terça-feira, 14 de maio de 2024

[Aparecido rasga o verbo] O labirinto de espelhos e o reincantamento do cotidiano

Raimundo de Souza

EM UMA CIDADEZINHA nos cafundós do interior de São Pulo, cujas paredes se faziam altas, tipo as de um presídio de segurança máxima, uma centena de casas antigas se estendia por várias ruas de terra batida que começavam na pracinha em frente à estação de trem da antiga “Estrada de Ferro Sorocabana” e terminavam nas margens do Rio Iperozinho, importante afluente do Rio Sorocaba. Cada uma dessas casas, ostentava uma janela estreita sinalizando que no interior daquelas moradias se acumulava ao sabor do tempo inexorável várias doenças consideradas incuráveis. Na casa de número cinquenta e oito, por exemplo, abrigava uma jovem simpática, mas que todos consideravam um tremendo pé no saco. Não outra, senão a jovem e linda Loucura. Além de doente, “essa beldade” se diferenciava das outras moradoras das alvenarias próximas. A casa de número um, por exemplo, abrigava a insuportável Tristeza. A casa de número dez, se via às voltas com a ignominiosa Solidão. Na casa treze, a proprietária se fazia conhecida pela senhora Desgraça.

E assim, sucessivamente. A casa de número cinquenta e oito, a sua inquilina, a esfuziante Loucura, não tinha ouvidos, nem rosto, tampouco voz. No geral, seu quadro esquizofrênico se formava por conta de uma sombra negra que vagava à esmo, todas às noites. A famigerada saia a caminhar sozinha e se arrastava pelas vielas e becos, produzindo um sussurro estapafúrdico entre os lábios cerrados o que fazia crescer, e muito, o medo tétrico dos demais convizinhos. Diziam, a língua solta, que a criatura além de se chamar Loucura, cometia no decorrer do dia a dia, as piores barbaridades. Por conta, todos comungavam que essa “cidadã” se consubstanciava num mal incurável e pior, difícil de ser contido. No geral, uma enfermidade ingrata e impossível de ser arrochada. Para completar seu quadro tempestuoso, a sirigaita carregava um segredo escondido. Todos que paravam para dialogarem com ela, acabavam alienados e paranoicos. No coração da cidade, colada à igreja matriz, havia um casarão enorme do “tempo em que Judas ainda não havia perdido as botas.”

Dentro dele, um grandioso labirinto de espelhos se fazia coerente e verossímil. Exatamente nele a bendita Loucura, numa de suas caminhadas, para tranquilidade dos demais, ou melhor, de todos os radicados, a estrangeira se viu, por puro azar, encarcerada. Foi descuido. Com isso, o tal entrave dos espelhos que até então se mostrava austero aos menos desavisados, e claro, aos não curiosos, em face de se fazer alheio e indiferente à população aparentando um lugar de portas trancadas e venezianas intransponíveis, atopetados de grades circunspectas e cadeados de rostos solenes, passou a ser, de repente, uma válvula de escape —, ou melhor dito —, um remédio de bula benfazeja. O heteróclito, a bem da verdade, literalmente, não ia além de um lugar tranquilo e propício às reflexões. Quem entrava ali, diziam à boca miúda, jamais encontrava a saída. Pelo menos por algum tempo se fazia atarantado entre as versões distorcidas de si mesmo.

Foi o caso da senhorita Loucura. É bom que se diga, nessa combinação intrincada, havia um homem. O nome dele, Emanuel. Esse mancebo, ao contrário dos demais que não se aventuraram a entrar, se deu conta, que o tal emaranhado de espelhos dava a impressão de um cárcere. Negativo! Para ele, os cristais mostravam não o que todos pensavam ser o fim do mundo, ou o inferno encapetado, mas, seguramente, a liberdade verdadeira. Aquela que toda a cidade, por algum motivo injustificável se recusava a enxergar. Emanuel, por sua bisbilhotice, também se viu meio fora de foco e sem chão. Caminhava pelos vários corredores tomados por uma cadeia de substâncias inorgânicas falando com as imagens que replicavam seus trejeitos e caretas, contudo, nunca assinalavam a sua alma. Insatisfeito, ele sempre indagava, numa espécie de fobia incurável:
— Por que vocês não me apontam o umbral da serventia dessa merda para eu dar o fora?

