sábado, 24 de novembro de 2012

Como (não) impingir cartões de crédito

Isabel Stilwell
Estava sentada ao meu lado no banco da plataforma do comboio. Não tinha mais de 20 e picos anos e uma cara sorridente e bem-disposta. O seu telemóvel tocou e percebi pela conversa que era um daqueles inacreditáveis telefonemas de um banco, com um pobre rapaz a tentar vender um cartão de crédito.
A rapariga, com uma gargalhada, disse-lhe que se enganara com certeza no número, porque não tinha dinheiro para mandar cantar um cego (a expressão saiu de rompante e não é, decididamente, politicamente correcta, mas adiante).
 Do outro lado a voz insistia, e perguntava pela ocupação profissional da rapariga. Ela disse-lhe que dava aulas de música, e que as coisas não corriam lá muito bem. O senhor voltou à carga, com dados certamente de uma ficha bancária visivelmente desactualizada: «E então o marido?»
A rapariga encolheu os ombros, e disse-lhe que estava desempregado. Perante o silêncio que se fez do outro lado, olhou-me com aqueles olhares que são quase uma piscadela de olho, e deixou cair a bomba «e tenho dois filhos». O pobre rapaz multiplicou-se em pedidos de desculpa, mas desinteressou-se no mesmo segundo. Desejou-lhe boa sorte, muitos sucessos, lamentou o estado do País, e desligou.
A rapariga voltou-se para mim, a rir abertamente. «Por acaso é tudo verdade, mas mesmo quando um dia não for, já descobri a fórmula de acabar com estes telefonemas num instante.» Fiquei com a certeza absoluta de que o humor é a única coisa que pode salvar a nossa sanidade mental.
De regresso ao Destak, mergulhei na Pordata, que não me canso de admirar, e pesquisei “crédito particular”. Em 2003, a banca concedeu 23 052 milhões de euros para a habitação, consumo e outros fins, em 2011 o total foi só de 11 mil milhões, 5 mil milhões para habitação e 6 mil milhões para o resto. Entre estas duas datas, houve um pico em 2007, com 30 mil milhões de crédito.
De facto já houve tempo em que estes telefonemas acabavam de outra maneira.
Título e Texto: Isabel Stilwell, Destak, 24-11-2012

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