segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Crônica de Shangri-La: Le pays du Carnaval

José Manuel
Ninguém consegue, exatamente, provar que o general Charles de Gaulle tenha dito aquilo que todo o mundo sabe, mas, mesmo assim, os fatos tidos como não sérios, são extremamente repetitivos aqui no eterno país do carnaval.

Nada de novo ou moderno se observa no cotidiano dos cidadãos desde épocas remotas, e a tendência é que, infelizmente, pela experiência que temos nesse assunto, continuará assim até ao final dos tempos.

Por exemplo, um dos maiores prêmios que obtivemos na sétima arte foi, sem dúvida, o filme Orfeu Negro, ou Orfeu do Carnaval, em 1959, uma produção ítalo-franco-brasileira sob a direção do cineasta francês Marcel Camus, e baseado na peça teatral Orfeu da Conceição, de Vinicius de Moraes.

De lá para cá, sobre a história filmada em Pindorama, os fatos continuam a ser mais atuais do que nunca, pelas notícias policiais a que temos acesso diariamente, e a imensa e intensa produção de factóides.

Apesar do enredo da história ser baseado na mitologia grega, a simbiose e a verossimilhança com o que se passa no país são espantosos.

No país do eterno carnaval, agora já em tempos modernos, nossa atenção passa a se voltar para a enorme quantidade de famiglias que opera no país, desde o esgoto do tráfico de armas e entorpecentes, ao mais sofisticado, dentro da administração de empresas gigantes e representativas como a Petrobras, não sendo a única no entanto, pois ainda muitas notícias, segundo parece, ainda teremos sobre as ramificações em outras empresas de peso na administração pública.

O fato sui generis de que ações da Petrobras, em queda assustadora no mercado de capitais, tenham tido uma alta repentina, não por uma postura altamente produtiva e competente por parte dessa empresa, mas pelo simples fato de uma notícia sobre a possível demissão de uma diretoria inoperante e culpada pelos fracassos que se apresentavam, é compreensível até certo ponto, mas não deixa de ser simplesmente assustador e nos mostra fragilidade e a que ponto chegamos.

Não é um fato nem tampouco um escândalo novo, pois o mensalão está aí para comprovar de que é apenas a continuação de fatos corriqueiros em que os Capi são sempre os mesmos e o modus operandi está estabelecido como sendo atitudes absolutamente normais para os operadores do crime institucional com o dinheiro público.

Isto absolutamente não é novo, pois assim como o filme Orfeu retrata a miserabilidade de uma época, nas décadas de setenta e oitenta, corretoras e operadoras de câmbio pertencentes a grandes grupos jornalísticos e com informações privilegiadas, pela proximidade com os governos à época, ganhavam rios de dinheiro com informações impressas e diárias sobre uma pretensa volatilidade do câmbio, o que levava os poupadores devido a inflação galopante, a tentarem proteger os seus ativos através da compra de dólares, com sofreguidão no mercado negro, portanto em suas corretoras.

Isto é história, e só não se lembra quem não quer, para não trazer à tona as nossas vergonhas passadas que se repetem com outros matizes e outros atores, sendo os cenários, corrupção e bandalha sempre os mesmos.

Escrever sobre a administração pública e suas mazelas, ou suas atitudes irresponsáveis, sempre com um fundo, tendencioso, intencional de ganhar dinheiro escamoteado e lastreado em leis, é muito fácil pois tudo está aí escancarado, mas que via de regra acaba dando errado para seus operadores. Elementar!

Porém, até que o errado se faça presente, este hiato já provocou o enriquecimento ilícito de setores envolvidos no processo, sendo uma estratégia consolidada no cenário nacional.


Quem não se lembra, por exemplo, dos “kits de primeiros socorros para automóveis”? O kit bobagem como foi chamado em 1999, foi produzido pela soma da incompetência do Conselho Nacional de trânsito, Contran, encarregado de regulamentar o Código de Trânsito Brasileiro, e do receio dos especialistas que definiram seu conteúdo de serem acusados de favorecer o lobby dos fabricantes.
Portanto, entre a determinação do uso com multas inclusive, ao seu cancelamento, o referido lobby teve as suas contas bancárias abarrotadas.

Novamente o fator Orfeu se repete agora em duas frentes. Primeiro, na obrigatoriedade biométrica em eleições, transporte público e bancos.

A inconsistência de tais atos, com a terceira idade passando por constrangimentos enormes no transporte de massa, fez com que o Ministério Público se manifestasse e o sistema foi prontamente abolido. Quanto será, que empresas inidôneas ganharam na colocação obrigatória desse sistema nos ônibus das cidades?

E o que dizer do ocorrido durante as eleições, com mais constrangimento aos idosos, nas filas intermináveis e o que poderá vir a ocorrer com esse sistema nos bancos? Só o tempo dirá, mas as contas dos envolvidos estão mais gordas do que nunca.

No momento, a  pièce de résistence das aberrações politico-administrativas é o caso vergonhoso dos extintores de automóveis, deixando os cidadãos à deriva e à sanha de agentes públicos inescrupulosos.

Vejamos:
No crepúsculo de 2014, o Denatran informou que o prazo para a troca dos novos extintores, pelo governo estabelecidos, era até ao dia 1º de janeiro de 2015. Sabia-se já de antemão que as indústrias não estavam preparadas para fornecer em tão pouco tempo esse material, pois as montadoras requisitam um enorme percentual desse equipamento e o resultado é que o ministro das Cidades em um momento apaga incêndio ao constatar a impossibilidade do fornecimento, resolve adiar o prazo para mais 90 dias.

Claro que os de sempre e amigos do alheio deram um jeito de desaparecer com os estoques que existiam, para vendê-los no câmbio paralelo por até duas vezes o preço original.

A situação, como sempre e já conhecida, é a cilada de que o cidadão se estiver com o seu vencido, não encontra para comprar o novo modelo e para não ser molestado tem que se submeter a pagar o que os amigos do alheio com patrocínio governamental cobrem o que quiserem.

Então ficamos assim: com o extintor vencido, sem poder comprar um modelo antigo, pois não mais existe e sem encontrar um novo, fica-se sujeito a todo o tipo de constrangimento, multa e cinco pontos na carteira de habilitação. Maravilha!

E mais uma vez Orfeu do Carnaval se repete, com Eurídice vindo do sertão para a favela, apaixona-se por Orfeu que é noivo, mas tem um bandido que quer matá-la e sempre a persegui-la pelas vielas da favela. Se alojar nos braços de Orfeu, ou fugir de quem quer matá-la?

O dilema continua, agora com um simples extintor, e tudo se passa no país do carnaval, em que mais uma vez contas bancárias de poucos ficam recheadas,e o cidadão (Eurídice) fica sem saber o que fazer.

E já que escrevi sobre as famiglias acima, o tráfico cobra 15 Reais de cada morador, para ter água clandestina e por eles controlada, nas favelas do Rio de Janeiro.

A escolha de Orfeu também é realmente penosa, pois ou fica com a noiva ciumenta, corre para Eurídice que ama ou se comunga com o tráfico na taxa infame, ao som dos tamborins e reco-recos de um carnaval que tudo esconde, inclusive a vida.
A miserabilidade continua, tal qual em 1959. 
Título e Texto: José Manuel, acompanhando o desenrolar dos tempos, 9-2-2015

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