezes em que chamou a atenção para o descalabro que se preparava, em público e em privado, tudo nos limites dos seus poderes constitucionais.
Temos de compreender que o Presidente da República não se podia mover por imediatismos, nem forçar a letra e o espírito da Constituição que jurou guardar. Eu, que venho apelando à defenestração deste Governo sempre que posso e tenho muita honra nisso, compreendo perfeitamente que uma coisa são os meus estados de alma, as minhas impaciências e as minhas indignações, e outra coisa são os deveres e responsabilidades do Presidente, sobretudo se ele não pode traduzir na prática a sua perda de confiança no Governo.
Seja como for, tenho a certeza de que todas as pessoas bem formadas que vão eleger Cavaco Silva para o segundo mandato esperam convictamente uma coisa: que ele varra esta gente do poder e que faça isso o mais depressa que lhe for possível!
Vasco Graça Moura, Diário de Notícias, 22-12-2010

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