Márvio dos Anjos
Em sua posse na Presidência do
Supremo Tribunal Federal do Brasil, a mais alta corte do Brasil, o juiz Joaquim
Barbosa, negro de pele, pontuou na última quinta que a Justiça é indissociável
da cultura.
Inegável. O conceito de
Justiça muda conforme os avanços da sociedade, da ciência e dos desejos de uma
coletividade. À época dos descobrimentos, por exemplo, a Igreja Católica
autorizava a escravidão dos negros pelos colonizadores ibéricos. O Iluminismo,
a relativização do papel da Igreja e a constante secularização da sociedade nos
levaram à conclusão de que toda condição de escravo era um dos máximos
fracassos da civilização – que nós brasileiros mantivemos por 66 anos, ainda
que já independentes de Portugal.
Com dificuldade, o Brasil
tenta se tornar uma sociedade mais justa, mas ainda falta educação. Pesquisa
encomendada à consultoria britânica EIU nos pôs em penúltimo lugar numa lista
de 40 países por qualidade de educação. Atrás de nós, somente a Indonésia. Esse
índice é puxado para baixo pelas escolas públicas, que mal conseguem
alfabetizar nossas crianças.
Por outro lado, temos 1.240
escolas para essa formação, contra 1.100 do resto do mundo inteiro, segundo
dados do Conselho Nacional de Justiça. Esse emaranhando, fruto de anos e anos
de exigência de diploma de Direito para funcionalismo público, não nos fez um
país mais justo, nem cidadãos mais conscientes do que podemos e devemos fazer,
nem nossa Justiça mais rápida. Apenas enriqueceu empresários do setor de
diplomas.
Levamos assim 124 anos desde a
abolição dos escravos até vermos um negro chegar ao mais alto posto da Justiça
brasileira. Um homem de 58 anos, filho de um pedreiro, que estudou a duras
penas e conseguiu, por méritos próprios, formar-se em Direito e doutorar-se em
Paris.
É fácil santificá-lo, e isso é
fruto de um olhar condescendente com o elemento negro, assim como é fácil
usá-lo para reforçar que o Brasil é uma democracia racial resolvida, o que
tampouco somos. Joaquim é no máximo um sintoma de que o Brasil não proíbe o
negro de chegar aos seus sonhos. O juiz teve acesso aos livros e às
instituições e as aproveitou bem. Ao louvar a cultura, e não as cadeiras da
escola de Direito, disse-nos um óbvio que tanto relutamos em praticar: não há
Justiça onde há ignorância.
Título e Texto: Márvio dos
Anjos, Destak,
28-11-2012
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