sexta-feira, 17 de maio de 2024

[Aparecido rasga o verbo] Sacada de um passo

Aparecido Raimundo de Souza

NO “ÂMAGO” do meu coração, moram muitas e muitas histórias não contadas, menos ainda escritas ou divulgadas. Também é nele que residem, em teto cativo, os sonhos desfeitos e as esperanças renovadoras. Principalmente as renovadoras. Por conta disso, é o “âmago” do meu coração, um lugar sagrado, onde o silêncio fala mais alto que mil palavras. Cada batida, amplia a sua linha de ação em socorro às minhas mazelas e necessidades mais prementes. Desta forma, cada pancada ressoa forte com ecos de memórias passadas, contudo, sem jogar para longe ou sem tirar da minha beira, o foco da paz tranquilizadora que me sustenta. 

Ao lado, igualmente escondido na minha alma (num lugar que somente eu tenho acesso), as lágrimas arfam de pasmo e quando resolvem brotar, agem em comum acordo num gesto franqueador com o meu estado de espírito. Instauram, para tanto, uma variante de acesso restrita. Com isto, carregam mais sorrisos que tristezas. Cada uma que rola, rosto abaixo, leva na sua partida, como uma força mítica, a doce candura de uma lição aprendida. O amor que se esvaiu pelos caminhos onde andei sempre deixam espaços para um novo querer, ou um gostar mais acautelado e maduro, mais cordato e consciente. 

Neste contrário, tomo plena e consciente ciência, de que a dor é uma espécie de núcleo embaraçoso e angustiante, desinquieto e consternado. Por agora, apenas reflete a paradoxidade da outra face oculta da alegria, ou seja, aquele rosto que me faz bem. A saudade, mesmo lado, é o preço justo que pago pelas ocasiões que se ostentam inesquecíveis. Aprendi mais, e, hoje sei, cada cicatriz me ajudou a desenhar e construir um mapa limpo e cristalino das sendas e vias que percorri deixando de lado as tentativas de hospedar a atenção das fraturas que me faziam um grande mal. Sobrevivi as intempéries. 

Por conseguinte, cada escolha feita me trouxe até aqui. Cheguei são e salvo, sem os pesadelos dos fantasmas que insistiam em me deixar às raias das desgraças anunciadas. Ou bem ou mal, todo o quadro lúgubre pelo qual passei, me mostrou uma nova perspectiva de recomeço. O avesso do meu coração é hoje um mosaico de tudo o que vivi, ou melhor, de tudo o que passei, tipo assim, tal e qual um pedaço de tecido feito de pequenos e insignificantes retalhos que redundaram em uma explosão de experiências construídas e costuradas com as linhas rígidas e fiéis da melhor forma de austeridade e superação. 

Na verdade, me vanglorio, neste momento, de uma progressão que não mais se curva, nem se dobra. Que não se descamba, nem se deixa ser levada pelas intempéries mais furiosas e turbulentas.  Portanto é dentro dele, o “âmago,” ou o “núcleo-essência” do meu coração, que guardo, à sete chaves, os segredos e enigmas, as confidencias e os  dogmas mais fâmulos... enfim, as confissões pinceladas à gênio que só a mim pertencem. Embora muitas pessoas ao meu redor vejam apenas a superfície polida que mostro ao mundo, é no reverso dos meus “setenta e um anos,” que bato na tecla que verdadeiramente me conhece de cabo à rabo. 

Mesmo olhar, é onde aceito, de apreço satisfatório, as minhas carências e malogros, as descaídas e imperfeições, as rupturas e falhas. Ao final de tudo, eu celebro, à cabeça erguida, o melhor e o mais magnificente da minha humildade. Não só ela. Mesmo pique, me vejo e me aclamo, me ovaciono ser inteiro e completo, principalmente quando sinto, no corpo transbordando, as marcas indeléveis como patadas de um trestálio regozijante -, a glória efêmera de identificar e sopesar os estiolamentos e as frouxidões, as covardias e os desfalecimentos advindos das próprias astenias que, por muitas vezes, tentaram me colocar às rés do chão. 

No profundo intocável do meu “eu” intátil, encontrei a liberdade de ser quem sou. E quem realmente sou? Um sujeito sem máscaras ou disfarces. Aliás, em igual passo, me considero intemerato e sacrossanto, vez que renovo as minhas forças, exatamente onde o amor incondicional floresce e a vida ganha novos significados. Em resumo, é no outro lado da moeda que a vida (a minha vida) se revela em toda a sua complexidade estardalhaçante. E é nela, sem sombra de dúvidas, que descubro a beleza ímpar escondida nas dobras da existência que me contempla. 

No recôndito do meu coração, bem lá no fundo mais gostoso existe um jardim florido, que dá para uma sacada suspensa. E bem alta. Nesse jardim, todos os dias, em flavas manhãs e, num passo apenas, “eu sou eu mesmo.” Por inteiro e sem partes faltosas, em minha forma mais pura e verdadeira, procuro estorcegar os meus ridículos. E consigo. Espero, pois, que as minhas palavras explodam em todos os meus amigos leitores e leitoras que me leem. Ao estrondar esse meu texto, em contíguo, ele ofereça a “todos e todas” a reflexão clara e perfeita sobre a beleza e a complexidade vinda do Mais Poderoso infinito. O Deus-Pai-Supremo. 

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 17-5-2024

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