Os espelhos seguiam silenciosos e não respondiam. No fundo, Emanuel, tinha plena consciência que a Loucura (a jovem recém-chegada e alguns passos atrás dele), não representava um monstro a ser trancafiado e, sim, uma parte da humanidade que clamava por compreensão. Ele via nos bugalhos duplicados da novata, a dor atribulada da rejeição flagelada, o peso desinquietante do receio suplicioso e a ansiedade desolada e aperturada. Por outro prisma, descerrava também o alívio envolvente da beleza, e o encanto terno da diferença. Com o tempo, Emanuel se tornou parte integrante do dédalo, tipo um guardião de todos os espelhos. Ele acolhia aqueles que a sociedade excluía mostrando que a Loucura, que chegara alguns dias depois dele, não se consubstanciava numa prisão. Ela se abria inteira num caminho novo. Se fundava numa estrada propícia para a liberdade. Em sua presença, todos que ingressavam no labirinto, encontraram não o fim, mas o início de uma jornada nova para aceitar a si mesmos.

Com o passar do tempo, a cidade toda (aos poucos e gradativamente), aprendeu que o encarceramento da pobre e dócil Loucura não estava sustentado pelo atravanco da janela da sua casa de número cinquenta e oito. Menos ainda nos espelhos do labirinto. Tampouco nas barreiras que se erguiam dentro dele. A raia miúda, em sólido compacto, com o decorrer de um certo tempo, descobriu que a verdadeira liberdade, ou a genuína e real Felicidade, vinha não de se curar ou se esconder. Simplesmente a magia se agigantava e se expandia no cândido e bucólico “entender e aceitar.” Muitos e muitos janeiros se passaram até que os engastilhados de espelhos se tornaram um símbolo de altivez e da esperança. Hoje é um lembrete brando de que a moça Loucura, quando abraçada, acarinhada, e amada, pode ser (e de fato é) a chave para desvendar os mistérios mais profundos da alma humana. Nesse tom de cores as mais diversificadas, a cidadezinha nos cafundós do interior de São Paulo, outrora mudo e monocromático, se tornou um mosaico de vozes e visões, onde a doce e amada senhorita Loucura não é mais uma prisioneira. Ao invés disso, uma excelente e exímia pintora das coisas boas da vida.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Iperó, interior de São Paulo, 14-5-2024

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6 comentários:

  1. OBSERVAÇÕES NECESSÁRIAS

    1)
    Uma das palavras que dá nome ao título de texto, desta sexta-feira, REINCANTAMENTO deveria estar grafada com aspas, ou seja, “Reincantamento.” Todavia, a sua grafia no português corrente, seria “REENCANTAMENTO.” Apesar dos pesares, a dita “Reincantada,” ou “Reincantamento” não está totalmente errada. Foi usada originalmente pelo escritor Robert Ludlum em seu romance “The Matarese Circle,” em sua 1ª Edição no ano de 1979, no momento em que o personagem Brandon Scofield, agente secreto de alta categoria dos serviços americanos de espionagem promete se vingar de um outro agente secreto, tão bom quanto ele, um sujeito de nome Vasili Taleniekov, pelo fato dito cujo espião ter matado a sua querida e amável esposa. A certa altura do romance, Brandon se refere a mulher assassinada observando que sempre que relembra seu rosto, sua voz e seus abraços, “um reincantamento implacável toma conta de todo seu corpo.” Reincantamento, pois, embora não faça parte da língua portuguesa atual, se igualaria a “estar reincantado, ou (rei) embevecido, (rei) empolgado, ou ainda (rei) ardorosamente arrebatado pela esposa assassinada.
    2)
    Por lapso, na correria das viagens, onde se lê “São Pulo”, o certo, o correto, seria São Paulo. Rogo aos leitores da "Grande Família Cão que Fuma," pela falha e descuido do autor. Mil perdões.
    Aparecido Raimundo de Souza, de Iperó, interior de São Paulo

