José Manuel Fernandes
Então vamos lá trocar umas
ideias sobre crescimento
Lendo os jornais e vendo as
televisões, fica-se sem dúvidas: em Portugal, e na Europa, há dois tipos de
políticos. Uns são pela austeridade. Os outros são pelo “crescimento e pelo
emprego”. Não é dito, mas está
subentendido, que os primeiros devem ser ou sádicos (gostam de fazer mal às
pessoas) ou masoquistas (gostam de perder eleições). Os outros, naturalmente,
não só são intrinsecamente bons, como visionários. Esta dicotomia devia ser
demasiado ridícula para ser levada a sério, mas a verdade é que é. Chega-se até
ao ponto de justificar esta estranha situação por Angela Merkel (a alma danada
por detrás de tudo o que de mal nos acontece) ter nascido na Alemanha “do
Leste” e, pecado ainda maior, ser “protestante”. Não têm de resto faltado
comentadores e outras figuras ilustres a desfilar pelas televisões para nos
ungirem com tão douta explicação.
Nada disto faz sentido – mais
exactamente, nada disto faz sentido a não ser como propaganda muito primária.
Nenhum político com um mínimo de sentido de sobrevivência prefere a austeridade
ao crescimento. O que existe, isso sim, são diferentes visões sobre como
estimular o crescimento da economia. E era por aí que as discussões deviam
começar.
Uma parte do actual equívoco
começa numa espécie de axioma que comanda muitos raciocínios: o de que, para
haver crescimento económico, o Estado deve gastar mais. Gastar mais em
“estímulos”, gastar mais em infra-estruturas, gastar mais a empregar
desempregados, gastar mais em prestações sociais. Mais despesa pública, mais
crescimento, menos despesa pública, austeridade eterna – é esta a ladainha que
se repete um pouco todo o lado.
Portugal é, infelizmente para
nós, um excelente exemplo do erro deste raciocínio. Na primeira década do
século XXI o nosso país teve o terceiro pior crescimento do mundo apesar dos
inúmeros programas de “estímulo” (leia-se subsídios) à economia, de um programa
de construção de auto-estradas que nos faz ter uma rede mais densa do que a
alemã, de apostas grandiloquentes nas novas tecnologias e nas novas energias.
Depois, quando a crise estalou em 2008, o Portugal de Sócrates foi um dos mais
entusiastas na adopção de políticas ditas keynesianas, e os resultados são os
que estão à vista. Mais: a Espanha construiu o TGV que nós (em boa hora) não
construímos e isso também não a salvou; tal como o novo aeroporto de Atenas não
salvou a Grécia do colapso.
É por isso muito difícil
perceber o entusiasmo quase infantil que por aí vai sobre a “agenda para o
crescimento” na União Europeia. Mais: chega a ser doloroso verificar que há até
quem fale num “novo Plano Marshall”. Para se ter apenas uma ideia, esse plano
que tanto ajudou a Europa a recuperar das cinzas do pós-guerra representou o
equivalente a cinco por cento do PIB americano na época. Se hoje quiséssemos
mobilizar uma montanha de dinheiro equivalente teríamos de ir buscar entre 600
milhões e um milhão de milhões de euros. Em fundos públicos. Sabem o que está a
ser negociado em Bruxelas? Um reforço de 10 mil milhões de euros do capital do
Banco Europeu de Investimentos. O resto seria alavancagem financeira e fundos
privados. Para além da reprogramação de fundos já existentes.
Pelo que, das duas, uma: ou
estamos pura e simplesmente perante uma ficção – é preciso falar de
crescimento, logo arranja-se uma “agenda para o crescimento”; ou então estamos
perante um programa que, ao mobilizar fundos privados para programas públicos
(nos documentos da Comissão Europeia sente-se por vezes uma estranha e
desagradável ressonância a “parcerias público-privadas”), pode ajudar a criar
hoje uma ilusão de crescimento que, amanhã, se traduz em mais peso para as
economias e mais pressão sobre os sistemas financeiros.
