sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Crônica de Shangri-La: a cultura popular e a música

José Manuel

A voz do povo é a voz de Deus,
Vox populi, vox Dei

Pois é, o Zé Ramalho quando lançou a sua música Admirável gado novo em 1979, mesmo já fazendo parte da história  sofrida deste povo de Pindorama, foi o primeiro artista que tão bem esclareceu de vez e também profetizou o nosso futuro, através do seu alerta musical.


 " Vocês que fazem parte dessa massa,
     Que passa nos projetos do futuro,
       É duro tanto ter que caminhar,
         E dar muito mais que receber,
          E ter que demonstrar sua coragem
            À margem do que possa parecer
              E ver que toda essa engrenagem
               Já sente a ferrugem lhe comer
                 Êh,oô, vida de gado
                   Povo marcado
                     Êh, povo feliz ! "

Vinte e seis anos, separam esta música, do dia em que nesta semana e para fazer um exame médico, tive que me deslocar de Niterói, que eu não sabia que era o paraíso, até  ao bairro da Tijuca, no Rio.

Meia hora em um ônibus lotado, para percorrer cinco quadras a um preço de R$ 3,30, enfrentar uma estação hidroviária lotada e obsoleta, mais uma viagem em uma barca sem ar-refrigerado a um custo de R$ 5,00. Depois, já na cidade maravilhosa, andar durante vinte minutos sob um sol de 40°, deparar-me com uma estação de metrô escura, mal sinalizada, chão imundo, vagão pior com data de inauguração em 1979, junto com a música, e aspecto de decadência, mas com um preço de R$ 3,50. Total do inferno de ida, R$ 11,80.

Como um dia teria que voltar à casa, e talvez só faça isso a cada vinte anos fiz tudo de novo, o passeio me custou R$ 23,60, e fiquei imaginando se estivesse trabalhando, isso me custaria ao mês, uma média de R$ 520,00, com serviços e temperaturas sub-saarianos. Foi aí que a música do Zé Ramalho,  "vida de gado" me veio à cabeça.

                                      " O povo foge da ignorância
                                Apesar de viver tão perto dela
                       Contemplam esta vida numa cela
                            Esperam nova possibilidade
                 De verem esse mundo se acabar
                          A arca de Noé, o dirigível
              Não voam, nem se pode flutuar
                             Êh,oô, vida de gado
                                  Povo marcado
                             Êh, povo feliz ! "

Dois ônibus abarrotados e quentes, duas barcas com estações, cais há mais de 50 anos sem obras, duas viagens sufocantes na travessia da baía, com todos se abanando como podiam, mais dois trens lotados e visivelmente sujos, tudo por apenas quase um salário mínimo mensal, mas não ouvi um pio de insatisfação, um sequer arremedo de revolta, uma reclamação.

Acho que todos estavam cansados da semana anterior, porque felicidade e alegria aqui pelos trópicos, tem nome e chama-se carnaval.

Mas, nos anos dourados da nossa música popular e, sete anos antes, em 1972, o maestro Tom Jobim, lançava uma música mais profética ainda, e com uma mensagem  extraordinária.

" É pau, é pedra, é o fim do caminho
    É o resto de toco, é um pouco sozinho
      É um caco de vidro, é a vida, é o sol
        É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
          É peroba do campo, o nó da madeira
            Caingá candeia, é o Matita-Pereira "

"A obra de arte popular constitui um tipo de linguagem por meio da qual o homem do povo expressa  sua luta pela sobrevivência. Cada objeto é um momento de vida. Ele manifesta o testemunho de algum conhecimento, a denúncia de alguma injustiça "
Wikipédia

              "  É madeira de vento, tombo de ribanceira
     É o mistério profundo, é o queira ou não queira
                 É o vento ventando, é o fim da ladeira
                 É a viga, é o vão, festa da cumeeira
        É a chuva chovendo, é conversa ribeira
   Das águas de março, é o fim da canseira
  É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira "

Janeiro já acabou, fevereiro e o carnaval que a todos amoleceu, está indo embora, a vida de gado continua como sempre, e aliás é bom lembrar que se esse mesmo gado soubesse da sua força, o mundo talvez fosse vegetariano. 

E agora mais uma vez março com as suas águas turbulentas que tudo lavam e sempre nos trazendo surpresas, está chegando devagarinho e prometendo...
Título e Texto: José Manuel, 27-2-2015

Nota: a descritiva nas crônicas por mim publicadas é o resultado de pesquisa em notícias veiculadas em mídia nacional idônea, apenas compondo um pensamento lastreado em liberdade de expressão e ancorado no Artigo 5 inciso IX, da constituição Federal de 1988.


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Um comentário:

  1. Muito bom, José Manuel.
    A Arte musical que retrata o momento atual é o funk e toda a expressão corporal que o acompanha. Vamos ver daqui a 26 anos, o que vai florescer do que estamos plantando.
    Obrigada
    Abs
    Circe Aguiar

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