sábado, 2 de abril de 2011

[Da série "A vida que levei.."] 20º capítulo: O meu tio Almeida

Primeiro capítulo:
O hastear da bandeira portuguesa no vapor Energie (pertencente à Alemanha) pela marinha portuguesa, quando Portugal entrou formalmente na Primeira Grande Guerra.
Ontem, me lembrei do tio Almeida. Conheci-o em Luanda. Trabalhava na Marinha. Tinha uma grande gaiola com periquitos. Era casado com a minha tia Almerinda - não me lembro mais de quem era irmã.
Por ocasião da independência de Angola, o casal mudou-se para Almada, Portugal. Também o visitei lá, por duas ou três vezes.
Me lembro da sua bonita letra. Era um prazer receber e ler as cartas do tio Almeida.
Meus pais pouco o apreciavam. O restante da família tampouco... Mais tarde descobri as causas. Apesar da idade dele, ele ainda era soldado ou cabo da Marinha, não avançava na carreira militar. Era um questionador implacável. Anti Salazar. Ateu convicto. Comunista, falava-se. Não se conformava. Sempre havia alguma coisa que o incomodava (num conceito social, coletivo) e ele reclamava, reclamava. Eu me lembro bem da maneira como argumentava: articulada, exaltada, embasada. Suas distrações favoritas eram, além da leitura, o xadrez e o jogo de baralho "sueca". Embora fosse um doce de pessoa, a família não o via assim. Era tido como ranzinza. Porque a família partilhava outros valores e outra percepção: estava tudo bem em Angola, Salazar era ótimo, Portugal era um país perseguido pela ONU e pelos comunistas...
O tio Almeida morreu reclamando de Salazar e de outros fascistas. Quase teve um troço quando me viu com a farda da Mocidade Portuguesa. Nunca se calou, mesmo à custa de parecer um intolerável impaciente em rodas sociais.
Se ele fosse vivo nos dias atuais, com certeza que teria um blogue, muito bem organizado, disparando contra ditaduras, disfarçadas ou não, contra as injustiças, contra as manipulações.
Pois ontem, meu querido Diário, me lembrei do meu tio Almeida. Quando eu crescer sonho em me parecer com ele, mesmo que vagamente.

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