George Friedman
A Europa e os mercados
financeiros observaram atentamente o dia 17 de junho último quando a Grécia foi
às urnas para eleições majoritárias. A Chanceler Angela Merkel, o Presidente
francês François Hollande e o Primeiro-Ministro italiano Mario Monti, todos,
deixaram para a última hora seus voos de 18 de junho para o México – onde
acontece a reunião de cúpula do G-20 – na espera dos resultados.
Os dois principais disputantes
das eleições gregas eram o centro direitista Partido da Nova Democracia (PND),
que prometia manter os compromissos financeiros da Grécia com a austeridade
econômica e honrar os acordos financeiros do país com a União Europeia e com o
FMI, e a Coalizão da Esquerda Radical (CER), um grupo de políticos
ultraesquerdistas que prometia rejeitar os acordos existentes da Grécia, por
fim à austeridade econômica e manter a posição do país na eurozona. Um terceiro
partido principal, de centro-esquerda, era o Movimento Socialista Pan-helênico
(MSP), que compartilha a posição do PND de manter o acordo de socorro
financeiro da Grécia. Esse MSP tem governado a Grécia até que formou uma
aliança política de governo com o PND no final de 2011.
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Gráfico
do EURO - Países da União Monetária Europeia: Unidade Custos do Trabalho e
Preço
|
Por um instante parecia que
essas eleições seriam definitivas. Ou a Grécia rejeitaria o acordo do país com
seus credores internacionais, sendo potencialmente forçada a sair da eurozona,
ou não. Caso a Grécia rejeitasse a austeridade e forçosa ou voluntariamente
deixasse a eurozona, o país poderia se tornar um precedente a ser seguido por
outros estados de economias problemáticas e precipitar uma crise financeira --
a saída da eurozona e o calote provavelmente se propagaria de caso em caso até
o fim da EU. A Europa seria testada como nunca antes, e descobriria o quanto
resiliente ela é em face de uma crise financeira mais ampla.
Mas acontece que, na Europa, o
resultado menos provável é o que é definitivo. O PND ganhou a eleição com 29,5
% dos votos válidos, conseguindo 78 cadeiras no Parlamento mais outras 50
cadeiras de prêmio ao partido vencedor pela Constituição grega. A CER teve 27,1
% dos votos, equivalente a 72 cadeiras no Parlamento, e p MSP teve 12,2 % dos
votos, ou 33 assentos no Congresso. O resto dos votos se diluiu entre uma hoste
de outros partidos menores. Na Grécia, um partido tem que ter conquistado 151
cadeiras para obter uma maioria absoluta no Parlamento, mas, como nenhum
partido atingiu esse limiar, uma coalizão de governo terá que ser formada.
Assim, o PND necessita da CER caso queira obter uma governabilidade, mas o MSP
já disse que não se juntará a uma coalizão como essa, de opostos, com a CER.
Não está claro como seria uma coalizão entre um partido que quer respeitar os
acordos de resgate econômico e um partido que quer rejeitá-los, mas, de
qualquer modo, tal coalizão é improvável que ocorra. A CER quer formar uma oposição
ponderosa, algo que relembre um governo que eventualmente será formado a
despeito da retórica atual.
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Gráfico do Euro - Comparativo das Unidades de Custo do Trabalho Alemanha, França e Sul da Europa |
A votação grega, pois, nada
estabeleceu. De fato, a situação pode levar a uma impossibilidade de formarem
um governo; eleição anterior não conseguiu produzir um governo e forçou esta
nova eleição. É patética a visão de como a crise europeia afetou tão
severamente um país de modo a fragmentá-lo tanto politicamente. Por outro lado,
pode-se argumentar que tal crise inevitavelmente seria tão mais severa quanto
mais dividida fosse o país – não por causa das divisões que causaram a crise,
mas por causa da crise que causou as divisões.
A pressão exercida sobre a
sociedade grega solapou qualquer ordem política pré-existente; as escolhas a
serem adotadas pelos formadores de políticas ficaram tão limitadas e tão
assustadoras que as respostas coerentes se tornaram difíceis. A Grécia tem
opções, mas o país está incapaz de escolher uma. Mais di que qualquer coisa, a
Europa quer uma decisão sobre seu próprio futuro, qualquer que essa decisão
possa vir a ser. Em 17 de junho, a Grécia desapontou a Europa, não por causa da
escolha eleitoral que fez, mas porque ela se mostrou inepta de prosseguir com
ela, o que transforma uma possível decisão em provável indecisão.
