José Milhazes
Apesar de todos os desmentidos do Kremlin e
seus diplomatas a Rússia “passou a jogar numa divisão mais baixa” no campo
internacional. Ainda é precisa, mas só para ajudar a resolver problemas regionais
O Kremlin depositava grandes
esperanças num encontro bilateral do Presidente Putin com o seu homólogo
norte-americano no Vietnam, mas Donald Trump reduziu todos os contatos a uns
apertos de mão e uma breve troca de palavras. O ego do “czar” não costuma
suportar semelhantes humilhações.
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Foto: AFP 2017/ STR/Vietnam
News Agency
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Iúri Uchakov, assessor de
Putin para assuntos internacionais, deu o encontro bilateral como certo,
apontando até os possíveis temas da conversa: Coreia do Norte, Síria, Ucrânia e
relações bilaterais, a fim de o apresentar como uma realidade, o que irritou
fortemente os diplomatas norte-americanos.
Após a Cimeira dos Países da
Ásia e do Pacífico, Vladimir Putin foi obrigado a justificar publicamente a
razão da não realização do tão esperado encontro, mas deve ter convencido muito
poucos. Segundo o dirigente russo, isso ter-se-ia devido ao desencontro dos
gráficos de trabalho dos dois líderes e ao facto de os norte-americanos quererem
organizá-lo duas vezes consecutivas, o que vai contra as regras protocolares.
Num tom humorístico para salvar a face até prometeu “castigar” os funcionários
russos culpados de não terem chegado a um acordo com os norte-americanos sobre
o protocolo.
Mas as causas da não
realização do encontro são bem mais profundas e sérias. O escândalo sobre a
presumível ingerência russa nas eleições presidenciais aumenta como uma bola de
neve nos Estados Unidos, o que trava a atividade de Trump na normalização das
relações com a Rússia, que há muito não tinham atingido um nível tão baixo. As
declarações do atual dono da Casa Branca de que Putin lhe garantira que não
houve qualquer tipo de ingerência russa de pouco ou nada valem, pois, o
dirigente russo nunca irá reconhecer publicamente que os seus serviços secretos
realizam tarefas tão delicadas. As palavras de Trump apenas fazem aumentar as
dúvidas.
Além disso, tendo em conta o
carácter das relações entre os Estados Unidos e a China e a recepção de que
Trump foi alvo em Pequim, fica claro que Washington reconheceu ao “Império do
Meio” o papel que antes pertencia a Moscovo nas relações internacionais. São os
dirigentes chineses que podem ajudar a resolver a crise em torno da Coreia do
Norte, podendo Putin apenas “dar uma ajudinha”.
Não obstante todos os
desmentidos do Kremlin e dos seus diplomatas, a Rússia “passou a jogar numa
divisão mais baixa” no campo internacional. Ela ainda é precisa, mas apenas
para ajudar a resolver problemas regionais, como é o caso da Síria e da
Ucrânia.
E, mesmo nestes casos, teremos
de esperar para ver qual será o resultado da política externa russa. No que
respeita à situação na Síria, foi publicado um comunicado russo-americano após
um dos apertos de mão no Vietnam, mas muito pouco concreto. O mais difícil
ainda está para vir. Como irá ser reconstruída a Síria depois da derrota do
Estado Islâmico? Qual será a presença militar estrangeira nesse país? Não
obstante todas as manifestações de amizade entre Putin e o seu homólogo turco
Recep Erdogan, este, na véspera da sua visita à Rússia, que americanos e russos
deverão retirar as suas tropas do território sírio após a derrota do DAESH.
Ora, como é sabido, Moscovo tem duas bases militares na Síria e não tenciona
perder o terreno que conquistou à custa de muitos milhões de rublos em armas e
militares.
Aliás, a diplomacia russa
envolveu-se, no Médio Oriente, em jogos tão complicados que será preciso grande
mestria para ganhar posições na disputa com os Estados Unidos. Não é fácil, por
exemplo, conciliar boas relações com a Arábia Saudita e o Irão.
Quanto à Ucrânia, a realização
do Acordo de Minsk, no quadro do qual a Alemanha, França e Rússia deveriam
tentar pôr fim ao conflito nas regiões separatistas ucranianas, está
paralisada. Isso levou Kiev a envolver os Estados Unidos na solução do problema
e a um aumento da presença militar norte-americana na região. Atualmente
realizam-se conversações entre Washington e Moscovo para solucionar o problema,
mas sem fim e resultado à vista.
Mas não é só a Rússia que está
a perder rapidamente poder de influência no mundo, em grande parte devido à
estagnação e fraqueza económica, bem como ao atraso na modernização do país. O
mesmo se passa com a União Europeia com a deslocação dos centros de decisão
para o Pacífico e o Indico. Por conseguinte, a situação exige uma séria
reviravolta das relações entre Moscovo e Bruxelas com vista ao reforço das
posições do Continente Europeu no mundo.
Lamentável é o facto de nem os
dirigentes russos, nem os europeus estarem virados para aí. Para o Kremlin, o objetivo
continua a ser o enfraquecimento da União Europeia, apostando no apoio a grupos
separatistas e extremistas. Quanto a Bruxelas, não consegue falar a uma só voz
no campo internacional, nem elaborar uma política coerente face à Rússia.
Título e Texto: José Milhazes, Observador,
13-11-2017
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