Carina Bratt
Final de semana normal. Um sábado como os demais. Muito calor, um sol de quarenta graus, apesar do vento. De resto, um dia magnífico. Eu estava sozinha em casa. A Borges de Medeiros, apesar dos carros lá embaixo, se fazia silenciosa. O único som que eu ouvia era o vento sussurrando pela fresta da porta envidraçada que acessa a minha varanda. Meu celular permanecia em modo silencioso, sem nenhuma mensagem ou chamada. Parecia que o mundo inteiro havia desaparecido, me deixando apenas com meus próprios pensamentos. Decidi aproveitar esse tempo para mim. Só para mim. Preparei um café reforçado e me acomodei na mesa da minha cozinha ampla. Ontem à noite, dispensei a secretária do lar. Ela tem um filho de dez anos e, como mãe, precisa rever seu pequeno.
Olhei ao redor e percebi que todo o resto do apartamento estava diferente, desvairado e inóspito sem a presença de outras pessoas que fazem parte do meu círculo diário. Os quadros de meu papito e da mãe, na parede da sala, ao lado da lareira, pareciam mais nítidos, os móveis, mais espaçosos. O piano triste, macambuziava num canto esquecido, as teclas sonhando, talvez, com as partituras na gaveta de uma escrivaninha ao lado. Era como se eu, de repente, tivesse entrado de cabeça em um mundo paralelo, onde tudo se fazia mais calmo e introspectivo. Me lembrei das vezes em que estive rodeada das pessoas queridas. Meu pai (já falecido) mamãe viajando para Fortaleza com as amigas da sua idade. Memorizei, modo igual, as festinhas barulhentas no apê abaixo do meu, das risadas no corredor, dos abraços apertados, de alguém vindo me visitar.
No entanto, agora, aqui, sozinha, percebi que também havia beleza na solidão. Como se eu tivesse num espaço distante da Lagoa logo ali e pudesse ouvir meus próprios pensamentos com mais clareza e nitidez, como se as paredes do meu apartamento estivessem me contando segredos antigos, confidências saídas de um baú (presente de mamãe) que mantinha no meu quarto, ao lado da cama redonda. Por volta das sete da noite, sai para a varanda e olhei para o céu. Estava estrelado. Os astros pareciam mais brilhantes, como se estivessem dançando apenas para meu enlevo. Pensei nas histórias que papai inventava para me alegrar. Pensei também nos desejos que dona Alaíde, minha vizinha contígua vinha me segredar. E eu ali, sozinha, olhando o céu acima de mim, fiz meu próprio pedido. Voz calma, quase silenciosa.
No domingo, acordei bem cedo e fiz minha caminhada pelo calçadão da Lagoa Rodrigo de Freitas. Tudo se fazia quieto e moderado. Logo adiante, algumas poucas árvores sussurravam entre si e os pássaros cantavam melodias que só euzinha podia ouvir. Não havia pressa no meu tempo. Não havia compromissos na minha agenda. Apenas eu e a natureza, a natureza e eu, compartilhando um momento único de tranquilidade. A noite, me aboletei na cadeira do papai para assistir a minha série preferida, o ‘Mentalista.’ Ri bastante das tiradas elegantes e com o poder de sedução mavioso do Simom Baker, na pele do Patrick Jane. Me diverti com as ‘fugidas’ estratégicas e das cantadas dele para com a Teresa Lisbon. Existe um encanto entre eles que nenhum dos dois tem coragem de assumir. Mas sei que no final vai rolar um clima.
Dei pausa, voltei à cozinha e coloquei na panela um miojo de carne. Adoro miojo de carne. Uma refeição simples e solitária como eu. Juro que saboreei cada garfada como se fosse um banquete de princesa. Tomei uma taça de vinho. Coisa de mulher maluca. Quando resolvi ir para meu quarto e me deitar, de vez, a cama me enlevou numa harmonia profunda, como se o mundo inteiro, lá fora, estivesse em conformidade com meu coração. E estava. Na segunda-feira, bem cedo, o Apa veio aqui em casa. Ele mora acima de mim e tem o segredo que destrava a porta. Como eu a dele. Me pegou, como sempre, de calcinha, como gosto de dormir. Trouxe pão doce, geleia, preparou um café gostoso para nós dois. Nada disse, apenas quando foi me acordar, me deu um beijo ‘caliente,’ afagou meus cabelos e me tascou um abraço de bom dia. Percebi que a solidão havia sido minha companheira pelo final de semana.
Contudo, ela, a solidão, me ensinou uma lição valiosa. Aliás, sempre me ensina, ou quando não, renova a antiga, para que eu não me esqueça. Uma lição, como sempre, grandiosa, magnânima. A importância de estar comigo mesma. Só eu e meus devaneios. Meus devaneios e eu. Às vezes, precisamos nos encontrar novamente no mesmo lugar, ou naquela reentrância do destino onde paramos em algum ponto obscuro do nosso tempo. A solidão, caras amigas, não é um vazio, um oco, um buraco que se agiganta, ou que nos embrulha a alma. A solidão é apenas um espaço intermediário entre o mundo real e o imaginário. Um momento para fazer uma introspecção, e aproveitar essas ocasiões para crescer, pensar, refletir, sopesar os prós e contras, rever velhas lembranças, e, no final de tudo, uauuuu!... encontrar a PAZ. Sobretudo a de espírito.
Título e Texto: Carina Bratt, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de
Janeiro, 26-5-2024
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