No socialismo, quando há dinheiro as vacas
voam. Quando chega a crise não se diz a palavra austeridade, mas sim tempo de
vacas magras. É sempre o tempo de fazer socialismo. Na versão ruminante, claro.
Helena Matos
Em maio de 2016, o
primeiro-ministro garantia “Até as vacas podem voar.” E os títulos
repetiam maravilhados «António Costa mostra como “até as vacas podem voar”» Em 2020, o mesmo primeiro-ministro declara “Ficaria, aliás, muito desiludido se tivéssemos de chegar à conclusão que só podemos contar com o PCP e com o Bloco de Esquerda em momentos de vacas gordas e em que a economia está a crescer“. E assim passamos das
vacas voadoras para as vacas magras.
É o chamado socialismo
ruminante. Um sistema que é sempre o melhor, invariavelmente governado por líderes
melhores que os outros e que mesmo quando tudo corre mal é o melhor porque é
socialista. Dir-se-á que já no socialismo marxista era assim. É verdade, mas no
socialismo ruminante o pensamento deu lugar à digestão: exerce-se o poder como
quem gere restos.
Para sobreviver no socialismo ruminante há
que interiorizar certas regras. Aqui ficam as mais recentes.
*Nunca pronunciar a palavra austeridade. As vacas
que já estavam a emagrecer antes do Covid-19 vão ficar ainda mais magras. Mas é
proibido falar de austeridade. A austeridade não vai acontecer, certo? Segundo
o Jornal de Negócios António Costa declarou: “Podem estar seguros” que não adotarei a austeridade de 2011. Já o Expresso anuncia António Costa: “Não temos novos programas de austeridade e novas troikas (não sei o que enerva mais António Costa, se ter de
falar em austeridade aos portugueses, se ter os credores a vistoriar-lhe as
contas, de qualquer modo convém lembrar ao primeiro-ministro que se em 2011
José Sócrates não tivesse negociado o apoio da troika o país nem sequer poderia
pagar ordenados aos funcionários públicos e pensões aos reformados). Mas
continuemos nos títulos-profissão de fé: Diário de Notícias António Costa: “Temos de evitar a todo o custo que a austeridade entre na vida dos portugueses” …
Desde que em 1974 e 75 os
jornais portugueses garantiam todos os dias que em Angola ia correr tudo bem,
que não via uma profusão de títulos tão plenos de fé no poder mágico das
palavras. Escusado será dizer que a austeridade aplicada por um governo
socialista não se chama austeridade, chama-se rigor ou, mais patrioticamente
ainda, esforço de todos nós. Caso de todo em todo este rigor ou este esforço
patriótico não se distingam da austeridade – e note-se que em Portugal só
existe oficialmente austeridade quando a função pública é afetada – será
chegado o momento de introduzir o fator Passos Coelho. Ou seja, este
rigor, que afinal é austeridade, é uma austeridade diferente da aplicada por Passos
Coelho. Repetir dez vezes: os factos não contam. Os nomes não se pronunciam. O
que conta é a intenção socialista.
*Teremos sempre um Trump. A Espanha com 47 milhões de habitantes tem 16.480 mortos por Covid-19. Os EUA contam 328 milhões de habitantes e 20.456 mortos. Conclusão: o Trump é uma besta que
não lidou bem com a pandemia. Já o Pedro Sanchez é o quê? Não sabemos o que é
porque apesar da péssima gestão do seu governo perante a epidemia tem sido
poupado a críticas fora do seu país e muito particularmente em Portugal.
E o que dizer da Itália, com
pouco mais que 60 milhões de habitantes e 19.468 mortos? Quantas vezes ouvimos
dedicado ao primeiro-ministro italiano aquele exercício diário, que presumo
obrigatório nas rádios, televisões e jornais deste país, de mostrar à evidência
que, perante os números da epidemia nos EUA, o presidente norte-americano não
sabe o que faz nem o que diz quando fala de Covid-19?
A geografia, o clima, o tipo
de povoamento e muitos outros fatores que agora desconhecemos ajudarão
certamente a explicar no futuro porque há países mais ou menos fustigados por
esta epidemia. Mas, por favor, vamos parar com esta performance
terceiro-mundista de fulanizar no presidente dos EUA o que não queremos ver em
nós mesmos. E nós falhamos. E aqui falo dos governos da UE. Por imprevidência,
por medo de afrontar a China, porque viviam em agendas imaginárias (veja-se o escândalo que aconteceu em França com o aprovisionamento de material sanitário), porque foram mal informados, porque se habituaram a transferir
para o plano europeu as decisões que internamente lhes podem beliscar a
popularidade (António Costa ao ser interrogado por Goucha, um entrevistador
mais rigoroso que muitos jornalistas, sobre as contradições de Graça Freitas explicou imediatamente que a DGS seguia os ditames europeus), os governos europeus perderam semanas
preciosas no que podia ter sido uma abordagem mais preventiva da epidemia.
