Já se percebeu que a DGS meteu os pés pelas
mãos. A política de uso de máscaras e de testes seguiu a disponibilidade e não
a necessidade. Nada de errado nisso. O que está errado é não o admitir.
Fernando Leal da Costa
1 A falta de uma lei de
quarentena que não precise de “estados de emergência” é agora, mais do que
nunca, evidente. Cristalinamente. Acreditar em “isolamentos voluntários” foi
uma asneira. Veja-se a situação de Portimão e dos que já morreram por terem
sido contagiados a partir de quem voluntariamente não se isolou. Estão
preocupados com as viagens na Páscoa? Não se incomodem. O êxodo para as casas
de férias já foi. Não o evitaram quando o deviam ter feito.
Houve hesitação na
política de controlo de entradas em Portugal e em toda a União Europeia (UE).
Os voos de, e para, a China deveriam ter sido logo suspensos em dezembro.
Quando o fizeram já era demasiado tarde. Talvez até tivesse sido demasiado
tarde em novembro, mas a ditadura chinesa estava a abafar o inescapável. Agora,
com a satisfação e complacência universal, a China é a grande benemérita que
até vende testes que não funcionam.
2 O vírus, mesmo que
corretamente chamado de SARS-Cov-2 é mesmo chinês, com origem na China, mutado
na imundície dos mercados chineses. Não é epidemiologicamente inocente que as
grandes epidemias surjam em zonas de grande concentração populacional e com
fraco controlo de higiene pública. Logo, onde há mais gente, deveria existir
mais esforço para controlar a salubridade e a dieta, coisa em que os Chineses
não se têm esmerado e não será por falta de dinheiro. Vá lá, por uma vez o
Presidente Trump tem razão. O vírus veio da China e não é racismo reconhecer
uma evidência.
E há todos os outros com
desigualdades tremendas, como a Índia e o Brasil, e os “pobres” de África onde
as cleptocracias reinantes escravizam as populações, que não terão hipótese de
se proteger convenientemente. O que se está a passar na Europa e EUA vai ser
pior no resto do mundo. E ninguém dará por isso. Nesses países, onde se morre
por tudo, não vai haver contabilidade de casos, nem se vão preocupar com que
haja. Nem terão como tratar as pessoas. Vão desparecer sem que nunca tenham
existido, como desaparecem todos os dias. Levados pela fome, violência, cólera,
peste SIDA, ou malária. Simplesmente, levados.
3 O cerco do Porto ficará
para as antologias da má comunicação. Confesso que também tive de aprender, à
minha custa, que com autarcas não se brinca. Eles não perdem pitada para
brilhar.
Estiveram todos mal. A
DGS não poderia ter declarado ir estudar uma coisa que não sabia se era
praticável. Não se anunciam estudos, a não ser quando não há mesmo mais nada
para dizer. E, nesse caso, ainda é melhor estar calado. E o Senhor Presidente
da CM do Porto não pode, NÃO PODE, dizer que não reconhece autoridade à senhora
DGS. Ficou-lhe mal e nunca será demais lembrar-lhe que ele manda, se puder, no
Porto, e a Senhora DGS pode mandar no País todo. Estavam os dois, estamos
todos, muito cansados.
4 Já se percebeu que no
tumulto da impreparação geral, não exclusivamente nacional, a DGS meteu os pés
pelas mãos no que às máscaras diz respeito. A questão das máscaras e dos testes
ilustra o que é normatizar em função do possível. A política de uso de máscaras
e de testes seguiu a disponibilidade e não a necessidade. Nada de errado nisso.
O que está errado é não o admitir. E bem pior tem sido aquela patética mensagem
de que usar máscara agrava o risco de propagação. Ok. Digam então que as
máscaras não se partilham e que têm de ser sempre usadas com a mesma face, a
adequada, para dentro. Pois é. Para dizerem isso teriam de ter admitido que é
importante usar máscaras. Que trapalhada.
Ainda não há
equipamentos individuais de proteção em número e qualidade suficiente para
todos os profissionais de saúde. A famosa “reserva estratégica nacional”, seja
lá onde estiver, ao que tudo indica era uma intenção de comprar material e não
uma existência física de material armazenado. Se esse material existia, não
chegou logo aos hospitais e centros de saúde. Ainda não se dá por ele. Muitos
de nós continuam a ver doentes com máscaras cirúrgicas de proteção
insuficiente, sem viseiras e sem batas descartáveis. Ainda há locais onde não
se exige a colocação obrigatória de máscara ao entrar no hospital ou centro de saúde,
até porque as máscaras disponíveis não chegariam. O Estado foi demasiado lento
a prevenir o açambarcamento de desinfetantes e máscaras. Deveriam ter evitado a
corrida das mascarilhas.
