Luís Naves
António Costa será,
provavelmente a curto prazo, o próximo líder socialista. O apoio mediático é
esmagador e as suas hipóteses de vencer as legislativas são substancialmente
superiores às de António José Seguro, pois Costa tem uma imagem de determinação
e serenidade (tal como Passos Coelho), mas talvez supere o primeiro-ministro em
empatia e confiança. Além disso, é um óptimo orador e tem experiência em
debates televisivos. Acima de tudo, como demonstrou o resultado eleitoral,
muitos portugueses querem mudança e o presidente da câmara de Lisboa terá a seu
favor um fenómeno de homem providencial que o pode lançar para a vitória. O
vago sebastianismo que nos atinge em momentos de crise faz sonhar os
socialistas.
Essa perspectiva de vencer
tornou-se mais provável depois de uma decisão do Tribunal Constitucional que
terá implicações económicas e orçamentais não apenas este ano, mas também nos
próximos. Para compensar o dinheiro em falta, e por não poder reduzir o número
de funcionários públicos, o governo será forçado a aumentar impostos, sufocando
uma parte do pequeno crescimento económico que se ia conseguir: em vez de 1,5%,
uma pequena proeza, o crescimento acabará por ser menor em algumas décimas,
devido ao impacto do aumento do IVA.
As reformas acabaram no ano
passado, este ano acabou a consolidação orçamental. As clientelas e os
interesses especiais estão outra vez na mó de cima e deram por findo o período
de ajustamento. A comunicação social sente o cheiro do sangue e apoia
inteiramente este regresso à irresponsabilidade orçamental. Os europeus olham
com impotência para a maneira infantil como Portugal se lança nos braços de um
possível segundo resgate.
Nas eleições europeias, o
centro-direita teve um resultado péssimo, mas isso não significa que esteja
liquidado. O governo vai insistir na tecla da credibilidade e acusar o PS de
estar ligado à bancarrota de 2011, argumentos que talvez sejam suficientes para
impedir a maioria absoluta de Costa. A esquerda do PS está também em
dificuldades, mas longe de derrotada: o PCP não subiu tanto como queria e o
Bloco continua o seu lento suicídio, mas juntos ainda representam 17% do voto,
mais de metade da votação obtida pelos socialistas.
Costa já mostrou que a sua
estratégia será a de tentar criar uma alternativa de esquerda, o que implica
negociar uma ampla frente com, por exemplo, Marinho Pinto e o Livre, que
somados aos votos do PS podiam em teoria formar um resultado interessante. Se a
frente se alargar também a independentes da direita, a vitória será ainda mais
provável. No entanto, esta salada não é fácil de concretizar. Bloco e PC
parecem já ter escolhido a oposição frontal à hipotética frente de esquerda.
Se vencesse as eleições com
maioria absoluta, Costa daria provavelmente um golpe fatal no PSD: a direita
estilhaçava-se e haveria uma longa guerra civil pela liderança, com chefias de
passagem e uma oposição fraca. As ambições de alguns protagonistas passavam
para as presidenciais ou até para a fragmentação, mas em princípio a direita
seria forçada a uma travessia do deserto.
Esta é a aparente estratégia
de António Costa, mas o PS renovado terá de enfrentar obstáculos. Um deles está
bem explicado nesta excelente análise de Paulo Gorjão, em Bloguítica. O País
precisa de uma reforma do sistema político e as clientelas dos partidos
tradicionais têm muito a perder. Outro dilema será a reforma do Estado e da
segurança social, onde uma frente de esquerda terá uma visão distinta daquela
que teria o PS centrista da actual direcção.
Portugal não conseguirá
cumprir os compromissos do período pós-troika sem concretizar estas reformas
(Estado, segurança social, sistema político). E, no entanto, já vemos
socialistas que tentam desvalorizar o Tratado Orçamental. Um PS mais à esquerda
dirá que as metas têm de ser revistas e que a dívida deve ser parcialmente
reestruturada. Ou seja, não cumprimos e não mudamos.
Um governo eleito em 2015 que
cumpra o Tratado Orçamental não terá apenas de fazer as três reformas referidas
acima, com provável oposição do Tribunal Constitucional, mas precisa de
garantir orçamentos equilibrados (com saldos primários positivos) e a redução
regular da dívida, o que implica cortes adicionais e a tarraxa apertada nas
contas.
A alternativa ao rigor é a
desconfiança dos mercados. E mesmo que por milagre os europeus revissem as
metas do tratado, o que não se vislumbra, Portugal precisaria sempre de
orçamentos equilibrados e de fazer as difíceis reformas do Estado sem as quais
isso nunca será alcançado.
Em resumo, não haverá dinheiro
para distribuir pelas clientelas. O PS com maioria absoluta corre sérios riscos
de frustrar depressa as expectativas de um eleitorado iludido pelo efeito de
homem providencial. Se distribuir benesses, então este PS anti-reformista
arrisca-se a atirar o país para uma nova crise financeira.
Talvez isso explique o facto
das primeiras promessas de Costa parecerem demasiado vagas (desenvolver o
interior, apostar nas qualificações). Estas ideias demoram décadas a dar
resultados e o nosso problema de competitividade coloca-se nos próximos anos.
Aliás, estas questões são como as cerejas. Estará o candidato a líder do PS a
falar de regionalização? E como é que isso se faz sem mudar o sistema político
ou sem acabar com as freguesias? E o crescimento, o emprego e o fim da
austeridade? Como é que isso se faz sem dinheiro?
Título, Imagem e Texto: Luís Naves, Fragmentário,
03-06-2014
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