Há líderes valentes e até certo ponto
confiáveis. Não é o caso. Ninguém aprendeu coisa nenhuma com o Siresp,
Pedrógão, Tancos e o que calha. O dr. Costa também não, e permanece
incompetente como nunca
Alberto Gonçalves
5 de fevereiro
A ministra da Agricultura diz
que o coronavírus “pode ter consequências bastante positivas” para as
exportações portuguesas do sector agroalimentar para os mercados asiáticos.
6 de fevereiro
A ministra da Agricultura diz
que o seu sentimento perante o coronavírus é de “preocupação e solidariedade”.
24 de fevereiro
O prof. Marcelo declara que
“tudo está a ser feito para lidar com o coronavírus”.
25 de fevereiro
A ministra da Saúde sugere o
isolamento das pessoas vindas de zonas onde há transmissão do coronavírus.
26 de fevereiro
A Direção Geral da Saúde não
sugere o isolamento das pessoas vindas de zonas onde há transmissão do
coronavírus.
A ministra da Saúde sugere que
a sua sugestão acerca do isolamento das pessoas constituiu um lapso.
A ministra da Saúde garante
que Portugal está preparado para responder ao surto de coronavírus.
O ministro dos Negócios
Estrangeiros garante que Portugal está preparado para responder ao surto de
coronavírus.
A Federação Nacional dos
Médicos garante que Portugal não está preparado para responder ao surto de
coronavírus.
28 de fevereiro
29 de fevereiro
A diretora-geral da Saúde
admite que Portugal poderá ter um milhão de infectados.
O dr. Costa recomenda que não
se levem as mãos à “boca, nariz ou olhos”.
O ministro dos Negócios
Estrangeiros assegura que “estamos a aprender [a lidar com o coronavírus] e
julgo que estamos a aprender depressa.”
BE: “O coronavírus deve
dar-nos esperança de que somos capazes de enfrentar a crise climática”
Numa escola secundária do
Porto, os alunos não podem lavar as mãos porque não há sabão. E não há sabão
porque, explica uma diretora, não há dinheiro.
2 de março
Surgem os primeiros casos de
infectados com coronavírus em Portugal. São dois.
3 de março
O dr. Costa corre ao Porto
para visitar os pacientes. O prof. Marcelo diz que, por sua vontade, “já lá
estava”.
Após gesticular para os
doentes, o dr. Costa garante que Portugal está preparado para responder ao
surto de coronavírus.
A ministra da Saúde implora
que não se use a Linha SNS 24 para pedir informações sobre o coronavírus.
O responsável pela Linha SNS
24 alerta que a Linha SNS 24 está nas últimas.
4 de março
A Linha SNS 24 não atende boa
parte das chamadas.
5 de março
Após acabar demitido, o
responsável pela Linha SNS 24 reagiu através de um poema. Fica um excerto:
“Como velas de pavio forte/Queimamos ao luar/Das madrugadas passadas/A
Trabalhar/A escrever, a digitar/A Criar o digital na saúde em Portugal/9 anos
acessos, pela força e paixão/Como velas que ardem dentro do coração.” Eu seja
ceguinho se isto não é verdade.
O ministro da Economia jura
que o impacto do coronavírus no sector que “tutela” é “bastante reduzido”,
salvo em minudências como os “transportes, das viagens e da hotelaria”.
6 de março
A diretora-geral da Saúde, que
começou por achar que o vírus nunca chegaria a Portugal e depois passou a
prever um milhão de infectados, encontrou um ponto intermédio e agora aconselha
as visitas a lares de idosos, por não haver “esse grau de risco”.
7 de março
O dr. Costa garante que
Portugal está preparado para responder ao surto de coronavírus.
8 de março
O prof. Marcelo, sem sintomas
de gripe, mas não de outras maleitas, anuncia o próprio exílio em casa.