O que nos salva é a
capacidade de improvisação dos “tugas”. É extraordinária. Chama-se
desenrascanço. Ajuda, mas não resolve. Houve instituições a comprar fatos de
pintor, de sulfatador e de outro tipo de proteção industrial. Francamente, é
meritório, mas não deveria ter sido preciso. E note-se que dizer, como eu reconheço,
que a impreparação era terrestre e geral não servirá de desculpa. Como é
costume dizer-se, “com o mal dos outros posso eu bem”.
5 Quanto aos testes,
confusão total. Também da OMS que, vendo bem, não é propriamente uma trupe de
iluminados. Basta ver a incompetência como têm lidado com a China. Até o
respeitabilíssimo Dr. Anthony Fauci, de créditos firmados, também não se tem
eximido de uns disparates valentes. OK. Estamos todos a aprender.
Uma coisa é certa.
Testar implica decidir o que fazer aos casos positivos. Certo? Logo, muita
atenção aos lares de idosos onde, se não percebi mal, estão a esforçar-se por
disseminar a doença para fora do lar em vez de confinar o risco. Vejam lá, não
se venham a arrepender das evacuações em curso. Teste negativo num dia, não
garante negatividade futura. Tirar os supostos negativos e levá-los para onde
poderão propagar a infeção, obriga a medidas de proteção que não têm estado
generalizadamente presentes. Mais importante do que andarem agora a testar
teria sido garantir que o pessoal que entrava e saía estava equipado de forma a
proteger os residentes. Os lares de idosos deveriam ter sido apetrechados com
material de proteção para os funcionários, em janeiro, e não agora. Tal como o
ideal seria testar no domicílio e não em drive-through. O problema é que a
capacidade humana limitada está a obrigar-nos a manter uma estratégia de
obrigar os potenciais infetados a deslocaram-se onde poderão ser testados.
6 Tão preocupados com os
idosos, alguém se lembrou dos idosos da classe média urbana que não recebem
apoios do Estado, não estão na alçada da segurança social – ainda bem – e que,
agora, com as ordens de confinamento geral deixaram de ter quem vá trabalhar
nas suas casas? Dr. Costa, o País não é só de pobres e institucionalizados. Os
idosos que estão nas suas casas, não necessariamente abandonados, não devem ir
para casa de familiares que os podem infetar. Mas, se os seus empregados deixam
de lá poder ir, muitos por que têm de ficar em casa com os filhos, quem os
substitui? É que, bem vê, trabalho doméstico não se substitui por teletrabalho,
não há voluntários que se dediquem aos “ricos” reformados da classe média e as
autarquias não estão organizadas para acudir a essas pessoas.
7 Não basta comprar
ventiladores. Também vamos precisar de monitores de sinais vitais, bombas de
perfusão, sistemas de soros, seringas, até de estetoscópios, de toda a
parafernália que um hospital exige. É que tudo o que seja menos do que
“completamente” não resolve as dificuldades. Há falta de aparelhos de TAC no
SNS. Um doente público já espera demasiado por um exame de TAC ou de RNM. Com a
COVID-19 há necessidade de realizar TAC com frequência. Logo, a utilização
intensiva destes aparelhos fará com que outros doentes ainda fiquem mais
prejudicados quanto à espera. Insisto que a COVID-19 acabará por matar mais
doentes pelo efeito de atraso nos cuidados a doentes com outras patologias do
que pela COVID-19 propriamente dita. E ninguém quer antecipar isto.
8
Para já, não é possível emitir certificados de
imunidade. Só podemos saber quem teve contacto, não quem está imune. Mesmo os
vacinados apenas podem ser declarados como vacinados e não como imunes.
Seroconversão não é garantia de imunidade e, no caso do SARS-Cov-2, o
desconhecimento é ainda grande. Discussão encerrada, por ora. Só depois de
sabermos qual o título de anticorpos necessário para garantir imunidade e se há
células memória em quantidade suficiente é que poderemos saber quem está,
hipoteticamente, imune e por quanto tempo. Este vírus deverá ter um potencial
de mutação muito elevado e, tal como com a gripe, poderá vir a ser necessário
fazer vacinações anuais.
