segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A exploração aética e indecorosa

Ainda aquela foto. Então vamos falar tudo; tudo mesmo! Ou: além do sentimento, a estética também é de segunda mão


Critiquei com dureza a divulgação das fotos da visita de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff à UTI do Hospital Sírio-Libanês, onde está internado José Alencar, vice-presidente da República. A propósito: antigamente, esses ambientes eram restritos a médicos, e eu continuo a achar que aquele era o bom procedimento. A petralhada ficou furiosa: “Olhem como o Reinaldo critica até isso! Que absurdo! Então Lula e Dilma não podem ter sentimentos? Então eles não podem agir como pessoas comuns?”
E desde quando um fotógrafo oficial da Presidência da República acompanha uma pessoa comum em visita a uma UTI? Pra começo de conversa, pessoas comuns não costumam entrar em UTIs, não é mesmo?
Indecente, sim!
Indecoroso, sim!
Imoral, sim!
Aético, sim!
O afeto não requer estrutura de marketing para que possa se exercer. Se a visita era dos cidadãos Luiz Inácio e Dilma, então a população não tem nada com isso. Eles e o doente têm direito à privacidade. Se a foto é divulgada pela Secretaria de Comunicação do governo, com a assinatura do fotógrafo oficial do Palácio, então se trata de um discurso obviamente político, e o meu papel — na verdade, a minha obrigação — é acusar a patranha sentimental, ainda que, em algum lugar de suas respectivas consciências, Lula e Dilma possam estar sinceramente tocados pela doença do vice.
Não estou aqui para arbitrar sobre as verdades sentimentais de ninguém. O meu papel é analisar o discurso dos políticos. E a foto, ignoram os tolos, é um discurso político como qualquer outro. Com ela, Lula e Dilma, presidente e presidente eleita, estão nos dizendo alguma coisa. E a coisa que dizem não é boa. O episódio só serve à mitologia de ambos.
Linguagem
Há mais. Lula e Dilma talvez ignorem o que vem agora, mas Ricardo Stuckert, o fotógrafo oficial, certamente sabe: a foto que vai lá no alto, como não poderia deixar de ser, também tem um apelo estético — e nada original. O fotógrafo italiano Oliviero Toscani ficou mundialmente famoso com as campanhas publicitárias que fez para Benneton. Quem é um tantinho “alfabetizado” em imagens lembrou desta aqui:


Familiares cercam um doente — no caso, não de câncer, mas de Aids. O apelo acima, evidentemente, é mais dramático do que aquele do alto, mas estamos na mesma linguagem. Em ambos os casos, trata-se de óbvio mau gosto… moral, pouco importando se um quer vender moleton, e o outro, política menor.
A petralhada pode espernear à vontade. Como dizia Voltaire, o segredo de aborrecer é mesmo dizer tudo. E eu digo o que acho que tem de ser dito. Torço para que José Alencar tenha o bem-estar máximo. Já elogiei aqui a sua disposição para lutar contra a doença. Mas isso não vai me impedir de apontar uma exploração política vulgar, mesquinha, da doença. Ainda que o procedimento conte com o apoio do doente e de sua família.
Eu analiso discursos políticos de figuras públicas. Não sou nem bom nem mau. Procuro apenas ser preciso.
Reinaldo Azevedo
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