terça-feira, 16 de abril de 2013

Governo de salvação de quem?

Helena Matos
“Governo de salvação nacional” deve ser a expressão mais amada de Portugal. Aqueles que a pronunciam parecem imbuídos de uma espécie de superioridade moral que lhes adviria da bondade de tal proposta.
Mas um governo desta natureza permitiria salvar o quê ou quem? Não me parece que fosse o País o objecto de tal salvação.
Na verdade uma boa parte dos promotores deste governo de Salvação Nacional pretende, muito meritoriamente aliás, salvar o PS de si mesmo, ou seja salvá-lo de uma deriva esquerdista que, como pessoas informadas, sabem que garante muito boa imprensa, péssimos resultados eleitorais e uns lugares de deputados a uns esquerdistas radicais. Mas a salvação do PS não lhe pode ser imposta, tanto mais que não basta integrar no governo figuras como Luís Amado ou Rui Vilar para o Governo para que o PS reencontre um caminho e, mais importante que tudo, o sizo. Antes pelo contrário essa opção seria mais um factor de instabilidade num partido que já tem um líder errático no largo do Rato e outros dois, Sócrates e António Costa, sentados em estúdios de televisão.
Outra parte dos defensores deste tipo de governo pretende salvar os corporativismos e os proteccionismos estatais, um universo onde pontuam sobretudo notáveis sociais-democratas, em particular aqueles cujo ascendente pessoal cresceu na exacta proporção em que colocavam o PSD sob a tutela ideológica dos socialistas e dos socialismos. Por outro lado, um governo desta natureza não desagrada aos aparelhos partidários porque lhes permite com maior impunidade propagarem-se pelo aparelho de Estado.
A caucionar esta proposta estaria a memória do governo de Bloco Central. Mesmo que este não tivesse durado apenas dois escassos anos (1983-1985) e propiciado um tal clima de suspeição sob a classe política que levou a uma intervenção presidencialista via criação de um novo partido, o PRD, haveria que acrescentar que aquilo que se fez em 1983-1985 não punha em causa os mitos fundadores da democracia portuguesa sobre o Estado enquanto fabricante de dinheiro.
Em 1983, tal como em 1977, a crise foi em boa parte explicada como resultado do atraso herdado de 1974 e os pedidos de ajuda externa não levaram a uma reforma do Estado. Os cortes foram apresentados como transitórios e a desvalorização da moeda permitiu um ajustamento menos visível. No fim da crise, garantiam os governos de então, estaríamos de volta à nossa vida de sempre e no caso de 1985 a uma vida bem melhor pois à nossa espera estavam os fundos da CEE. Em 2013, cheques só os da ‘troika' além de que finalmente se tornou evidente que temos de ajustar as despesas do Estado à riqueza do País. Isto obriga a uma reestruturação do Estado mas também do discurso dos partidos. E nem o PS nem o PSD, e muito menos o CDS, deram ainda esse passo. Vão ter de o fazer sob risco de acabarem no negacionismo do PCP ou no folclore casuístico do BE. Um governo da salvação nacional apenas permitiria ao PSD e a uma parte do PS iludirem essa obrigação por mais tempo e ao CDS dispensar-se de o fazer.
Muito provavelmente as tais reformas que todos sabemos indispensáveis passariam de mão em mão no governo como pedra quente que ninguém quereria segurar. Rapidamente teríamos o governo e o Presidente da República, que teria de caucionar um Executivo desta natureza, a enfrentarem uma contestação que não seria menor que a presente. Infelizmente o que seria bem menor era a legitimidade do Governo e do PR. A antecipação das eleições legislativas com os dois principais partidos interiormente esfrangalhados tornar-se-ia uma certeza e um bónus para as margens do sistema pois um governo de Bloco Central teria como principal efeito destruir o centro e distorcer o papel do Presidente.
Título e Texto: Helena Matos, Ensaísta, Diário Económico, 16-04-2013

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