Reinaldo Azevedo
Ai, ai…
Quando começo assim, a coisa é
de lascar! Recebi uma mensagem de um representante de um grupo de militantes
negros que é mesmo do balacobaco! É de uma espantosa covardia política. Já
chego lá. Antes, algumas considerações.
O deputado João Paulo Cunha
(PT-SP), condenado ontem pelo STF a nove anos e quatro meses de cadeia, em uma
“plenária” para, como definiu José Dirceu, “julgar o julgamento do Supremo”,
referindo-se ao ministro Joaquim Barbosa, relator do processo do mensalão e
agora presidente do tribunal, indagou e respondeu: “[Barbosa] Chegou
[ao Supremo] por quê? Porque era compromisso nosso, do PT e do Lula, de
reparar um pedaço da injustiça histórica com os negros”. Considero essa
fala uma manifestação asquerosa de racismo enrustido. Expus os motivos num texto que deu o que falar, publicado no dia 24. Resta
evidente que João Paulo, o futuro presidiário — por corrupção passiva, peculato
e lavagem de dinheiro —, está expropriando Barbosa de seus méritos intelectuais
e atribuindo a sua ascensão à benevolência de Lula.
Protestei com dureza, como
sabem. E escrevi um outro post perguntando se os movimentos negros
continuariam com o seu silêncio covarde e ideologicamente orientado. Com que
então um petista pode afirmar tal estupidez? E se a fala estivesse na boca de
um político ou jornalista considerados “de direita” ou, sei lá, contrários às
cotas raciais? Não foi a primeira vez que um profissional negro de primeira
linha se tornou alvo de uma agressão em razão da cor da sua pele. Não faz
tempo, o jornalista Heraldo Pereira foi classificado por um anão moral de
“negro de alma branca”. O agressor teve de se retratar na Justiça. Os
movimentos negros, também nesse caso, se calaram. Afinal, aquele que agredia
tem a pretensão de ser um “inimigo da Globo” — logo, é visto como um
“progressista”…
Pois bem! Eu não critico
pessoas, mas ideias. Eu não me obrigo a concordar com A ou com B em razão de
afinidades ideológicas, eletivas ou de qualquer natureza. O ministro Joaquim
Barbosa sabe bem o que tenho escrito sobre o julgamento no STF e sua atuação. Também
não ignora que temos, sim, divergências sobre vários assuntos. Como costumo
dizer, digo “sim” quando acho que é “sim” e “não” quando acho que é “não”. Não
sou militante de coisa nenhuma! A principal obrigação de quem está no debate
público é dizer o que pensa. E é em busca desse pensamento que milhares de
pessoas acessam este blog todos os dias.
Um dia antes de escrever
aquele post sobre João Paulo, havia criticado aqui duramente uma resposta que Barbosa dera
a um jornalista negro, que lhe indagara se estava “mais sereno” depois de
presidir a primeira sessão do Supremo. Disse-lhe o ministro: “A cor da minha
pele é igual à sua. Não siga a linha de estereótipos porque isso é muito ruim.
Eles [os jornalistas brancos] foram educados e comandados para levar
adiante esses estereótipos. Mas você, meu amigo?”.
Não vou demonstrar, mais uma
vez, por que a fala é absurda para não repetir argumentos. Peço que notem,
adicionalmente, que, assim como João Paulo pretendeu tirar de Barbosa o
livre-arbítrio porque ele é negro (o que o obrigaria a votar como queria o PT),
Barbosa expropriou os jornalistas brancos da consciência individual: todos
teriam sido “educados e comandados para levar adiante os estereótipos”.
Existiria, assim, uma categoria de pensamento: a dos “brancos”. Não protesto
contra essa fala porque sou branco. Protesto porque ela é falsa.
É provável que Barbosa
estivesse irritado, e não lhe faltariam motivos, com a pletora de comentários e
especulações sobre como seria a sua gestão à frente do tribunal. Os que não
concordavam com o seu voto tentavam caracterizá-lo como um destemperado, um
doidivanas, um alucinado, um “Torquemada” — como chegou a citar Ricardo
Lewandowski. Ora, ele deve ter clareza de que, se a cor da pele condicionasse
pensamento, então o diálogo entre negros e brancos seria mesmo impossível. Sim,
há gente dedicada a criar um arremedo de guerra racial no país (ver post a
respeito). Não parece que seja o caso do ministro. Ele defende leis de
reparação — algumas delas, a meu ver, erradíssimas —, mas é a prova contundente
de que brancos ou pretos, ricos ou pobres, o desejável é que as pessoas vão à
luta para realizar seus sonhos e suas ambições.
