Tirei o sábado para descansar
um tantinho, tomar um pouco de sol, dar uma chance à Vitamina D, curtir a
família e os amigos. Só ao fim da jornada liguei um pouco a TV e havia lá um
senhor de que eu nunca ouvira falar tocando guitarra, o que me pareceu ok,
embora não entenda zicas do assunto. Depois pergunto para o Lobão se, na
espécie — como diria Marco Aurélio —, presta ou não. Desliguei quando decidiram
informar, numa mensagem estampada na tela, que o cara gosta de comer bananas e
tem “fetiche por mulheres só com meias”. Na hora, eu fiquei imaginando o coroa
hesitante entre descascar uma banana e, bem…, curtir o seu fetiche.
Definitivamente, pensei, eu poderia fazer algo menos miserável. E então decidi
ler o que andava por aí, na área de meu principal interesse: a política. E aí,
sim, conheci o que é miséria moral e existencial. Os furiosos estão inquietos.
Os furiosos estão babando. A tabela do capilé pago pelas estatais e pelo
governo federal deve ter tido um reajuste. Essa gente não se indigna de graça;
tampouco exacerba o seu ódio sem uma negociação prévia.
O JEG (Jornalismo da
Esgotosfera Governista) resolveu, à moda PCC, dar uma “salve” para caçar — e,
se possível, cassar — o que esses vigaristas chamam de “mídia”. Acusam-na de
estar tentando direcionar o voto de Celso de Mello, o decano do Supremo, que
vai decidir se a Justiça no Brasil se mantém em posição vertical ou cai de
joelhos diante da impunidade e do crime. E não custa notar à margem: há uma
diferença relevante entre essa gente e Marcola. O chefão da organização
criminosa ao menos já leu Nietzsche, não é?, e seus subordinados, como diria
Padre Vieira, “roubam debaixo de seu risco”. Estes outros, do JEG, sem temor
nem perigo, traficam adjetivos e encômios para marginais condenados. Recebem
dinheiro que poderia criar escolas, construir creches e abrir estradas para
defender larápios, embusteiros e pervertidos. Marcola está no lugar certo. Essa
escória é que está no lugar errado.
O que pretendem com esse
escarcéu? É simples! Se Celso de Mello disser “sim” aos infringentes —
enterrando a Justiça —, essa súcia financiada exaltará a sua coragem. Os mesmos
que o massacraram quando ele denunciou os “marginais do poder”, quando ele
apontou que o mensalão foi uma tentativa de golpe, verão nele qualidades
verdadeiramente sublimes e superiormente interessantes; um jurista como nunca
houve na história destepaiz… Se, no entanto, ele resolver salvar a Justiça do
opróbrio e da desmoralização, dizendo “não” aos infringentes, então o ministro
se transformará na Geni. Será acusado de ter cedido à, como é mesmo?, “pressão
da mídia”, da “imprensa golpista”.
Ora, não custa lembrar que
Joaquim Barbosa já foi um herói dessa canalha. Ao tempo em que o ministro andou
se confrontando, pelas mais diversas razões, com outros membros da corte que
esses vigaristas têm por inimigos, era saudado como a expressão de um novo
tempo da Justiça. Bastou, no entanto, que o ministro passasse a tratar os
marginais do mensalão por aquilo que são, então ele virou o negro que ascendeu
ao posto não porque tivesse qualidades, mas porque Lula teria sido generoso com
ele.
“E você?”
Aí o petralha carente, que
teve ontem crise de abstinência porque não escrevi post nenhum, baba no teclado
e aperta o “enter”: “E você? Não vai fazer a mesma coisa, só que defendendo o
contrário?” A resposta, obviamente, é “não”. Não se trata de ser mais ou menos
legalista; não se trata de ser mais ou menos apegado ao que está escrito; não
se trata de ser mais ou menos rigoroso. Tanto o “sim” como o “não” podem se
dizer abrigados pelos códigos escritos. Por isso mesmo, a resposta de Celso de
Mello perde a importância propriamente jurídica para ganhar um sentido que é de
natureza — e a palavra é mesmo esta — moral.