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  2. VÁ JOGAR MINECRAFT;
    Inquebrável: aumenta a durabilidade
    Remendado: Itens consertados por Orbs XP;
    Maldição do Desaparecimento: Quando morre, o item é destruído;
    Aspecto de Fogo: Alvo incendeia;
    Knockback: Hit mobs serão jogados para trás;
    Pilhagem: Mobs mortos por armas terão saque extra;
    Sweeping Edge: DMG de ataque de varredura;
    Maldito dos Artrópodes: Oferece bônus de DMG e retarda;
    Nitidez: Aumento de DMG;
    Desbaratar: DMG bônus;
    Eficiência (Axe): Chances de atordoamento contra escudos aumentados;
    Empalando: DMG bônus;
    Canalização: Raios atingem o alvo em tempestades;
    Lealdade: Após ser lançado, o Trident volta automaticamente;
    Correnteza: Jogador é lançado com o Trident, funcionando apenas na chuva ou água;
    Chama: As setas irão definir os alvos em chamas;
    Infinidade: Os tiros não consomem flechas;
    Poder: DMG aumentado;
    Soco: O empurrão da flecha é aumentado;
    Multishot: 3 flechas por vez podem ser atiradas;
    Piercing: Setas atravessam inimigos e escudos;
    Carga Rápida: Recarga será mais rápida;
    Eficiência: Velocidade de mineração aumentada;
    Fortuna: Chance de ter itens duplicados diminui;
    Toque de seda: Blocos minerados não quebram;
    Sorte do mar: Itens raros durante a pesca surgem com maiores chances;
    Atrair: Tempo de espera de peixe, lixo e saque diminuído;
    Maldição da amarração: Itens removidos dos slots apenas em caso de quebra ou morte;
    Proteção contra explosões: Explosão DMG e knockback diminuído;
    Proteção contra fogo: DMG de fogo e tempo de queima diminuído;
    Proteção de Projéteis: Diminui danos de projéteis;
    Proteção: Diminui o dano recebido;
    Aqua Affinity: Velocidade de mineração embaixo da água aumentado;
    Respiração: Tempo de respiração embaixo da água aumentado;
    Espinhos: Reflete os danos atingidos;
    Depth Strider: Velocidade do movimento embaixo da água aumentado;
    Frost Walker: Transforma água de baixo do jogador em gelo;
    Pena Caindo: Diminuição do dano da queda;
    Velocidade da Alma: Velocidade aumentada em Soul Sand.

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  3. Respondendo ao meu amigo Vanderlei Rocha, devo dizer o seguinte: minecraft. o que é?
    ABSTRACT
    Search, in the narratives of three novels by the Mozambican writer Mia Couto , any
    references to boats, barges, ships, vessels, canoes (finally, water transport in general) and
    realize how the different symbologies and meanings that carry these elements relate to and
    enrich such narratives are the main objectives of this research. Thus , the literary texts that
    form the corpus of this study are Terra Sonâmbula, O outro pé da sereia and A confissão da
    leoa – each volume representing a decade of the author's production, since the books were
    published in 1992 ( his first novel ) , 2006 and 2012 , respectively. The theory of this work
    was grounded mainly in the works of Gilbert Durand, Gaston Bachelard, Carl Gustav Jung
    and Mircea Eliade, in regards to issues relating to the imaginary. However, it is also important
    to check those specific aspects about Mozambique, its culture, society and beliefs, as well as
    about the writer whose work is reviewed here, in order to discover how these characteristics
    may alter the imagery related to water transports within the literary texts in question . For this
    reason, the studies of Laura Padilla, Ana Mafalda Leite, Pires Laranjeira, Inocência Mata,
    among others, were selected .
    Keywords: Theories of the Imaginary. Mia Couto. African literature. Symbologies related to
    boats.
    Obrigado pelo seu comentário.
    Abraços
    Aparecido
    Aparecido

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  4. Confesso que não entendi bulhufas 'IA PURO.'
    Carina
    Ca
    da Lagoa, Rio de Janeiro

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  5. Nem eu! Mais perdido que cego em tiroteio
    Aparecido
    Lagoa, Rio de Janeiro

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