Muito bem! Eis que recebo uma
mensagem de um senhor chamado “Reginaldo Bispo”, que se identifica como
“Coordenador Nacional do MNU – Movimento Negro Unificado”. Escreve-me ele:
“Reinaldo, 07 em cada 10 militantes do MN, não petistas e não governistas, apoiam e diriam o mesmo que disse o ministro Joaquim Barbosa. E digo mais, deve ter mais que isso entre a população negra não militante e os não negros solidários e não racistas. Assim, reafirmo aqui, se não é pratica de todos, ao menos é pratica predominante entre a maioria dos jornalistas sem compromisso em extirpar o racismo, especialmente dos representantes da Revista VEJA.”
“Reinaldo, 07 em cada 10 militantes do MN, não petistas e não governistas, apoiam e diriam o mesmo que disse o ministro Joaquim Barbosa. E digo mais, deve ter mais que isso entre a população negra não militante e os não negros solidários e não racistas. Assim, reafirmo aqui, se não é pratica de todos, ao menos é pratica predominante entre a maioria dos jornalistas sem compromisso em extirpar o racismo, especialmente dos representantes da Revista VEJA.”
O que responder?
O tal Bispo, claro!, quer aparecer e nem se dá conta de que seu texto é uma aporia, uma impossibilidade, uma absurdo ditado pelos próprios termos. Deve ser um noviço da lógica. Como ele se considera dono de uma causa, dispensa-se de pensar com começo, meio e fim e tende a achar que a justeza de sua luta lhe perdoa as tolices. Atenção, Bispo! Se Barbosa estivesse certo naquela fala (duvido que não tenha se arrependido do que disse) e se todos os brancos fossem, então, “educados e comandados” para a discriminação racial, seria impossível haver “não negros solidários e não racistas” porque todos os “não negros” seriam, então, por definição, racistas já que “educados e comandados” para tanto. Entendeu, Bispo, ou quer um desenho?
O tal Bispo, claro!, quer aparecer e nem se dá conta de que seu texto é uma aporia, uma impossibilidade, uma absurdo ditado pelos próprios termos. Deve ser um noviço da lógica. Como ele se considera dono de uma causa, dispensa-se de pensar com começo, meio e fim e tende a achar que a justeza de sua luta lhe perdoa as tolices. Atenção, Bispo! Se Barbosa estivesse certo naquela fala (duvido que não tenha se arrependido do que disse) e se todos os brancos fossem, então, “educados e comandados” para a discriminação racial, seria impossível haver “não negros solidários e não racistas” porque todos os “não negros” seriam, então, por definição, racistas já que “educados e comandados” para tanto. Entendeu, Bispo, ou quer um desenho?
Há mais, meu senhor! Que
história é essa de definir os brasileiros, quem sabe a humanidade, em “negros”
e “não negros”. Um branco que decidisse estabelecer a clivagem entre “brancos”
e “não brancos”, parece-me, estaria sujeito à acusação de racismo. Quanto à
referência à VEJA, Bispo só pretendeu ser sutil: ele estava se referindo a mim,
acusando-me de não ter “compromisso em extirpar o racismo”. Não nos seus
termos, que considero racistas! Já haviam me mandado certa feita um texto desse
rapaz em que ele associa o racismo contra os negros… ao imperialismo. Então tá.
Os maiores assassinos de negros no mundo são negros, como sabem a África
subsaariana e o Sudão. Tutsis e hutus não se matam porque uns detestem a cor da
pele dos outros. A “unificação dos negros” — para lembrar o nome do movimento a
que pertence Bispo — é uma ilusão que só existe fora da África. As milícias
sudanesas mataram mais de 500 mil pessoas em Darfur em razão de um conflito
religioso. A “Mama África” é madrasta má para milhões de negros que pertencem a
etnias perseguidas por outras etnias — todas negras. Na Irlanda do Norte, os
brancos não se matavam até outro dia porque eram brancos. E também não viam
motivos para se unir porque brancos. No Oriente Médio, os árabes não se matam
porque são árabes. Mas também não veem motivos para se unir porque árabes…
Qualquer pessoa tem, hoje em
dia, acesso a essas informações. Bispo também. O que me causa espanto não é a
mensagem que ele me enviou. Estupefaciente, aí sim, é seu silêncio — e de
grupos congêneres — diante da agressão de que foi vítima o ministro Joaquim
Barbosa. Não é preciso grande esforço para entender o que disse João Paulo. Ele
nem mesmo tentou ser sutil. Foi, aliás, de uma clareza arreganhada. Eu
discordei de uma fala de Barbosa, mas não questionei suas credenciais para ser
ministro do Supremo. Ao contrário: enfatizei o mérito que o conduziu até o topo
da carreira do Judiciário. Mas e o petista? E o que anda pelos blogs sujos e
“progressistas”?
