No seguimento do meu post anterior, o Rui Carmo
escreve - e bem - sobre como a acção política de Putin tem ido no sentido
contrário ao que a sua carta de ontem deixa patente. No entanto, ao contrário do que o Rui aponta, não
deposito qualquer esperança em Putin. Ainda ontem a Foreign Policy publicava uma excelente peça sobre uma outra carta de Putin, em
1999, em que, para justificar uma intervenção militar na Chechénia, utilizava
argumentos idênticos aos que Obama utiliza para justificar a intervenção na
Síria. Aliás, nem precisaríamos de ir tão longe, bastava recordar a intervenção
na Geórgia e a retórica de cariz ocidental e humanista utilizada por Putin para
a defender. Afinal, a política internacional, como não poderia deixar de ser, é
dominada, em larga medida, por double standards. Isto, contudo, não
retira importância à carta que, conforme escrevi ontem,
provavelmente poderá tornar-se um dos textos mais estudados nos
próximos anos em cursos de Relações Internacionais, e foi isso que pretendi
transmitir com o meu post. De resto, estou completamente de acordo com este post do Rui A,
que transcrevo na íntegra:
«A não ser que acreditemos que
a conversão da Rússia já começou e que Putin é o novo Constantino, convém
procurarmos outras razões para explicar o que está subjacente à magistral
intervenção do líder russo na crise Síria, que ontem teve um momento alto com a
publicação de um artigo seu no NYT. E esses motivos são relativamente
inteligíveis. No essencial, Putin aproveitou uma janela de oportunidade
escancarada pelo desastrado presidente americano para voltar a colocar a Rússia
como actor decisivo na geopolítica mundial, com foco especial no Médio Oriente
e no Islão, donde estava afastada desde, pelo menos, a invasão soviética do
Afeganistão. E a mensagem foi muito clara: a pax americana terminou,
e o mundo conta novamente com a Rússia para equilibrar o xadrez mundial. A
carta “escrita” por Putin é, de resto, uma peça admirável de mestria e de
cinismo político, porque utiliza os valores que são caros aos EUA para os
chamar à ordem e envergonhar o presidente americano. O flanco dado por Obama
com a sua gestão errática do problema Sírio, na sequência dos transtornos que
tem vindo a causar com a «primavera árabe» e das trapalhadas de espionagem em
que anda metido, vulnerabilizou fortemente os EUA e criou um vácuo de
autoridade a que a política internacional tem horror. Putin, ontem,
preencheu-o. A administração Obama está de parabéns.»
Leituras complementares: Estranhos tempos estes; A Plea for Caution From Russia; As Obama Pauses Action, Putin Takes Center Stage.
Título e Texto: Samuel de Paiva Pires, Estado Sentido,
13-9-2013
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