9 de março
Não tendo sido testado a mais
nada, os testes do prof. Marcelo ao coronavírus são negativos. O dr. Costa
envia-lhe felicitações pelo Twitter.
O prof. Marcelo, que sem vírus
decretou a quarentena de si mesmo, assoma à varanda e informa o povo de que
lava a louça e a roupa, além de cozinhar.
O dr. Costa admite fechar as escolas
etc. antes de qualquer parecer técnico.
10 de março
Apenas dois secretários de
Estado e um autarca vão ao aeroporto receber o português que estava infectado e
deixou de estar.
Em Setúbal, um homem ficou
fechado numa casa de banho durante 4 horas à espera do INEM.
Para o Bloco de Esquerda, “As
forças de extrema-direita tentam lucrar com o medo para impulsionar imundas
respostas malthusianas e racistas. (…) O Covid-19 é apenas um aviso, mais um
aviso: é preciso acabar com o capitalismo que conduz a humanidade à barbárie”.
11 de março
Em Gaia, um homem ficou
fechado no carro durante 4 horas à espera do INEM.
75% dos portugueses não
acreditam que o SNS esteja preparado para uma pandemia, o que significa que 25%
acreditam ou pelo menos não rejeitam a hipótese.
Na Trofa, uma turma ficou
fechada na sala durante 11 horas à espera de orientações da Linha SNS 24.
Em Lousada, uma médica ficou
fechada no consultório com uma doente durante 6 horas à espera de auxílio.
O hospital de Coimbra compra
fatos de pintor para proteger os médicos.
A Direção Geral da Saúde
desatou a engasgar-se na actualização do número de infectados.
Nos aeroportos, os passageiros
continuam a chegar sem qualquer inspeção.
Oportunamente, o Bloco de
Esquerda lembra-se de que a Linha SNS 24 “não deve ser explorada por entidades
privadas”, não se fosse estragar.
A diretora-geral da Saúde diz
para os cidadãos evitarem a “corrida aos supermercados” e, em vez disso,
recorrerem à “horta de um amigo”.
Há 3.000 pessoas “sob
vigilância” enquanto se aguardam os resultados de 80 testes. Faz sentido,
embora não se perceba qual.
Em organismos públicos,
distribui-se gel desinfetante com a validade expirada em 2013.
Uma adolescente internada com
gravidade foi três vezes às urgências e, como na Bíblia, três vezes negada.
À revelia de toda a
civilização, em Portugal continua tudo aberto – incluindo as praias, aliás repletas.
Um obscuro Conselho de Saúde
avisa a população da sua existência e de uma reunião marcada para o dia
seguinte, de tarde que não há pressa.
A ministra da Saúde proclama o
reforço da Linha SNS 24, que não dá uma para a caixa.
Enquanto 39 países já impuseram
o fecho de escolas etc. (e alguns o “lockdown”), o dr. Costa vai a Berlim
desenvolver a tese de que o coronavírus é uma oportunidade para a Europa
“mostrar a sua força”.
O dr. Costa não admite fechar
as escolas etc. sem ouvir os pareceres dos técnicos.
O dr. Costa promete proteger
todos os portugueses, “estejam em que parte do mundo estiverem”.
12 de março
O tal Conselho de Saúde,
representado por um sujeito que acha o coronavírus inofensivo, irrompe da
reunião e comunica não aprovar o fecho das escolas etc.
A ministra da Saúde e a diretora-geral
fazem uma conferência em dueto onde harmonizam no vazio absoluto, ou na
necessidade de lavar as mãos, atividade em que esta gente é tão exímia quanto
Pilatos. Ambas rejeitam o fecho das escolas.
Comentadores isentos aplaudem a decisão de não fechar as
escolas.
O Sindicato Independente dos
Médicos nota que o SNS não tem camas para internamento, não tem camas de
cuidados intensivos, não tem profissionais suficientes, não tem máscaras, não
tem desinfetantes, não tem nada exceto a distinção de “melhor do mundo”.
