“Governo de salvação nacional” deve ser a expressão mais amada de
Portugal. Aqueles que a pronunciam parecem imbuídos de uma espécie de
superioridade moral que lhes adviria da bondade de tal proposta.
Mas um governo desta natureza
permitiria salvar o quê ou quem? Não me parece que fosse o País o objecto de
tal salvação.
Na verdade uma boa parte dos
promotores deste governo de Salvação Nacional pretende, muito meritoriamente
aliás, salvar o PS de si mesmo, ou seja salvá-lo de uma deriva esquerdista que,
como pessoas informadas, sabem que garante muito boa imprensa, péssimos
resultados eleitorais e uns lugares de deputados a uns esquerdistas radicais.
Mas a salvação do PS não lhe pode ser imposta, tanto mais que não basta
integrar no governo figuras como Luís Amado ou Rui Vilar para o Governo para
que o PS reencontre um caminho e, mais importante que tudo, o sizo. Antes pelo
contrário essa opção seria mais um factor de instabilidade num partido que já
tem um líder errático no largo do Rato e outros dois, Sócrates e António Costa,
sentados em estúdios de televisão.
Outra parte dos defensores
deste tipo de governo pretende salvar os corporativismos e os proteccionismos
estatais, um universo onde pontuam sobretudo notáveis sociais-democratas, em
particular aqueles cujo ascendente pessoal cresceu na exacta proporção em que
colocavam o PSD sob a tutela ideológica dos socialistas e dos socialismos. Por
outro lado, um governo desta natureza não desagrada aos aparelhos partidários
porque lhes permite com maior impunidade propagarem-se pelo aparelho de Estado.
A caucionar esta proposta
estaria a memória do governo de Bloco Central. Mesmo que este não tivesse
durado apenas dois escassos anos (1983-1985) e propiciado um tal clima de
suspeição sob a classe política que levou a uma intervenção presidencialista
via criação de um novo partido, o PRD, haveria que acrescentar que aquilo que
se fez em 1983-1985 não punha em causa os mitos fundadores da democracia
portuguesa sobre o Estado enquanto fabricante de dinheiro.
Em 1983, tal como em 1977, a
crise foi em boa parte explicada como resultado do atraso herdado de 1974 e os
pedidos de ajuda externa não levaram a uma reforma do Estado. Os cortes foram
apresentados como transitórios e a desvalorização da moeda permitiu um ajustamento
menos visível. No fim da crise, garantiam os governos de então, estaríamos de
volta à nossa vida de sempre e no caso de 1985 a uma vida bem melhor pois à
nossa espera estavam os fundos da CEE. Em 2013, cheques só os da ‘troika' além
de que finalmente se tornou evidente que temos de ajustar as despesas do Estado
à riqueza do País. Isto obriga a uma reestruturação do Estado mas também do
discurso dos partidos. E nem o PS nem o PSD, e muito menos o CDS, deram ainda
esse passo. Vão ter de o fazer sob risco de acabarem no negacionismo do PCP ou
no folclore casuístico do BE. Um governo da salvação nacional apenas permitiria
ao PSD e a uma parte do PS iludirem essa obrigação por mais tempo e ao CDS
dispensar-se de o fazer.
Muito provavelmente as tais
reformas que todos sabemos indispensáveis passariam de mão em mão no governo
como pedra quente que ninguém quereria segurar. Rapidamente teríamos o governo
e o Presidente da República, que teria de caucionar um Executivo desta
natureza, a enfrentarem uma contestação que não seria menor que a presente.
Infelizmente o que seria bem menor era a legitimidade do Governo e do PR. A
antecipação das eleições legislativas com os dois principais partidos
interiormente esfrangalhados tornar-se-ia uma certeza e um bónus para as
margens do sistema pois um governo de Bloco Central teria como principal efeito
destruir o centro e distorcer o papel do Presidente.
Título e Texto: Helena Matos, Ensaísta, Diário Económico, 16-04-2013
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