Alberto Gonçalves
O extraordinário não é que
António José Seguro se afirme "preparado para governar", nem que o
faça sob o divertido argumento de que o "investimento" público
garante o crescimento económico.
O extraordinário é que, se as
eleições se realizassem hoje, o PS do dr. Seguro e os argumentos do dr. Seguro
sairiam muito provavelmente vencedores. Já chega de culpar os políticos pela
desgraça do País: o País desceu a isto por culpa do bom povo. Crise de
representação? Nem vê-la. Feitas as contas, os nossos representantes
representam-nos com esmero.
É preciso notar que o
eleitorado, ou pelo menos a parte do eleitorado que pesa, não está descontente
com os senhores da coligação do poder por estes terem demorado ano e meio a
iniciar, segundo consta, um esboço de reforma estatal. O eleitorado anda
irritado porque o Governo vem aumentando os impostos para evitar bulir no
Estado. Quando, e se, bulir, o eleitorado andará irritadíssimo. Poucos são os
que desejam reformas, "refundações" ou mudanças: milhões de criaturas
sonham com a imobilidade absoluta, mesmo após constatarem que essa imobilidade
possui um custo que, a pronto ou habitualmente a crédito, não poderemos
continuar a pagar.
Paradoxal? Os paradoxos não
nos atrapalham. É por isso que enquanto nos queixamos da crise estamos
dispostos a legitimar nas urnas o exacto partido que apressou a crise e as
exactas alucinações que tornaram a crise obrigatória. Como o maluquinho que
volta a enfiar o dedo na tomada depois de cada choque, uma impressionante
quantidade de portugueses não aprende. E é duvidoso que venha a aprender.
A verdade, que quase ninguém
admite para não ferir susceptibilidades, é que não percebemos a razão de
acontecer o que nos acontece. Descontados os casos de má-fé, as reacções à
visita da sra. Merkel exibem o desnorte que por aí vai. Não falo dos
arruaceiros, nitidamente empenhados em reinar sobre as ruínas. Falo dos
bem-intencionados como Marcelo Rebelo de Sousa, que patrocinou um filmezinho
destinado a mostrar aos alemães que do Minho ao Algarve há gente boa (parece
que as autoridades berlinenses deitaram o filmezinho ao lixo). E falo da
empresa de Marco de Canaveses que quer oferecer à chanceler um cabaz com
azeite, vinho do Porto, enchidos, queijo e "outras iguarias"
(suspeito que o cabaz não chegará ao destino).
Isto seria genial se o drama
pátrio fosse a Alemanha supor que somos antipáticos e incapazes de produzir uma
morcela decente. Sucede que o problema não é esse: o problema é precisarmos do
dinheiro alemão para não nos afundarmos de vez à conta da estroinice indígena.
E nada indica que o contribuinte de lá ceda à filantropia após provar um
vintage da Ramos Pinto. No meio disto, sobra a sra. Merkel, suficientemente
atenta aos perigos da implosão do Sul para nos amparar a austeridade e
suficientemente atenta aos votantes dela para impedir que o amparo seja
incondicional. E só. Se não respeitamos a realidade, é altamente duvidoso que a
realidade venha a respeitar-nos. De qualquer modo, é enternecedor ver Portugal
explicado por quem não o compreende.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Diário de Notícias, 11-11-2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-