domingo, 26 de dezembro de 2010

25 de novembro de 1975


Capa da Visão História, julho de 2010
25 de Novembro de 1975: a maior parte dos leitores jovens desta breve crónica talvez não saiba sequer do que se trata. E, no entanto, é, na história contemporânea de Portugal, uma data tão importante, para a afirmação da democracia pluralista, pluripartidária e civilista que hoje temos, como a Revolução dos Cravos.

Não tenho nenhum gosto de levantar polémicas passadas. Mas a verdade é que a memória histórica não deve ser esquecida. Sobretudo, quando os responsáveis de termos estado à beira da guerra civil, o Partido Comunista e a Esquerda radical - lembremo-nos dos SUVs e do Poder Popular - nunca fizeram uma autocrítica a sério do seu comportamento passado, como lhes competia.

Pelo contrário, continuam a pensar - e às vezes a dizer - que o 25 de Novembro foi uma contrarrevolução que impediu que Portugal fosse uma Cuba europeia. Onde estariam hoje esses responsáveis - e os seus herdeiros - se tivessem ganho? Seguramente não viveriam tão bem e em paz como hoje, felizmente, vivem.

General Ramalho Eanes, Coronel Jaime Neves, Vitor Lourenço, Comandante Militar da Região de Lisboa, novembro 1975. Foto: DA

Depois disso, o mundo deu muitas voltas. Assistimos ao colapso do comunismo na URSS e nos Estados então satélites, como a queda do muro de Berlim, ao desaparecimento da cortina de ferro, ao fenómeno do terrorismo islâmico, à invasão do Afeganistão, com o aval da ONU e à guerra do Iraque - dois novos Vietnames -, à globalização económica e, sobretudo financeira, e à crise do capitalismo financeiro especulativo, dito de casino. Trata-se, como sabemos, de uma crise global e profunda, que nos atinge a todos, com maior ou menor incidência e que está longe de ter passado.

O mundo de hoje é muito diferente do de 1975. E a relação de forças internacionais mudou, com o aparecimento dos Estados emergentes. Tornou-se plurilateral e os blocos de Estados rivais pertencem ao passado. Quem nos diria que o Presidente da Rússia participaria numa Cimeira da NATO e tornava o seu país, um parceiro fiável do Ocidente? Quem nos diria que Fidel Castro, agora sem papas na língua, reconheceria que a experiência cubana fora - como se sabe - um tremendo fracasso?

Contudo, a nossa Esquerda, a comunista e a radical, parece terem passado por tudo isto sem darem por nada, sem interiorizar qualquer reflexão, continuando a repetir os mesmos slogans de sempre. É triste! Porque contribui para inquinar o nosso futuro, já de si difícil e extremamente complexo.

Diga-se, contudo, que o socialismo democrático também precisa de fazer uma séria autocrítica. E ainda não a fez. Pelo menos na Europa, onde se deixou influenciar pelo colonialismo ideológico neoliberal americano e pela fantasiosa "terceira via" de Blair, de que já poucos se lembram. Foi o que levou a maioria dos Estados europeus ao conservadorismo acéfalo, que hoje nos governa, e está a arrastar a União para a decadência e o descrédito.

É urgente, assim, que os europeus repensem a Esquerda e pressionem o Partido Socialista Europeu e a Internacional Socialista a mudar o paradigma de desenvolvimento, reafirmando a contrato social, os valores éticos e a necessidade tão atual de medidas ambientais. Sem isso - tenhamos a convicção - marchamos a passos rápidos para a desagregação da União Europeia. O que seria uma tragédia para os países membros da União, para a América e para o mundo.
Mário Soares, in "Visão", nº 926, 2 a 8 de dezembro de 2010

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