Pois é…
Às vezes, o bom senso decide dar as caras no
Brasil. A expressão “Deus seja louvado” continuará nas notas de real. A sábia
decisão é da juíza Diana Brunstein, da 7ª Vara Federal, em São Paulo. Para ela,
“a menção à expressão nas cédulas monetárias não parece ser um direcionamento
estatal na vida do indivíduo que o obrigue a adotar ou não determinada crença”.
Quem queria banir a expressão é o procurador Jefferson Aparecido Dias. A juíza afirma
ainda em sua decisão: “Não foi consultada nenhuma instituição laica ou
religiosa não cristã que manifestasse indignação perante as inscrições da
cédula, e não há notícia de nenhuma outra representação perante o Ministério
Público neste sentido. Entendo este fato relevante na medida em que a alegação
de afronta à liberdade religiosa não veio acompanhada de dados concretos,
colhidos junto à sociedade, que denotassem um incômodo com a expressão ‘Deus’
no papel-moeda”.
No dia 13 deste mês, escrevi um longo texto a
respeito, que reproduzo abaixo.
Volte e meia, tudo indica, o procurador Jefferson
Aparecido Dias, do Ministério Público Federal, fica com síndrome de abstinência
dos holofotes e decide, então, inventar uma causa para virar notícia. Aprendeu,
com a experiência, que dar uns cascudos em Deus — nada menos — ou na fé de mais
de 90% dos brasileiros, que são cristãos, rende-lhe bons dividendos. Eventualmente
ele pode juntar o combate à religião a alguma outra causa politicamente correta
(já chego lá), e aí tem barulho garantido. E, por óbvio, granjeia o apoio de
amplos setores da imprensa, que podem até admirar o lulo-petismo, mas acham que
religião é mesmo um atraso… Acham legítima a fé num demiurgo mixuruca, mas não
em Deus. Entendo. É uma questão de padrão intelectual.
A mais nova e essencial decisão deste senhor, da
Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, de São Paulo, foi entrar com uma
ação civil pública para retirar das notas do real a expressão “Deus seja
louvado”. É o mesmo rapaz que de mobilizou para caçar e cassar todos os
crucifixos de prédios públicos, lembram-se? Também foi ele que tentou, sem
sucesso, levar o pastor Silas Malafaia às barras dos tribunais quando este
protestou contra o uso de santos católicos em situações homoeróticas numa
parada gay. Referindo-se a ações na Justiça, o pastor afirmou que a Igreja
Católica deveria “baixar o porrete” e “entrar de pau” nos organizadores do
evento. O contexto deixava claríssimo que se referia a ações na Justiça. O
procurador, no entanto, decidiu acusar o religioso de incitamento à violência.
Era tal o ridículo da assertiva que a ação foi simplesmente extinta. Eis
Jefferson Aparecido Dias! Eu o imagino levando os recortes de jornal para as
tias: “Este sou eu…”
Jefferson é um homem destemido. Não tem receio de
demonstrar a sua brutal e profunda ignorância. É do tipo que diz bobagens de
peito aberto. Depois de gastar dinheiro dos contribuintes com a questão do
crucifixo e com a tentativa de ação contra Malafaia, ele agora se volta para as
notas do real. E justifica a sua ação com esta boçalidade intelectual:
“A manutenção da expressão ‘Deus seja louvado’ [...] configura uma predileção pelas religiões adoradoras de Deus como divindade suprema, fato que, sem dúvida, impede a coexistência em condições igualitárias de todas as religiões cultuadas em solo brasileiro (…). Imaginemos a cédula de real com as seguintes expressões: ‘Alá seja louvado’, ‘Buda seja louvado’, ‘Salve Oxóssi’, ‘Salve Lord Ganesha’, ‘Deus não existe’. Com certeza haveria agitação na sociedade brasileira em razão do constrangimento sofrido pelos cidadãos crentes em Deus”.
“A manutenção da expressão ‘Deus seja louvado’ [...] configura uma predileção pelas religiões adoradoras de Deus como divindade suprema, fato que, sem dúvida, impede a coexistência em condições igualitárias de todas as religiões cultuadas em solo brasileiro (…). Imaginemos a cédula de real com as seguintes expressões: ‘Alá seja louvado’, ‘Buda seja louvado’, ‘Salve Oxóssi’, ‘Salve Lord Ganesha’, ‘Deus não existe’. Com certeza haveria agitação na sociedade brasileira em razão do constrangimento sofrido pelos cidadãos crentes em Deus”.
Como se nota, trata-se de uma ignorância cultivada
com esmero, com dedicação, com afeto até. Jefferson é do tipo que ama as
tolices que diz, o que é demonstrado pelo recurso da enumeração. Trata-se,
assim, para ficar no clima destes dias, de uma espécie de continuidade delitiva
do argumento.
Vamos ver.
O procurador é o tipo de temperamento que gosta de
propor remédios para males que não existem, o que é próprio de certas
mentalidades autoritárias. Em que a expressão “Deus seja louvado” impede “a
coexistência em condições igualitárias” de todas as religiões? Cadê os
confrontos? Onde estão os enfrentamentos? Apontem-me as situações em que as
demais religiões, em razão dessa expressão, passaram por um processo de
intimidação. Em tempo: Alá é Deus, doutor! Vá estudar!