Não obstante, o tal Bispo tem
a boca torta pelo cachimbo. Em vez de reagir ao que disse um deputado federal,
que já foi presidente da Câmara — terceiro da linha de sucessão do Executivo —,
ele resolveu me atacar. Afinal, ainda que possa ter discordâncias episódicas
com o PT e com um petista, trata-se de um militante que redigiu, em companhia
de outros, um manifesto em defesa da candidatura de Dilma Rousseff à
Presidência em 2010. No texto, eles faziam algumas reivindicações (conforme a
redação original):
“Que [Dilma] não mande mais dinheiro do Plano Nacional de Segurança Publica, para as polícias estaduais continuarem matando jovens negros, sem cobrar o respeito aos direitos humanos e da cidadania. Não precisando agradar mais os ruralistas;”
(…)
“Uma política salarial que resguarde uma diferença máxima de 12 vezes, entre o menor e maior salário recebido no pais, no setor privado e publico, inclusive entre as autoridades dos três Poderes;”
“Que [Dilma] não mande mais dinheiro do Plano Nacional de Segurança Publica, para as polícias estaduais continuarem matando jovens negros, sem cobrar o respeito aos direitos humanos e da cidadania. Não precisando agradar mais os ruralistas;”
(…)
“Uma política salarial que resguarde uma diferença máxima de 12 vezes, entre o menor e maior salário recebido no pais, no setor privado e publico, inclusive entre as autoridades dos três Poderes;”
Pois é… A primeira foi
cumprida à risca por Dilma e José Eduardo Cardozo, não é, Bispo? O resultado se
conta em cadáveres — muitos deles são cadáveres de… negros! Quanto à segunda…
Dizer o quê? Por que ele escolheu 12 e não, sei lá, 6 ou 18? Não tenho a menor
ideia…
Encerrando
Pode vibrar, rapaz! Amanhã, logo cedo, sua caixa de e-mails, as redes sociais, o SMS… Vai ser aquele alvoroço: “O Reinaldo caiu no truque e respondeu à provocação!”. É…, de vez em quando, faço isso mesmo. Mas o faço, desta feita, para evidenciar a sua covardia intelectual. Você e muitos de seus pares militantes, não eu, estão permitindo que uma corrente de difamação ideologicamente orientada associe, de forma depreciativa, traços de comportamento de Barbosa à cor de sua pele. Pior: querem atribuir ao ministro, porque negro, uma pauta sobre a qual ele estaria impedido de opinar livremente.
Pode vibrar, rapaz! Amanhã, logo cedo, sua caixa de e-mails, as redes sociais, o SMS… Vai ser aquele alvoroço: “O Reinaldo caiu no truque e respondeu à provocação!”. É…, de vez em quando, faço isso mesmo. Mas o faço, desta feita, para evidenciar a sua covardia intelectual. Você e muitos de seus pares militantes, não eu, estão permitindo que uma corrente de difamação ideologicamente orientada associe, de forma depreciativa, traços de comportamento de Barbosa à cor de sua pele. Pior: querem atribuir ao ministro, porque negro, uma pauta sobre a qual ele estaria impedido de opinar livremente.
E Bispo, livre como um táxi,
resolve atacar… Reinaldo Azevedo!
Não o convido a ter vergonha,
meu senhor, porque isso, definitivamente, é matéria que diz respeito a cada
indivíduo, homem ou mulher, branco ou preto, gay ou hétero, corintiano ou
palmeirense… Nesse ritmo, os movimentos militantes ainda concederão uma
carteirinha a certas correntes ideológicas, facultando-lhes a licença para o
racismo e a injúria racial.
Vá lá, Bispo, pode correr para
o abraço!
Título e Texto (e Grifos): Reinaldo Azevedo, 29-11-2012
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