terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Tempo minado

José Carlos Bolognese
Quem vive em países que passaram por guerras nunca se sente seguro nos locais onde se travaram as batalhas porque, quando estas terminam ou se estabelece uma trégua, é preciso lidar com a herança da estupidez que fica para trás – terrenos minados, resíduos tóxicos, bombas e outros artefatos não explodidos que podem vir a detonar, anos ou décadas mais tarde.


Os brasileiros se dividem entre os que acham que nos faltou a experiência de guerra dentro do próprio país para aprimorar o nosso sentimento de nacionalidade e o nosso caráter e os que acham que esse nosso jeito bonachão, gente boa, é justamente porque nunca estivemos envolvidos em escaramuças em nosso próprio território. Também acho bom não termos passado pelo que se chama de guerras convencionais, mas aqui nunca precisamos delas para que certos grupos se dediquem ao esporte de massacrar outros grupos mais carentes de meios para se defender.

É uma ilusão – autoengano, de fato – pensar que outras formas de conflito não existam neste nosso caótico país festeiro. Um dos mais letais artefatos empregados nessa guerra brasileira é a escala dos direitos e deveres. Aqui o que deveria ser amplo e linear funciona como numa pirâmide, não cabendo a quem está na base usufruir do seu direito enquanto aos do topo pouco se lhes dá se, além de direitos, também lhes caibam deveres.

É com este tipo de guerra, esta letalidade institucional que se massacram aposentados, pois é proibido envelhecer com dignidade nesse país. O aposentado vive num tempo diferente do das demais pessoas, um tempo minado pelos resíduos tóxicos da iniquidade e pelas injustiças praticadas pelos senhores do estado, senhores de uma guerra covarde contra os mais fracos. Nesse campo… ou tempo de existência minado, o aposentado está sempre sob a ameaça das armadilhas plantadas seja pela incompetência, seja pela maldade pura e simples que o estado, nestes tristes anos de desgoverno petralha, dedica aos trabalhadores, em particular a nós, ex-funcionários da Varig.

Só pode ser esta a forma de entender esse país de hoje e esse desgoverno já entrando em seu décimo segundo ano de incompetência e retrocesso social. Alega estar fazendo o oposto e, turbinado a poder de marketing, vai convencendo os inocentes úteis – muitas vezes cúmplices – e os “uteis” nunca inocentes – estes sim, assumidos cúmplices. Apela-se ao politicamente correto, um modismo sem alcance para as grandes questões morais que não podem ser relativizadas nem tratadas levianamente como o caso das aposentadorias roubadas dos ex-trabalhadores da Varig. Na verdade, o politicamente correto assumido feito uma bandeira – mas só como fachada para enganar os trouxas – é como querer ver um lado limpo num pedaço de merda.

Pelos frios dados estatísticos o brasileiro está mais longevo, isto é, vivendo mais… tempo somente! Mas se as pessoas estão conseguindo ficar mais tempo “vivas”, elas – pelo menos gente como nós, ex-trabalhadores da Varig, somos obrigados a conviver com ideias e costumes muito mais velhos:

Insegurança jurídica – somos fracos e a justiça é lenta ou inexistente para nós.

Corrupção – foi permitido – contra todas as salvaguardas legais que nossos 3% das passagens domésticas tomassem outros caminhos que não o caixa do Aerus.

Desperdício de dinheiro público – entre tantos outros, bilhões de reais repassados a ditadores pelo mundo.

Imprensa amestrada – alimentada com a grana preta dos anúncios de empresas estatais e sem apetite para se ocupar de demandas legítimas se estas incomodarem os petralhas, como o caso Aerus/Varig.

Este são os artefatos que minam o nosso campo e nosso tempo existencial, um retrato do que não pode ser desmentido por esse estado infame, pois as consequências são por demais evidentes. Somos nós que trabalhamos e contribuímos para ficar com uma vagabunda aposentadoria do INSS. Somos nós que assinamos um contrato para ser fiscalizado pelo governo como manda a lei, que contribuímos com parte considerável de nossos salários para não dependermos da corroída “previdência” estatal. E somos nós que ao longo de oito infames anos estamos perdendo nossos bens, nossa saúde e nossa dignidade à espera que o nosso campo de existência seja limpo e descontaminado e nossos plenos direitos restaurados.
Título e Texto: José Carlos Bolognese, 14-01-2014


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