Não sei que idade tem este senhor, mas sei, com certeza,
que ele se formou na era em que o “princípio da igualdade” tem de se sobrepor a
qualquer outro, mesmo ao princípio da realidade e da verdade. Ora, “Deus” —
sim, o cristão! — tem, para as esmagadora maioria dos brasileiros, uma
importância cultural, moral, ética e religiosa que aqueles outros símbolos
religiosos não têm. Todos os brasileiros são iguais no direito de expressar a
sua fé — e isso está assegurado pelo Inciso VI do Artigo 5º da Constituição, a
saber:
“VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”
“VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”
Ocorre, doutor Jefferson, que a mesma Constituição
que garante essa liberdade — e que assegura a liberdade de expressão, aquela
que o senhor tentou cassar do pastor Malafaia — também tem o seguinte
preâmbulo:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”
Como é que o doutor Jefferson tem o topete de
evocar uma Constituição promulgada “sob a proteção de Deus” para banir das
notas do real a expressão “Deus seja louvado”, sustentando que ela “impede a
coexistência em condições igualitárias de todas as religiões”? Doutor
Jefferson é macho o bastante (em sentido figurado, claro, como o emprega o
povo) para dar início a um movimento para cassar Deus da Constituição? Ou,
acovardado, ele se limita a perseguir crucifixos em repartições públicas e a
expressão genérica da fé em cédulas de dinheiro?
A Constituição que tem “Deus” em seu preâmbulo persegue
ou protege os crentes em Oxóssi?
A Constituição que tem “Deus” em seu preâmbulo persegue ou protege os crentes em Lord Ganesha?
A Constituição que tem “Deus” em seu preâmbulo persegue ou protege os ateus?
A Constituição que tem “Deus” em seu preâmbulo persegue ou protege os crentes em Lord Ganesha?
A Constituição que tem “Deus” em seu preâmbulo persegue ou protege os ateus?
O nome disso é intolerância. Esse mesmo procurador
já tentou processar um outro pastor evangélicoque atacou o ateísmo — ainda que
o tenha feito em termos impróprios. Já me ocupei de doutor Jefferson neste blog
algumas vezes no passado. Quase invariavelmente, ele comparece
ao noticiário tratando de questões dessa natureza, o que, fica evidente,
caracteriza uma militância. O que me pergunto é se este senhor, ele sim!, por
ser eventualmente ateu (e é um direito seu), não tenta usar uma posição de
autoridade que conquistou no estado brasileiro para impor a sua convicção.
Maiorias, minorais e respeito
Nas democracias, prevalece a vontade da maioria na escolha dos mandatários e, frequentemente, no conteúdo das leis. Elas também se fazem presentes nos costumes e nos valores. Mas o regime só será democrático se os direitos das minorias forem garantidos. Haver na cédula do real a expressão “Deus seja louvado” significa, sim, que este é um país em que a esmagadora maioria acredita em Deus, mas não caracteriza, de modo nenhum, supressão dos direitos daqueles que não acreditam em Deus nenhum, que acreditam em vários deuses ou que simplesmente acham a religião uma perda de tempo. Em sociedade, a afirmação positiva de um valor não implica, necessariamente, a cassação da expressão de quem pensa de modo diferente.
Ora, seria mesmo um despropósito, meu senhor, que
houvesse, no Brasil, com a história e com o povo que tem, algo como “Lord
Ganescha seja louvado” ou “Oxóssi seja louvado” pela simples e óbvia razão de
que essas, quando considerada a sociedade brasileira no seu conjunto, são
crenças de exceção, que traduzem escolhas e convicções da minoria do povo. O
Brasil é uma nação de maioria cristã, o que o doutor não conseguirá mudar. O
que se exige é que essa nação resguarde os direitos de quem quer cultuar outras
divindades e deuses ou deus nenhum. E isso está garantido pela Constituição
Brasileira, promulgada “sob a proteção de Deus”.
Finalmente, o argumento de que o estado é laico —
e, felizmente, é mesmo! — não deve servir de pretexto para que se persigam as
religiões. Um estado laico não significa um estado ateu, que estivesse
empenhado em combater as religiões. A sua laicidade é afirmativa, não negativa;
ela assegura a livre expressão da religiosidade, em vez de reprimir a todos
igualmente. Entendeu a diferença, doutor?
Sei que a questão parece menor, quase irrelevante.
Mas não é, não! Essa é apenas uma das vezes em que supostos iluministas,
falando em nome da razão, tentam impor uma espécie de censura da neutralidade
ao conjunto da sociedade. Pretendem que escolhas com viés ideológico sejam
apenas as alheias, a de seus adversários. Promovem permanentemente uma espécie
de guerra cultural contra os valores da maioria para poder acusá-la de
autoritária.
Como sabemos, a cada vez que os ingleses cantam
“God save our gracious Queen” e se ouve o eco lá naquele “novo continente” —
“And this be our motto: ‘In God is our trust’” —, o que se tem é a voz da
ditadura cristã dominando o mundo, não é mesmo?
Deveria haver um limite para o ridículo, mas não
há! Parece que o que falta ao procurador é serviço!
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 30-11-2012
Imagem: Folha de São Paulo
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