LR
Nos últimos dias, logo após a
divulgação pelo INE dos números do comércio externo de bens relativos a
2014, a nossa imprensa foi debitando um chorrilho de barbaridades, numa mescla
de ignorância alarve com o habitual primarismo anti-germânico.
O roubo do crescimento foi a “cereja no bolo” numa variedade de artigos e
“análises”, todos imputando à Alemanha a responsabilidade
(exclusiva?) pelo agravamento do défice de mercadorias. Que me
recorde, ninguém atribuiu o mínimo efeito ao tão desejado, incensado e
salvífico aumento da procura interna. Desde que a Alemanha apareça
como “parte activa” do negócio, não há vilania que não se lhe impute. Então se for
“ganhadora”, é certo e sabido que estamos perante um crime de lesa-humanidade.
Não pretendo incutir em
mentalidades mercantilistas que o comércio internacional é um jogo de soma
positiva e que os seus ganhos não se medem pela natureza do saldo. Questões de
fé são sempre inexpugnáveis perante as evidências mais cristalinas. Mas
conviria ter alguma noção da relatividade quando se lançam tiradas imbecis como
a dos ganhos da Alemanha com o Euro ou até com a “imensidão” do que
exporta para Portugal.
Há muito de ficcional quando
se afirma que o comércio externo alemão vive da zona Euro. Na
realidade, as exportações alemãs têm uma enorme diversificação por países
e a “Zona Euro” tem vindo a perder peso na respectiva estrutura, como é visível
no gráfico acima. Em 2014 representou apenas 36,5% do total das exportações,
uma queda de mais de 6 pontos percentuais nos últimos 5 anos. E perde quer para
outros países da UE, quer sobretudo para o resto do mundo, que vê o seu peso
subir de 37% em 2010 para 42% em 2014. Mas se a Alemanha exporta cada vez menos
para a Zona Euro, importa dela cada vez mais, mantendo-se aquela Zona como o
seu principal fornecedor, com um peso do ordem dos 45%, que se vem mantendo
estável ao longo dos anos.
Daqui decorre que o saldo
comercial com a Zona Euro, que nunca foi significativo, tem-se vindo a esbater,
estando actualmente as trocas praticamente equilibradas. Aliás, o colossal
excedente comercial germânico provém fundamentalmente do resto do mundo (74%) e
dos outros países da UE (25%), para o que contribui em grande medida o Reino
Unido. Ou seja, saldo equilibrado com a Eurozona e um enorme “roubo de
crescimento” ao resto do mundo, que inclui toda a panóplia de “exploradores
asiáticos” para quem os “direitos sociais” são letra morta. E ainda há quem diabolize
o excedente alemão…
Outra imbecilidade muito
recorrente é que a Alemanha tem singrado na vida à nossa custa e de outros
periféricos. Não fosse a catadupa de Mercedes e BMWs que nos “obrigam” a
comprar-lhes e bem teriam de amargar com as agruras de um défice. Este é um dos
exemplos típicos de inumeracia que por aí grassa e a que nem sequer a imprensa
dita económica é imune.
Há efectivamente uma grande
incapacidade de olhar para as grandezas em termos relativos. A Alemanha
exportou em 2014 1,1 trilião de euros (visto na lógica americana, ou seja, 1,1
milhão de milhões), quase 7 vezes o PIB português. Daquele valor mastodôntico,
destinaram-se a Portugal 7,2 bi, cerca de 0,6% do total. Pretender-se que isto
é relevante para as exportações alemãs, é de um ridículo atroz. Na hipótese de
fecharmos o nosso mercado a produtos alemães – e desgraçados dos nossos
industriais, que deixariam de usufruir de equipamentos topo de gama –
estaríamos perante a mordida de uma formiga num elefante. Qualquer pequeno forcing comercial
nos mercados americano ou chinês mais do que compensaria aquela perda. Mas se
os alemães quisessem retaliar, amputar-nos-iam de quase 12% das nossas
exportações que, nas suas importações, pesam os mesmos míseros 0,6%.
E de realçar que, nem só dos
automóveis vivem as exportações alemãs. Emparceirando com eles, estão máquinas
e equipamentos, um must em qualquer indústria deste mundo que
se pretenda competitiva. E, mais abaixo, produtos químicos e farmacêuticos,
produtos de óptica e electrónicos, equipamento eléctrico e até bens
alimentares, todos com a garantia de qualidade e robustez conferido pelo made
in Germany.
O nosso saldo de mercadorias
com a Alemanha de facto degradou-se em 2014. E teve a ver com acréscimo de
importação de automóveis – mas aqui a “culpa” é do TC, a quem cabe em exclusivo
o mérito da retoma da procura interna, certo? – e com alguma retoma do investimento
(extra construção) que se vem verificando desde o 2º trimestre de 2013. Quando
adicionarmos os serviços (valores ainda não conhecidos), a nossa balança
comercial com a Alemanha andará perto do equilíbrio. Recorde-se que, em
2012 e 2013, registámos excedentes na ordem dos 270 milhões cada ano.
E se olharmos para outro
periférico, a “minúscula” Irlanda, esta apresentou em 2014 um excedente
comercial com o gigante de 1,6 bi, facto que vem sendo recorrente ao longo dos
últimos anos.
Em suma, é um erro
considerarmos o excedente alemão como um malefício para os restantes países.
Mais de metade provém do comércio com grandes economias (Estados Unidos,
França e Reino Unido, por esta ordem) e muito do que adquire aos pequenos
países representa inputs a incorporar nas suas
exportações para os grandes mercados. Ou seja, uma degradação do seu excedente
comercial, como muitos defendem, não virá em benefício dos países da
periferia, bem pelo contrário. Mas mentes formatadas pelo preconceito são impenetráveis
a esta lógica.
Título e Texto: LR, Blasfémias,
16-2-2015
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