Quem vive em países que
passaram por guerras nunca se sente seguro nos locais onde se travaram as
batalhas porque, quando estas terminam ou se estabelece uma trégua, é preciso
lidar com a herança da estupidez que fica para trás – terrenos minados,
resíduos tóxicos, bombas e outros artefatos não explodidos que podem vir a
detonar, anos ou décadas mais tarde.
Os brasileiros se dividem
entre os que acham que nos faltou a experiência de guerra dentro do próprio
país para aprimorar o nosso sentimento de nacionalidade e o nosso caráter e os
que acham que esse nosso jeito bonachão, gente boa, é justamente porque nunca
estivemos envolvidos em escaramuças em nosso próprio território. Também acho bom
não termos passado pelo que se chama de guerras convencionais, mas aqui nunca
precisamos delas para que certos grupos se dediquem ao esporte de massacrar
outros grupos mais carentes de meios para se defender.
É uma ilusão – autoengano, de
fato – pensar que outras formas de conflito não existam neste nosso caótico
país festeiro. Um dos mais letais artefatos empregados nessa guerra brasileira
é a escala dos direitos e deveres. Aqui o que deveria ser amplo e linear
funciona como numa pirâmide, não cabendo a quem está na base usufruir do seu
direito enquanto aos do topo pouco se lhes dá se, além de direitos, também lhes
caibam deveres.
É com este tipo de guerra,
esta letalidade institucional que se massacram aposentados, pois é proibido
envelhecer com dignidade nesse país. O aposentado vive num tempo diferente do
das demais pessoas, um tempo minado pelos resíduos tóxicos da iniquidade e
pelas injustiças praticadas pelos senhores do estado, senhores de uma guerra
covarde contra os mais fracos. Nesse campo… ou tempo de existência minado, o
aposentado está sempre sob a ameaça das armadilhas plantadas seja pela
incompetência, seja pela maldade pura e simples que o estado, nestes tristes
anos de desgoverno petralha, dedica aos trabalhadores, em particular a nós, ex-funcionários
da Varig.
Só pode ser esta a forma de
entender esse país de hoje e esse desgoverno já entrando em seu décimo segundo
ano de incompetência e retrocesso social. Alega estar fazendo o oposto e,
turbinado a poder de marketing, vai convencendo os inocentes úteis – muitas
vezes cúmplices – e os “uteis” nunca inocentes – estes sim, assumidos
cúmplices. Apela-se ao politicamente correto, um modismo sem alcance para as
grandes questões morais que não podem ser relativizadas nem tratadas
levianamente como o caso das aposentadorias roubadas dos ex-trabalhadores da
Varig. Na verdade, o politicamente correto assumido feito uma bandeira – mas só
como fachada para enganar os trouxas – é como querer ver um lado limpo num
pedaço de merda.
Pelos frios dados estatísticos
o brasileiro está mais longevo, isto é, vivendo mais… tempo somente! Mas se as
pessoas estão conseguindo ficar mais tempo “vivas”, elas – pelo menos gente
como nós, ex-trabalhadores da Varig, somos obrigados a conviver com ideias e
costumes muito mais velhos:
Insegurança jurídica – somos
fracos e a justiça é lenta ou inexistente para nós.
Corrupção – foi permitido –
contra todas as salvaguardas legais que nossos 3% das passagens domésticas
tomassem outros caminhos que não o caixa do Aerus.
Desperdício de dinheiro público
– entre tantos outros, bilhões de reais repassados a ditadores pelo mundo.
Imprensa amestrada –
alimentada com a grana preta dos anúncios de empresas estatais e sem apetite
para se ocupar de demandas legítimas se estas incomodarem os petralhas, como o
caso Aerus/Varig.
Este são os artefatos que
minam o nosso campo e nosso tempo existencial, um retrato do que não pode ser
desmentido por esse estado infame, pois as consequências são por demais
evidentes. Somos nós que trabalhamos e contribuímos para ficar com uma
vagabunda aposentadoria do INSS. Somos nós que assinamos um contrato para ser
fiscalizado pelo governo como manda a lei, que contribuímos com parte
considerável de nossos salários para não dependermos da corroída “previdência”
estatal. E somos nós que ao longo de oito infames anos estamos perdendo nossos
bens, nossa saúde e nossa dignidade à espera que o nosso campo de existência
seja limpo e descontaminado e nossos plenos direitos restaurados.
Título e Texto: José Carlos Bolognese, 14-01-2014
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