Bem sei que não é popular
dizê-lo, mas o foco tem de continuar a estar nas mudanças necessárias para
tornar as economias mais competitivas. O foco tem de estar em reformas
semelhantes às que a Alemanha (no tempo do socialista Schroeder) e a nórdica
Suécia levaram a cabo nos últimos anos. Até porque, como esta semana explicava
em editorial o Financial Times, políticas de estímulo por via orçamental até
podem ter algum efeito nos Estados Unidos – uma economia relativamente fechada
onde mais gastos públicos se traduzem quase directamente em mais consumo
interno –, mas funcionam mal em países pequenos e médios – onde uma parte do
efeito se esvai via aumento das importações.
Para muitos políticos é, de
facto, duro perceber que não lhes basta porem-se a construir estradas, escolas
ou portos para terem mais crescimento e menos desemprego. É verdade que,
noutros tempos, em economias menos sofisticadas e em países mais
desestruturados, certas políticas públicas ajudaram, e muito, ao crescimento.
Fizeram-no, sobretudo, quando ajudaram a retirar barreiras à entrada nos
mercados de novos empreendedores – a educação, por exemplo, alarga brutalmente
a base de recrutamento de talentos ao criar idênticas oportunidades para todos
e não apenas para os filhos das elites. Mas as economias desenvolvidas de hoje
já ultrapassaram esse estádio, por assim dizer, de Plano Marshall. O que elas
realmente necessitam é que o capitalismo democrático funcione.
Fala-se por aí muito dos
mercados mas raramente, ou mesmo nunca, se percebe que o que distingue o
capitalismo das economias mercantis que o precederam é que este é uma fabulosa
máquina de inovação. “Destruição criativa”, chamou-lhe Schumpeter, e estamos
sempre a vê-la funcionar: pensem na Apple face à Nokia, nas companhias low-cost
face às companhias estabelecidas, na Toyota face à General Motors e por aí
adiante. Há países onde, em meia dúzia de anos, se pode passar de experiências
nos dormitórios das universidades a um Facebook, e outros (como contava uma
reportagem do New York Times sobre a Grécia) onde é necessário entregar uma
análise de fezes para abrir um negócio de comércio electrónico.
Nos anos 80 e 90 o mundo
desenvolvido saiu da crise e da depressão dos anos 70 graças a reformas que
estimularam o investimento privado, a tomada de risco, a flexibilidade e a
mobilidade do trabalho e dos capitais. Hoje, por causa de sensação de pânico
que se instalou em muitas opiniões públicas, paira a tentação do regresso ao
proteccionismo e crescem os pedidos de abrigo sob a asa esfarrapada e
endividada dos estados. É essa tentação que deve ser evitada. Tal como se deve
discutir as duas propostas pró-crescimento que devolvem realmente às pessoas e
às economias espaço para inovar, concorrer e crescer: a nível europeu, a real
liberalização do mercado interno dos serviços, abrindo à concorrência o sector
onde mais riqueza é produzida na UE; a nível nacional, a redução dos impostos
(o que implica fazer emagrecer os governos), deixando assim mais dinheiro na
economia para ela poder respirar.
O crescimento sustentável
passa por aqui, não passa pelo “crescimento para político inaugurar”. Não nos
iludamos.
Texto: José Manuel Fernandes, no blogue “Blasfémias”,
05-05-2012
Título: André Azevedo Alves, no blogue “O
Insurgente”
Ousando complementar:
Os que proferem a palavra "crescimento" sozinha ou acompanhada de" política" o fazem por demagogia. Reparemos que junto a estas palavras, você, que detesta ser tratado como pacóvio, não consegue captar o que isso significa, entende? Porque trata-se tão somente de falar qualquer porcaria. Mas, pacóvios ficam com a palavra, só com a palavra.
Agora, alguns desses luminares também têm outra intenção: a de gastar, pedir emprestado, ficar devendo, ser caloteiro...
Não entendo como um país que DEVE mais do que produz (do PIB) pode ser considerado independente ou soberano. Fica difícil compreender que os países, os Estados (que somos nós, seres humanos) que devam dinheiro, ou pior, que não tenham mais ninguém para lhes emprestar dinheiro, possam ser soberanos...
Independente ou soberano é quando você, indivíduo ou Estado, não devendo a ninguém, tendo uma boa poupança – para fazer face a uma emergência e/ou para poder comprar o que quiser, quando quiser – , portanto não dependendo de outros pode, então, falar grosso! Isso sim, é independência.
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