CRISE GERENCIAL
As indecisões da Grécia se
equiparam às da Europa. Outra e mais significativa estrutura para tal indecisão
está a emergir nas relações franco-germânicas. O Partido Socialista Francês
ganhou uma maioria absoluta no mesmo dia em que a Grécia entrou em outro
impasse de governabilidade. Isto torna possível para os socialistas da França
formar um governo europeu sem os gregos, dando a Hollande uma plataforma forte
e coerente a partir da qual agir.
A posição da França sobre como
gerenciar a crise do débito soberano difere fundamentalmente da posição da
Alemanha. Os alemães têm dito que não concordarão com soluções propostas que
essencialmente venham tornar a eurozona numa ‘união de transferência’ até que o
resto da Europa possa equilibrar seus orçamentos mediante medidas de
austeridade. A Alemanha acredita que isto tem que ser o primeiro passo para
mais adiante existir uma integração entre a UE e a zona do euro. Hollande
assume uma posição diferente. Ele, também, quer uma maior integração da EU com
a eurozona. Entretanto, Hollande advoga o estímulo econômico juntamente com
medidas de austeridade como um meio de reequilibrar as finanças dos governos da
Europa.
Hollande quer tirar a Europa
de seus problemas e dilemas financeiros. Isto significa estimular as suas
economias, um processo que requer déficit de despesas, de gastos. Hollande
sustenta que crer numa doutrina keynesiana tradicional que aumente o consume
aumenta a atividade econômica e aumenta o investimento e com isso o emprego e a
geração de renda. Como um socialista com um forte contingente de esquerdistas
em seu partido, Hollande não pode apoiar a posição alemã, que constrange a
economia, particularmente por diminuir as despesas governamentais, e em função
disso deprimir o consumo.
A diferença entre as
abordagens, francesa e alemã, é substancial. Ela revela uma disputa no coração
da estratégia europeia de gerenciamento da crise. Os alemães têm sido
agressivos na exigência de orçamentos equilibrados. Os franceses estão se
tornando igualmente agressivos na exigência de políticas expansionistas do meio
circulante, mesmo que isso leve a uma dramática desvalorização do euro. Ambos
parecem querer evitar calotes, mas os alemães querem garantias de pagamentos
das dívidas por uma combinação de ‘resgate financeiro’ e austeridade econômica
dos resgatados. Os franceses querem adicionar ‘estímulos’ a isto, o que muda a
situação inteiramente por causa dos estímulos, em grande parte, serem
financiados pelos cofres alemães.
Não se trata de uma simples
questão de divergência entre teorias econômicas. É uma questão de interesse
nacional, e não, evidentemente do interesse de uma nação ainda hipotética que
alguns apelidam de ‘Estados Unidos da Europa’. A França não está economicamente
decrépita como estão a Espanha e a Itália, sem falar na Grécia, mas nem por
isso ela está deixando de sentir as pressões da crise financeira que se abateu sobre
o bloco. Caso a Europa continue em seu caminho rumo à recessão severa, a França
enfrentará um desemprego ainda maior e portanto pressão política doméstica sob
o plano alemão. Não é do interesse de Hollande ou da França seguir o rumo que
os alemães traçam. Por sua vez, a Alemanha não pode correr o risco de
ulteriores déficits governamentais dentro do sistema econômico europeu. A
robusta economia alemã dá ao país um colchão financeiro para amaciar os efeitos
dos cortes de déficits; o resto da Europa, inclusive a França, não pode se dar
a tal luxo.
Interessante observar que
França e Alemanha estavam aparentemente concordes até que Hollande foi eleito
presidente. Na verdade, o fundamento e missão da integração europeia tem sido o
estrito alinhamento de Alemanha e França a uma política comum. Um princípio
fundacional da união é o de que tal alinhamento garantia a estabilidade e
desencorajava conflitos que afetavam toda a Europa. Agora, a Europa perdeu sua
coerência em seu maior grau, muito embora de um modo bem mais ordeiro do que a
Grécia.
DESARMONIA E OPINIÃO PÚBLICA
Certamente, a situação não é
tão simples. O que a Alemanha diz querer difere do que ela permite que ocorra.