(Enquanto escrevo esta crónica leio este início de texto esclarecedor no
Observador: “Desde fevereiro que a OMS alertava para a escassez de equipamento de proteção, como máscaras, luvas ou óculos. Mas Portugal seguiu a tendência da Europa e só fez as primeiras encomendas em março”.)
Não adianta o vudu com o Trump
ou com o Bolsonaro. Se excetuarmos a China em cujos números nunca se sabe se se
pode confiar, foi aqui na UE que as coisas falharam. E falharam muito. Não era
assim que nos tinham dito que ia acontecer. Mas no socialismo tem sempre de
existir um Trump. Imagine-se que em vez de olhar para o Trump se olhava para o
país?
*Não vamos perder tempo com essas questões. Vamos levar
os próximos meses a ouvir esta frase. A lista das questões com que não vamos
perder tempo está a ser constantemente atualizada. Por exemplo, é óbvio
que não vamos perder tempo com a questão da degradação do SNS após quatro anos
de vacas voadoras, degradação essa que muito contribuiu para a falta de condições
no combate a esta epidemia.
Também, como é óbvio, não
vamos perder tempo a discutir o facto de não se conheceremos epidemiologistas e médicos que assessoram o Governo no combate à epidemia ou
a proibição de divulgação do número de mortos por Covid-19 pelas autarquias. E muito menos vamos abordar o assunto das voláteis declarações
da Diretora-geral da Saúde que se tornou ela mesma uma personificação da
expressão “falsa segurança” (pela parte que me toca, olho para Graça Freitas e
não sei se sinto falsa segurança ou verdadeira insegurança, mas sei que é
algo que nunca esperei sentir perante a autoridade de saúde do meu país.)
E, corolário lógico, vão
dizer-nos para nos centrarmos no que interessa. E o que interessa não são as
questões mas sim o apresentar das políticas (no momento da apresentação
resultam sempre), dos programas (provavelmente de relançamento do turismo de
que se tinha tornado moda dizer mal) e das medidas (quiçá até de apoio ao
alojamento local que há uns meses se perseguia).
Conclusão, no país do
socialismo ruminante os governantes só devem são avaliados pelo que anunciam.
*O que o governo não refere não existe. Já no tempo das
vacas voadoras era assim, mas agora que elas emagreceram é muito mais. Este
poder socialista de criar ou apagar a realidade leva a que no mesmo país que em
2011 e 2012 se vislumbravam esfomeados em cada esquina agora se mantenha um
impressionante silêncio sobre as pessoas que ficaram subitamente sem
rendimentos e que não cabem nos programas de ajuda anunciados.
Como acontece, por exemplo,
com a maioria dos comerciantes pois como aqui no Observador
alertou Vicente Ferreira da Silva o Decreto-lei 12-A/2020, de 6 de Abril que define
quem pode beneficiar de apoios extraordinários deixa de fora “uma lojista
que tenha uma funcionária, o dono de uma confeitaria que tenha um ou mais
ajudantes ou um carpinteiro que tenha contratado um aprendiz, etc.,”
Confesso que não queria acreditar e fui confirmar: é verdade. No ponto 6 do art.
26º lá está: “O apoio previsto no presente artigo é concedido, com as necessárias adaptações, aos sócios-gerentes de sociedades (…) sem trabalhadorespor conta de outrem.”
E aqueles que vivem em
economia informal? Sim, já se sabe que não deviam, mas experimente-se retirar
os descontos da Segurança Social a um ordenado ou rendimento baixos e logo se
percebe por que é que muitos o fazem! Sim, quanto tempo vão estas pessoas
conseguir manter-se? Espantosamente para aqueles que não conhecem as idiossincrasias
da informação nos sistemas socialistas agora não se fala de fome ou miséria e
os avisos feitos logo a 25 de Março por alguém que está no terreno como é o caso de Isabel Jonet, passaram discretos para não dizer quase secretos.
… O problema não é a esquerda
governar. O problema é a esquerda constituir-se como uma vaca sagrada.
Título e Texto: Helena
Matos, Observador,
12-4-2020, 8h09
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