9
Muita atenção à forma como se classificam as causas
de morte. Tem COVID-19 todo o indivíduo que esteja infetado com SARS-Cov-2,
independentemente da clínica. É um critério discutível, mas sensato para
efeitos de inventário. Logo, poder haver outra patologia mais significativa ou
determinante para o evento fatal, não altera o facto de o doente ter COVID-19.
Morreria de qualquer forma? Morreu porque a COVID-19 contribuiu para a morte ou
a situação prévia agravou-se com a COVID-19? Sempre foi difícil atribuir causas
de morte e o senso clínico prevalece na altura em que se preenche o certificado
de óbito. Morrer infetado com SARS-Cov-2 (associação) não é o mesmo que morrer
em consequência dessa infeção (causalidade).
A importância da
atribuição da causa de morte é enorme. Sem ela não se avalia a letalidade. Nada
nos garante que todos os países estejam a registar as mortes da mesma maneira,
nem que os critérios não estejam a ser mudados consoante as conveniências. Tem
de haver transparência e normalização de critérios em todo o mundo.
O campeonato da suposta
letalidade não tem interesse epidemiológico, quando não temos a certeza de que
todos os doentes sejam registados – estou certo de que não e de que nem todos
os casos positivos são seguramente registados – e as causas de morte nem sempre
classificadas do mesmo modo. Não nos interessa estar a comparar números de
infetados e mortos sem que haja padronização das populações. Como comparar
números absolutos de uma população de dez milhões e outra de duzentos milhões
ou de mil milhões? Este sítio pode ser útil para perceber as dificuldades nas comparações de dados.
Logo, nesta fase, a letalidade que nos interessaria comparar seria, por
exemplo, a letalidade entre doentes internados ou de doentes em cuidados
intensivos. Será bom perceber se as indicações para internamento, o momento
clínico do início da ventilação, a experiência acumulada, os medicamentos usados
etc., influem na mortalidade. Os dados que nos vão diariamente fornecendo não
têm utilidade clínica. Poderão servir para acompanhar – não prever – a evolução
da proporção de casos diários, o que é indiretamente indicativo da efetividade
das medidas de prevenção, pese embora a subidentificação que é inevitável. As
séries curtas são curtas e não há como alongá-las, a não ser esperando.
Precisamos de tempo. A boa epidemiologia vive de muitos casos, de tempos
longos, de localizações precisas, de revisão dos casos, de relações entre
factos.
10
Há perguntas fascinantes. Um exemplo. A COVID-19 na
Alemanha terá menos mortalidade por haver mais ventiladores? Dizer que há menos
mortos na Alemanha por terem mais ventiladores só fará sentido quando a
mortalidade associada a ventilação na Alemanha for menor do que noutros países.
Nem sabemos se os alemães têm uma proporção de doentes ventilados maior do que
em outros países. E os cálculos complicam-se quando há -ainda bem- doentes a
serem deslocados para onde haja capacidade de os tratar, mesmo que seja noutro
País. A mortalidade associada a ventilação invasiva está, nas publicações já
disponíveis, entre os 80 a 90% dos primeiros tempos de epidemia aos 40 a 60%
mais atuais. Na Alemanha será diferente? Todos os países irão precisar de
informação do tipo da que está neste
relatório produzido no Reino Unido em permanente
atualização. Só com informação mais precisa e específica da COVID-19 poder-se-á
decidir quem deve ser sujeito a intervenções mais intensivas.
Para a covidolítica
sanitária, o que nos vai interessar será o excesso de mortalidade global e é
isso que deverá ser, em primeiro lugar, comparado entre países. Há tanto para
aprender. Outros exemplos. Qual o papel de um bom comando central no controlo
desta pandemia? Países com sistemas muito descentralizados terão pior
desempenho do que sistemas de saúde mais centralizados? Países com sistemas de
saúde escorados em serviços exclusivamente públicos passarão melhor do que
sistemas baseados em seguros? Qual o impacto da ausência de serviço público de
saúde? Etc.
E depois há tantos que
continuam a falar, de comentadores a sabe-se lá quem, cada um no seu écran,
para dizerem de tudo sobre o que nem têm raspas de perceber. Para citar uma frase atribuída a Richard
Feynman, “I learned very early the difference between knowing the name of
something and knowing something.” Escondam-se. Sempre evitavam o
espetáculo triste de continuarem a tossir para as mãos e chamarem o COVID
quando se referem ao SARS-Cov-2. É A COVID-19 e não se esqueçam que não são OS
diabetes. Ao menos isso.
Título e Texto: Fernando
Leal da Costa, Observador,
7-4-2020, 7h24
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