A Alemanha propugna favorecer uma austeridade disciplinada, mas, mais do que
qualquer outro país, a Alemanha precisa da eurozona para permanecer intacta. É,
pois, a parte que quer compromisso com a austeridade e com a erradicação de
dívidas ruins. Por outro lado, a Alemanha rejeita a ideia de que uma estratégia
sistemática para estimular o crescimento econômico seja necessária ou que
provavelmente funcione. A França não vê outra solução, senão a que enfrente a
austeridade em si. Ambos os países querem políticas fiscais diferentes das que
querem os outros membros do bloco e também, logicamente, das que quer o Banco
Central Europeu.
Entre os membros mais
assediados da União Europeia por suas relações com seus membros mais fortes e
mais estáveis, existe agora uma desarmonia profunda. O que os levam a tal
desarmonia é a opinião pública. O público grego é dividido politicamente e,
portanto, a Grécia está paralisada. A França realizou uma eleição na qual
Hollande, que tem sérias dúvidas sobre a política alemã, foi forçado a sair e
acabou substituindo Nicolas Sarkozy, com quem compartilhou a posição alemã
sobre o gerenciamento da crise.
Não são os formadores de
políticas que estão divididos. Ao invés disso, é o eleitorado que está deixando
de lado os formadores de políticas. A solução alemã para o problema é tão pouco
palatável ao resto da Europa que a elite tradicional de políticos que apoiam o
plano alemão, tal como Sarkozy e o ex-primeiro-ministro grego, George
Papandreou, estão sendo substituídos. Suas substituições tendem a rejeitar a
posição alemã.
Na verdade, a realidade
política tem restringido as ações dos legisladores europeus. Até cerca de cinco
anos atrás, um amplo consenso governou a Europa quando ela se integrou na União
Europeia, e os políticos eram livres para se alinharem com as políticas
estabelecidas pelo parlamento europeu. Tal não é maio o caso – a solução de
manter a Europa como um bloco (e uma possível futura nação) está sendo
contestada. Mais importante, a Alemanha tem se tornado o problema na eurozona
onde antes era exatamente a solução.
Assuntos estruturais, tais
como a dependência alemã das exportações para a União Europeia, explica apenas
em parte a mudança da percepção pública da Alemanha. Mais exatamente, os
métodos alemães para o gerenciamento da crise são vistos de modo crescente
pelas outras nações do bloco como ameaças significantes ao seu bem-estar – não
existe uma coalizão antialemã sequer. A Alemanha quer encontrar uma acomodação
com a França. O problema reside em como os pontos de vista franceses e alemães
possam ser reconciliados. A França não está liderando uma coalizão contra a
Alemanha, mas é difícil imaginar um cenário diferente.
Quanto mais eleições são
realizadas, mais o público irá forçar seus líderes nas mais variadas direções.
Mais frequente do que nunca, tais direções evitarão conscientemente a
austeridade e a Alemanha. Com o passar do tempo, isto irá solidificar um novo
mapa. Apesar de isso já estar acontecendo, as recentes eleições pelo menos não
estão solucionando o problema europeu. Na verdade, elas poderão vir a dividir
mais ainda o continente. E há muitas eleições pela frente.
Texto: George Friedman,
Stratfor
Título e Tradução: Francisco
Vianna
NOTA DO TRADUTOR
Os gráficos deste artigo do
Dr. George Friedman não pertencem originalmente ao corpo do trabalho e foram
introduzidos propositadamente por mim.
Acontece que, ao tratar
brilhantemente dos problemas econômicos que afetam a UE, o autor só teceu
considerações de ordem política e financeira, deixando de fora o aspecto do
trabalho.
Na verdade, assim como os
americanos, os europeus – e a União Europeia parece ter agravado isso com a
criação da uma unidade monetária única – acostumaram-se muito mal a gastar o
dinheiro que não possuíam, pegando empréstimos e rolando suas dívidas por
décadas.
Pelos gráficos, o valor do
trabalho varia conforme o país do bloco e onde há maior dívida é justamanete
onde o custo do trabalho está mais alto e onde mais varia o valor da unidade
monetária única da UE, o euro.
Foram anos a fio de muitos
gastos, de alto padrão de vida, e de pouco trabalho, uma ‘mágica’ cruel que
pode decretar o fim do bloco europeu e a impossibilidade da UE vir a ser uma
nação de fato.
Os europeus se acostumaram a
padrões de vida incompatíveis com a sua produção econômica e querem, agora,
resolver isso politicamente, algo que me parece incongruente e infactível.
Os gráficos em questão foram
emprestados do trabalho de Heiner Flassbeck ‘German Mercantilism and the failure of Eurozone’, traduzido pelo blog da ‘rede castor photo’.
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