É bem provável que por
felicidade entendamos nada mais que um bem-estar. Diz-se que quando estamos
satisfeitos com o que somos e temos para suprir nossas necessidades básicas
somos felizes, e quanto mais simplesmente pudermos viver melhor será para preservar
a felicidade. Não precisamos de excessos, e isso nos dá uma liberdade
invejável: não dependemos de bens exteriores, a maioria das vezes
escravizantes; e, com isso, usufruímos do bem-estar interior, sem aquela
preocupação de proteger nossa riqueza exterior e, inclusive, de angariar ainda
mais bens.
Mas, como alçar-nos ao nível
ideal na escala do bem-estar, ou felicidade, sem que incorramos na falta ou
excesso de bens? O zero é o marco da escala em que começamos a nos mover na
aquisição de bens que nos proporcionam bem-estar. Onde parar? Quando atingimos
certo patamar podemos nos dar por satisfeito e dizer que não precisamos de mais
nada para nossas necessidades básicas. O sujeito dirá: sou feliz com o que
conquistei e isso me basta. Será mesmo? Acontece que esse patamar em que ele se
encontra torna-se nova escala que começa do zero. Por que? Porque vê
possibilidades de progresso e, além do mais, acima dele encontram-se outros
sujeitos de maiores posses e deseja atingir aquele patamar. O sujeito não
inveja aquele que está abaixo dele na escala, mas inveja aquele mais
endinheirado que está acima dele e quer progredir para além de suas
necessidades básicas. Como diria Thomas Hobbes, “a felicidade é o progresso o
menos impedido possível à consecução de fins cada vez mais distantes”.
Como explicar isso? O ser
humano é essencialmente um ser pulsional. Ele é regido por pulsões e não se
contenta em ficar parado, estagnado em um patamar de vida no qual poderia se
dar por satisfeito. Ele é impulsionado por desejos de mais posses que
ultrapassam as necessidades vitais básicas e sempre procurará ultrapassar seus
pontos zeros que ele se coloca na escalada da vida. Ele é empurrado para um
‘mais além’, e isso no aspecto material, intelectual e espiritual. Todavia,
tudo isso também depende das circunstâncias e obstáculos que enfrentará na luta
por sempre maiores conquistas que supostamente o fariam feliz.
Talvez, o que mais fascina o
ser humano não é propriamente o ter, o possuir, mas a luta pela aquisição, a
dinâmica do impulso do desejo de adquirir aquilo que ainda não tem. Uma vez
conquistado o que desejou, sobrevêm novos impulsos de conquistar e, assim
indefinidamente. A coisa adquirida perde o seu esplendor e o sujeito almeja por
outras aquisições. É o adquirir que dá a sensação de prazer e não o que foi
adquirido. A mulher que vai ao shopping para fazer compras, muitas vezes não
vai porque precisa daquilo que vai comprar, mas pelo simples fato do prazer de
poder adquirir aquilo. Essa aquisição, muitas vezes, fica esquecido num canto
da casa sem utilidade alguma. Da mesma
maneira o intelectual que já conquistou patamares altos de intelectualidade e
ciência sempre quer galgar maiores patamares, é o novo que o fascina e não
aquilo que já conquistou; dá-lhe prazer desbravar o incógnito. É por isso que a
maioria de autores não releem suas produções literárias ou escritos antigos, é
lhes prazeroso dedicar-se a novas produções intelectuais. Da mesma maneira o
espiritualista que quer se aperfeiçoar na senda espiritual, não se contenta no
nível em que se encontra, persegue a perfeição espiritual absoluta sem tréguas,
quer endeusar-se.
Bom, tudo isso para dizer que
a felicidade é perseguida por todos, mas que ela sempre consegue nos driblar e
sair de tangente, e não nos cansamos de correr atrás dela. Que tal, então,
fantasiar que somos felizes, já que a vida nos impõe agruras escondendo-nos a
felicidade? Podemos estar de posse da
felicidade imaginando-a? Talvez, evadir-se do tempo presente e relembrar o
passado nostálgico nos seja oportuno. De vez em quando dizemos ao olharmos para
o passado: “EU ERA FELIZ E NÃO SABIA”. É claro que o presente daquela época
também estava encoberto por nuvens que escondiam a felicidade e não a
encontrávamos. Mas, quem sabe, relembrando agora o passado, podemos alimentar
uma fantasia gostosa de nostalgia que nos embebe o espírito de leveza e beleza?
Quem sabe, nos proporciona mais serenidade na vida presente, às vezes, por
demais massacrante? A nostalgia é uma fuga do presente, é saudade de tempos
idos para onde gostaríamos novamente nos deslocar; saudade de lugares
fascinantes outrora visitados, não mais disponíveis; saudade de relacionamentos
de amizade saudosos... tudo isso transmitindo-nos paz de espírito. Se isso não
é felicidade, pelo menos, pode nos aliviar quando os dias negros do presente
nos angustiam. Se a felicidade tem de ser perseguida a todo custo, a nostalgia
do passado também é uma tentativa de sempre almejá-la, esteja onde ela
estiver... A nostalgia nos liberta, em certa medida, dos sofrimentos do
presente... Fantasiar faz bem!
Título e Texto: Valdemar
Habitzreuter, 10-5-2018
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