“Mas o
antiamericanismo pode levar o seu virtuosismo ao ponto de recorrer à total
ausência de provas. Essa proeza foi recentemente conseguida em França, em março
de 2002, com um livro da autoria de um tal Thierry Meyssan, L’Effroyable Imposture, ao qual já aludi
brevemente. Segundo Meyssan, nenhum avião colidiu contra o Pentágono. Não
passou de um golpe de propaganda e de desinformação montado pelos serviços
secretos americanos e pelo ‘complexo militar industrial’ para justificar
perante uma população transtornada uma futura intervenção militar no
Afeganistão e no Iraque. Qualquer pessoa é livre para elaborar uma teoria
divertida e sem sustentação, como, por exemplo, que a derrota francesa de Junho
de 1940 não passou de uma invenção da direita para facultar ao marechal Pétain
um pretexto para impor a mudança do regime. Mas a coisa torna-se inquietante
quando centenas de milhar de pessoas acreditam nessas patranhas, mesmo quando
as provas materiais do contrário estão ao alcance dos olhos. Foi o que
aconteceu na França com as elucubrações do senhor Meyssan. Não somente os
nossos media audiovisuais se transformaram complacentemente em caixas de
ressonância das suas manias, como o livro foi um estrondoso e imediato sucesso
de vendas. Esta corrida ao absurdo diz muito sobre a capacidade intelectual do
‘povo mais inteligente do mundo’”
“Percebe-se então o papel fundamental do
antiamericanismo no centro deste dispositivo. A Europa, em geral, e a esquerda,
em particular, absolvem-se das suas próprias faltas de natureza moral e dos
seus erros intelectuais grotescos lançando-os sobre o bode expiatório de grande
envergadura que é a América. Para que os disparates e o sangue desapareçam da
Europa, é preciso que os Estados Unidos, ao arrepio de todos os ensinamentos da
verdadeira história, surjam como o único perigo que ameaça a democracia. Mesmo
nos tempos da Guerra Fria, a União Soviética e a China podiam à vontade anexar
a Europa Central ou o Tibete, atacar a Coreia do Sul, subjugar os três países
da Indochina, reduzir à condição de satélites diversos países africanos ou
ainda invadir o Afeganistão, que para os Europeus, desde a Suécia à Sicília, e
de Atenas a Paris, o único ‘imperialismo’ que existia era o americano.
![]() |
Tudo mentira: invenção da CIA |
Por motivos que em parte são diferentes dos da
esquerda, a direita europeia também sustenta esta culpabilidade da América. Em
abril de 2002, o hebdomadário britânico conservador The Spectator, num artigo de autoria de Andrew Alexander,
editorialista do igualmente conservador jornal diário Daily Mail, afirma doutoralmente que a Guerra Fria não passou de
uma… maquinação americana. Nunca houve, contrariamente ao que pensaram ver e
viver algumas testemunhas ingénuas, entre as quais me incluo, qualquer anexação
de facto por parte de Moscovo da maior parte da Europa Central e dos Balcãs,
tal como não houve nenhum golpe de Praga nem bloqueio de Berlim em 1948, nem
greves insurrecionais em Itália e em França, sinais das sinistras ambições
estalinistas, como também não houve Guerra da Coreia nem guerra civil na
Grécia. Mas como podemos ser tão crédulos!
Para grande consternação de Estaline,
completamente desprovido de qualquer sentimento de agressividade, todos estes
acontecimentos foram fomentados às escondidas pela América, que assim criava um
pretexto para dominar o planeta. De acordo com a mesma lógica, a Guerra dos Cem
Anos foi toda fabricada por Joana d’Arc, desejosa de fazer papel de vedeta numa
pseudo-resistência contra os Ingleses que, por seu lado, demonstravam a mais
pacífica das atitudes. E a invasão da Rússia pelo exército de Napoleão de
Napoleão não passou de uma atoarda espalhada pelo czar Alexandre I. Ao afirmar
ter rechaçado essa invasão, o czar justificou antecipadamente a ocupação de
Paris pelo seu exército.
E o general De Gaulle, não instilou
maquiavelicamente no espírito dos Franceses que tinham sido ocupados pelo
exército alemão em 1940 a fim de encontrar nessa catástrofe imaginária um
excelente trampolim que o guindasse ao poder em 1944? Nos casos que acabo de
citar, esta ação de reescrever a história ao contrário pareceria de uma
comicidade delirante. Em contrapartida, quando se trata dos Estados Unidos não
só recebe consideração como assume foros de possibilidade. Em Le Monde de 25 de abril de 2002, Patrice
de Beer, comentando a elucubração de Andrew Alexander, acha que ‘a sua
argumentação parece convincente’. Não esqueçamos que, bem pelo contrário, a do Livro negro do comunismo não o era!”
Título e Texto: Jean-François Revel, in “A obsessão antiamericana”
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