Rui Ramos
Que acontecerá nas eleições do próximo
ano em França e na Alemanha, se o ditador turco Erdogan lançar outro milhão de
refugiados na Europa? Poderá Erdogan eleger Marine Le Pen?
A semana passada, o parlamento
europeu decidiu, ao fim de onze anos de conversas, que afinal não deseja a Turquia na União Europeia. Recep Tayyip
Erdogan [foto], o ditador turco que a Europa promoveu durante anos na ilusão de que
podia fabricar um islamista moderado, respondeu logo: se os europeus não tiverem juízo, ele
abrirá imediatamente as fronteiras para deixar passar milhões de migrantes.
Erdogan não está interessado em pôr a Turquia na UE. Se estivesse, não se
proporia reintroduzir a pena de morte. Mas pretende que a UE continue a
caucionar e a financiar a sua autocracia islamista, aliás em dificuldades económicas.
A Coreia do Norte agita as
suas armas nucleares sempre que precisa de alguma coisa. O Irão usou um
programa nuclear para forçar Obama e os europeus a porem termo às sanções. A
Turquia não necessita de bombas atómicas: em vez disso, tem um “programa de
refugiados”, sob a forma de cerca de três milhões de pessoas que pode a
qualquer momento lançar sobre as costas europeias. Foi assim que no princípio
deste ano, Erdogan arrancou aos europeus a promessa de milhares de milhões de
euros de ajuda. Logo de seguida, as chegadas de “refugiados” baixaram de uma
média de 2000 por dia para 100. A migração para a Europa por via do Médio
Oriente é hoje uma arma de chantagem com que Erdogan força a Europa a pagar a
sua ditadura, enquanto persegue e prende milhares de pessoas.
Na Europa, as elites políticas
e mediáticas estão assustadas. Durante anos, usaram as alegações de “racismo”
ou de “islamofobia” para abafar qualquer debate sobre a imigração do Médio
Oriente. Mas como mostram eleições e sondagens, esse velho sistema censório já
não funciona. O influxo descontrolado de migrantes, num tempo de estagnação
económica e de terrorismo jihadista, derrubou as vedações da correcção
política. A partir daí, a obstinada negação oficial dos problemas teve os
resultados previsíveis: uma desconfiança generalizada nas elites, e o caminho
aberto a demagogos como Trump ou Le Pen.
Ontem, Hollande desistiu de
enfrentar Le Pen: o primeiro presidente da V República que não tenta a
reeleição. Depois do Brexit, as elites europeias perceberam que nada está
garantido. Por isso, alguns proíbem burqas, outros sujeitam os migrantes a
aulas sobre como devem tratar as mulheres, e todos, há uns meses, resolveram
arranjar uma espécie de porteiro de discoteca, contratando Erdogan para manter
os migrantes ao largo. Erdogan, claro, sabe o poder que lhe meteram nas mãos.
No próximo ano, há eleições em França e na Alemanha. Angela Merkel, ao
contrário de Hollande, espera renovar o mandato. Em França, confia-se em Fillon
para barrar Le Pen. Mas fora da França e da Alemanha, há um grande eleitor:
Erdogan. Que acontecerá, se Erdogan lançar outro milhão de “refugiados” nas
praias e praças da Europa? Poderá Erdogan eleger Marine Le Pen, ou estragar a
festa de Merkel?
Assad, com a ajuda de Putin e
perante a mais completa passividade ocidental, está a vencer a guerra na Síria.
Para milhões de sunitas, a fuga vai ser a única opção. O seu ressentimento
contra o Ocidente é, desta vez, plenamente justificado: Obama incitou-os a
revoltar-se em 2011, para os abandonar a seguir, porque guerras no Médio
Oriente não ganham eleições nos EUA. Trump tem uma solução: fechar as
fronteiras e esquecer que esses países existem. Para a Europa, essa solução não
é assim tão simples: significa tentar manter uma estufa de paz e de
prosperidade a duas ou três horas das terras mais caóticas e infelizes do
mundo. Como? Por enquanto, pagando ao ditador turco para fechar a porta.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
2-12-2016
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