quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A obsessão antiamericana (VI)

Jean-François Revel
“Mas o antiamericanismo pode levar o seu virtuosismo ao ponto de recorrer à total ausência de provas. Essa proeza foi recentemente conseguida em França, em março de 2002, com um livro da autoria de um tal Thierry Meyssan, L’Effroyable Imposture, ao qual já aludi brevemente. Segundo Meyssan, nenhum avião colidiu contra o Pentágono. Não passou de um golpe de propaganda e de desinformação montado pelos serviços secretos americanos e pelo ‘complexo militar industrial’ para justificar perante uma população transtornada uma futura intervenção militar no Afeganistão e no Iraque. Qualquer pessoa é livre para elaborar uma teoria divertida e sem sustentação, como, por exemplo, que a derrota francesa de Junho de 1940 não passou de uma invenção da direita para facultar ao marechal Pétain um pretexto para impor a mudança do regime. Mas a coisa torna-se inquietante quando centenas de milhar de pessoas acreditam nessas patranhas, mesmo quando as provas materiais do contrário estão ao alcance dos olhos. Foi o que aconteceu na França com as elucubrações do senhor Meyssan. Não somente os nossos media audiovisuais se transformaram complacentemente em caixas de ressonância das suas manias, como o livro foi um estrondoso e imediato sucesso de vendas. Esta corrida ao absurdo diz muito sobre a capacidade intelectual do ‘povo mais inteligente do mundo’”


Tudo mentira: invenção da CIA
“Percebe-se então o papel fundamental do antiamericanismo no centro deste dispositivo. A Europa, em geral, e a esquerda, em particular, absolvem-se das suas próprias faltas de natureza moral e dos seus erros intelectuais grotescos lançando-os sobre o bode expiatório de grande envergadura que é a América. Para que os disparates e o sangue desapareçam da Europa, é preciso que os Estados Unidos, ao arrepio de todos os ensinamentos da verdadeira história, surjam como o único perigo que ameaça a democracia. Mesmo nos tempos da Guerra Fria, a União Soviética e a China podiam à vontade anexar a Europa Central ou o Tibete, atacar a Coreia do Sul, subjugar os três países da Indochina, reduzir à condição de satélites diversos países africanos ou ainda invadir o Afeganistão, que para os Europeus, desde a Suécia à Sicília, e de Atenas a Paris, o único ‘imperialismo’ que existia era o americano.

Por motivos que em parte são diferentes dos da esquerda, a direita europeia também sustenta esta culpabilidade da América. Em abril de 2002, o hebdomadário britânico conservador The Spectator, num artigo de autoria de Andrew Alexander, editorialista do igualmente conservador jornal diário Daily Mail, afirma doutoralmente que a Guerra Fria não passou de uma… maquinação americana. Nunca houve, contrariamente ao que pensaram ver e viver algumas testemunhas ingénuas, entre as quais me incluo, qualquer anexação de facto por parte de Moscovo da maior parte da Europa Central e dos Balcãs, tal como não houve nenhum golpe de Praga nem bloqueio de Berlim em 1948, nem greves insurrecionais em Itália e em França, sinais das sinistras ambições estalinistas, como também não houve Guerra da Coreia nem guerra civil na Grécia. Mas como podemos ser tão crédulos!

Para grande consternação de Estaline, completamente desprovido de qualquer sentimento de agressividade, todos estes acontecimentos foram fomentados às escondidas pela América, que assim criava um pretexto para dominar o planeta. De acordo com a mesma lógica, a Guerra dos Cem Anos foi toda fabricada por Joana d’Arc, desejosa de fazer papel de vedeta numa pseudo-resistência contra os Ingleses que, por seu lado, demonstravam a mais pacífica das atitudes. E a invasão da Rússia pelo exército de Napoleão de Napoleão não passou de uma atoarda espalhada pelo czar Alexandre I. Ao afirmar ter rechaçado essa invasão, o czar justificou antecipadamente a ocupação de Paris pelo seu exército.

E o general De Gaulle, não instilou maquiavelicamente no espírito dos Franceses que tinham sido ocupados pelo exército alemão em 1940 a fim de encontrar nessa catástrofe imaginária um excelente trampolim que o guindasse ao poder em 1944? Nos casos que acabo de citar, esta ação de reescrever a história ao contrário pareceria de uma comicidade delirante. Em contrapartida, quando se trata dos Estados Unidos não só recebe consideração como assume foros de possibilidade. Em Le Monde de 25 de abril de 2002, Patrice de Beer, comentando a elucubração de Andrew Alexander, acha que ‘a sua argumentação parece convincente’. Não esqueçamos que, bem pelo contrário, a do Livro negro do comunismo não o era!”

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