José Manuel
A voz do povo é a voz de Deus,
Vox populi, vox Dei
Pois é, o Zé Ramalho quando
lançou a sua música Admirável gado novo em 1979, mesmo
já fazendo parte da história sofrida deste povo de Pindorama, foi o
primeiro artista que tão bem esclareceu de vez e também profetizou o nosso
futuro, através do seu alerta musical.
" Vocês que
fazem parte dessa massa,
Que
passa nos projetos do futuro,
É duro tanto ter que caminhar,
E dar muito mais que receber,
E ter que demonstrar sua coragem
À margem do que possa parecer
E ver que toda essa engrenagem
Já sente a ferrugem lhe comer
Êh,oô, vida de gado
Povo marcado
Êh, povo feliz ! "
Vinte e seis anos, separam esta
música, do dia em que nesta semana e para fazer um exame médico, tive que me
deslocar de Niterói, que eu não sabia que era o paraíso, até ao bairro da
Tijuca, no Rio.
Meia hora em um ônibus lotado,
para percorrer cinco quadras a um preço de R$ 3,30, enfrentar uma estação
hidroviária lotada e obsoleta, mais uma viagem em uma barca sem ar-refrigerado
a um custo de R$ 5,00. Depois, já na cidade maravilhosa, andar durante vinte
minutos sob um sol de 40°, deparar-me com uma estação de metrô escura, mal
sinalizada, chão imundo, vagão pior com data de inauguração em 1979, junto com
a música, e aspecto de decadência, mas com um preço de R$ 3,50. Total do
inferno de ida, R$ 11,80.
Como um dia teria que voltar à
casa, e talvez só faça isso a cada vinte anos fiz tudo de novo, o passeio me
custou R$ 23,60, e fiquei imaginando se estivesse trabalhando, isso me custaria
ao mês, uma média de R$ 520,00, com serviços e temperaturas sub-saarianos. Foi
aí que a música do Zé Ramalho, "vida de gado" me
veio à cabeça.
" O povo foge da ignorância
Apesar de viver tão perto dela
Contemplam esta vida
numa cela
Esperam
nova possibilidade
De verem esse mundo se acabar
A arca de Noé, o
dirigível
Não voam, nem se pode flutuar
Êh,oô, vida de gado
Povo marcado
Êh,
povo feliz ! "
Dois ônibus abarrotados e
quentes, duas barcas com estações, cais há mais de 50 anos sem obras, duas
viagens sufocantes na travessia da baía, com todos se abanando como podiam,
mais dois trens lotados e visivelmente sujos, tudo por apenas quase um salário
mínimo mensal, mas não ouvi um pio de insatisfação, um sequer arremedo de
revolta, uma reclamação.
Acho que todos estavam
cansados da semana anterior, porque felicidade e alegria aqui pelos trópicos,
tem nome e chama-se carnaval.
Mas, nos anos dourados da
nossa música popular e, sete anos antes, em 1972, o maestro Tom Jobim, lançava
uma música mais profética ainda, e com uma mensagem extraordinária.
" É pau, é pedra, é o
fim do caminho
É o resto de
toco, é um pouco sozinho
É um
caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
É peroba do campo, o nó da madeira
Caingá candeia, é o Matita-Pereira "
"A obra de arte popular constitui um tipo de linguagem por meio da
qual o homem do povo expressa sua luta pela sobrevivência. Cada
objeto é um momento de vida. Ele manifesta o testemunho de algum conhecimento,
a denúncia de alguma injustiça "
Wikipédia
" É madeira de vento, tombo de ribanceira
É o mistério
profundo, é o queira ou não queira
É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de
março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é
a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de
atiradeira "
Janeiro já acabou, fevereiro e
o carnaval que a todos amoleceu, está indo embora, a vida de gado continua como
sempre, e aliás é bom lembrar que se esse mesmo gado soubesse da sua força, o
mundo talvez fosse vegetariano.
E agora mais uma vez março com
as suas águas turbulentas que tudo lavam e sempre nos trazendo surpresas, está
chegando devagarinho e prometendo...
Título e Texto: José Manuel, 27-2-2015
Nota: a descritiva nas
crônicas por mim publicadas é o resultado de pesquisa em notícias veiculadas em
mídia nacional idônea, apenas compondo um pensamento lastreado em liberdade de
expressão e ancorado no Artigo 5 inciso IX, da constituição Federal
de 1988.
Muito bom, José Manuel.
ResponderExcluirA Arte musical que retrata o momento atual é o funk e toda a expressão corporal que o acompanha. Vamos ver daqui a 26 anos, o que vai florescer do que estamos plantando.
Obrigada
Abs
Circe Aguiar