Tanto uma saída como outra
podem apascentar a consciência do operador do direito Celso de Mello — embora
tecnicamente não sejam opções equivalentes, já digo por quê —, mas será o homem
Celso de Mello a fazer uma escolha. Uma delas, insisto, mantém viva a esperança
de que se possa, afinal de contas, fazer Justiça. A outra permitirá que o
Supremo seja tragado pela voragem de desconfiança nas instituições que tem
caracterizado o país nos últimos anos. Um juiz só pode decidir segundo a lei.
Mas, ao fazê-lo, decide também segundo a sua consciência. Mello, já escrevi
aqui, não passará a ser um mau homem se fizer a pior escolha. Mas é inequívoco
que a má escolha de um bom homem tornará pior o Brasil e os brasileiros.
E acreditem: os desdobramentos
serão especialmente perversos, caso aconteça o pior, por ser Celso de Mello
quem é. De uns quatro ou cinco que hoje integram a corte, não se pode esperar
muita coisa, a não ser o pior. Assim, fosse um deles a dar o voto decisivo, a
reação poderia se limitar a um fatalismo frio. Mas não! O país aprendeu a
confiar, por bons motivos, no decano do Supremo.
Note-se que, embora uma
escolha ou outra possam reivindicar o estatuto de conforme a lei, não são
equivalentes. Inexistem, à diferença do que afirmou o ministro Roberto Barroso,
precedentes. O Supremo jamais estabeleceu juízo de mérito a respeito. Mas passou
por circunstâncias idênticas, de uma lei, na prática, tornar sem efeito
dispositivos de seu regimento. Ainda que o ministro tenha feito considerações
laterais a respeito da vigência do Artigo 333 do Regimento, elas não
condicionam necessariamente seu voto. Ademais, o que quer que tenha dito não
respondeu, por exemplo, a uma questão essencial proposta pela ministra Carmen
Lúcia: imaginem um processo qualquer em que parte dos réus seria processada
pelo STF e parte pelo STJ, duas cortes superiores. Faz sentido que os primeiros
tenham direito a embargos infringentes e os outros não? O sistema não é um só?
Não faltam, como aqui se demonstra desde agosto do ano passado, razões técnicas
para recusar o expediente. Mas a decisão será de outra natureza — e nem a qualifico
de política: a escolha será mesmo moral.
“Ah, então Celso de Mello
estará sendo imoral se disser ‘sim’ aos embargos infringentes, Reinaldo?” Não!
Mas estará abrindo as portas para que outros o sejam. E é preciso que se diga
isso com todas vogais e as consoantes. De certo modo, repte-se aquela mesma
situação em que o Supremo decidiu entre declarar a cassação automática de um
parlamentar condenado ou remeter a decisão para o plenário das respectivas
Casas. Uma opção encontrava amparo na lei; a outra também (embora ninguém tenha
conseguido explicar se pode ser parlamentar com direitos políticos cassados).
Uma opção deixava clara a incompatibilidade entre a condenação criminal e a
representação política; a outra abria a chance de haver um parlamentar presidiário.
Uma opção que contempla essa possibilidade, convenham, opção não é. E, no
entanto, se fez a coisa estúpida. Se as duas saídas se amparavam na letra
escrita, só uma delas trazia em si o escândalo.
Não creio que Celso de Mello
se deixe influenciar pelo JEG. Ainda que tome a pior decisão, ele o fará por
sua conta. Essa gente promove a gritaria porque é de seu ofício; porque tem de
fazer as vontades de quem alimenta o caixa. Esses patriotas cobram muito caro
para elogiar. E ainda mais caro para desqualificar os adversários de seus
patrocinadores. Não por acaso, os mais entusiasmados eram notáveis críticos do
petismo até anteontem. “Mas esses caras não têm vergonha?” A resposta vem numa
palavra: NÃO.
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 15-9-2013
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