Descobre-se um piloto da TAP
infectado. As “autoridades” de saúde não quiseram descobrir a lista dos
passageiros conduzidos pelo piloto.
O dr. Francisco George,
ilustre antecessor da sua ilustre sucessora, anda pelas televisões a falar com
a lucidez de um dependente de metanfetaminas. O objetivo, palpita-me, é fazer
as “autoridades” atuais parecerem sensatas por comparação. Não foi inteiramente
alcançado.
23 crianças (e seis adultos)
estão retidas num jardim de infância da Maia, por suspeitas de infecção em uma
delas.
O dr. Costa, que com escassas
semanas de atraso ouviu os partidos à tardinha, ignorou o parecer dos técnicos
e, invocando uma instituição europeia avulsa, anunciou o fecho das escolas –
mas só a partir de segunda-feira, que na sexta o vírus faz jejum.
Em 24 horas, ou menos, as
medidas que eram “excesso desnecessário” transformaram-se em critérios
indispensáveis à “sobrevivência”. Num ápice, o país saltou do “Toy Story” para
o “Mad Max”.
Comentadores isentos aplaudem a decisão de fechar as
escolas.
13 de março
Na Maia, oito ou nove horas
depois, as crianças e os adultos saíram do jardim de infância.
Misteriosamente, o melhor SNS
do mundo é o pior da Europa: somos o país com menos camas em cuidados
intensivos em toda a EU (4,2 por 100.000 habitantes; a média é de 11,5).
O Bloco de Esquerda apela à
requisição sumária dos “meios, material e instalações” dos hospitais privados,
aqueles que o BE quer erradicar a pretexto do lucro ou lá o que é.
O ministro da Educação
explicou o que iria acontecer nas escolas encerradas ao longo da quarentena.
Evidentemente, ninguém percebeu. Nem ele, um matarruano que supõe dirigir-se a
semelhantes seus: “Ninguém está de férias”. O matarruano trabalha em quê?
A Linha SNS 24 continua a não
funcionar em condições.
Portugal tem 112 doentes
confirmados, 1308 suspeitos, 5674 vigiados e 172 testados.
A Coreia do Norte e a
Venezuela continuam sem infectados.
A ministra da Saúde teme que
Portugal não esteja preparado para responder ao surto de corona vírus.
Ponto da situação
Vocês comprariam um carro
usado ao dr. Costa? Não brinquem comigo: vocês aceitam que esse vulto coordene
a reação a uma pandemia. Há líderes valentes e até certo ponto confiáveis. Não
é o caso. Ninguém aprendeu coisa nenhuma com o Siresp, Pedrógão, Tancos e o que
calha. O dr. Costa também não, e permanece incompetente como sempre e
dissimulado como nunca.
Desde o início desta história
que o homem não deu um espirro, salvo seja, sem medir previamente o impacto direto
e indireto do dito na sua popularidade. Para cúmulo, o dr. Costa rodeia-se de
figuras compatíveis, uma corte de laparotos que competem pela atenção do chefe
e pelo prêmio do mais desnorteado. A piedade impede comentários à prestação do
presidente da República em título. Quanto à oposição, cabe destacar o BE e
dispensar a piedade: aquilo, para quem tinha dúvidas, é da ordem do sub-humano.
Portugal beneficiou do atraso
do vírus, compreensivelmente hesitante a aparecer por cá. Porém, não tivemos
sorte nem jeito na escolha de quem manda nisto: de rábula em rábula, frente ao
cenário de um país arruinado, ignoraram-se os bons e difíceis exemplos do
“estrangeiro” e seguiram-se os exemplos péssimos e fáceis de Espanha e Itália.
Pelo caminho, salpicado de
cobardia, perdeu-se tempo vital (para muitos literalmente). A culpa morrerá
solteira. Os culpados ainda se vão rir disto, se é que não riem já.
Título e Texto: Alberto
Gonçalves, Observador,
14-3-2020
Marcações: JP
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