Maria João Marques
Nunca vou conseguir pagar a
dívida que tenho para com a esquerda nacional à conta da diversão que me
proporcionou com tanta paixão pelo Syriza. Bastou não andar arredada da
blogosfera e do twitter
Agradeçamos aos deuses do
Olimpo a maioria dos opinadores asseverar-nos que António Costa tem um
admirável faro político. Porque a categoria denominada ‘cidadão comum’ só
consegue vislumbrar apostas erradas. E não digo erradas por discordar delas
(discordo), mas porque têm o refrescante efeito de, segundo as sondagens, repelirem
eleitores.
Do pedido de eleições
antecipadas e as glosas enternecidas à governação socrática já escrevi aqui. Mas a
visão estratégica eleitoral de Costa tem mais para oferecer e afiança-nos desde
já da sua capacidade de nos entreter.
Fez-nos saber, por exemplo,
que o PS se entusiasma com a perspetiva de uma coligação com o PCP. Foi quando
Costa rejeitou explicitamente o tradicional arco de governação. Notícia com que
qualquer democrata rejubila. Mas no PS amante de unicórnios este enlevo
marxista foi bem visto.
Paulo Pedroso justificou-o no
seu blog no texto ‘Sobre o óbito do arco de governação’: é que o PCP já não é
um partido antieuropeísta. Ufa, que alívio. Ficamos a saber que a linha
vermelha do PS é a embirração europeia. Tudo o resto no PCP é um apelativo
quadro impressionista. Que o PCP não conviva com conceitos basilares como o
direito à propriedade privada (dos outros) é indiferente, afinal não tem andado
a esbracejar muito contra o Parlamento Europeu. E só pessoas picuinhas como a
autora deste texto podem objetar ao PCP aludindo às ternuras com que mimoseia
regimes que não são amigáveis para a democracia e os direitos humanos. Assim de
repente ocorrem-me Cuba e a Coreia do Norte. Mas o que interessam os devaneios
do PCP por ditaduras se já não pretende dar uma tampa na EU para correr para os
braços de aço do bloco soviético?
Mais aterradora é a posição do
conselheiro político de confiança de Costa, Porfírio Silva. Entusiasta da
abolição do arco da governação, vai mais longe e quer apropriar para o PS
algumas das bandeiras do PCP. No texto ‘As unidades da esquerda’, de 4 de
Outubro de 2014, explica. Por exemplo: uma ‘pergunta cada vez mais atual’ a que
o PS deve responder, usando ‘instrumentos que estavam um tanto esquecidos’
(mais sobre este ‘esquecidos’ no parágrafo seguinte), é ‘que nacionalizações
para este tempo’.
Não vale a pena magoarem a
córnea de tanto esfregarem os olhos. Leram bem. O mais próximo conselheiro de
Costa – escolhido, presumo, porque Costa vê mérito nas peculiares ideias do
senhor – aconselha-o a averiguar o que há por aí no país para nacionalizar.
Separo as sílabas: na-cio-na-li-zar. Não sei o que é mais trágico (e cómico):
se Porfírio Silva achar que há que nacionalizar, se nem entender que o
mecanismo ‘nacionalização’ não estava nada esquecido – simplesmente foi
recusado e repudiado eleição após eleição pelos votantes (claramente uns
rústicos que não sabem responder decentemente às perguntas cada vez mais atuais)
que se recusaram a dar expressão eleitoral de monta aos partidos amigos de
nacionalizar.
Urge, diria eu com o meu mau
feitio, questionar o presidente da câmara de Lisboa em part-time sobre a
concordância com o seu dileto conselheiro político. Acha que Portugal necessita
de um programa de nacionalizações? Se sim, quais? Quer Costa, qual Maduro,
nacionalizar supermercados? Ou satisfaz-se com as produtoras de laticínios?
Bom, se o caro leitor já está
a pensar em que país vai por o dinheiro se António-nacionalizações-I-love-PCP-Costa
tiver possibilidade de ganhar as próximas legislativas, espere um pouco mais,
que estamos quase a chegar ao Syriza.
(Façamos uma breve pausa para
todos os socialistas suspirarem de emoção.)
Nunca vou conseguir pagar a
dívida que tenho para com a esquerda nacional à conta da diversão que me
proporcionou com tanta paixão pelo Syriza. Para quem anda arredado de
blogosfera e twitter, é imaginarem a euforia dos católicos mais conservadores
se acaso aí aparecesse Nossa Senhora pairando sobre uma nuvem, com corpo e
feições iguais às de Jennifer Lawrence mas, em vez da cobra, com um manto azul
abundante para terem uma ideia do chuveiro de emotividade que gerou a vitória
do Syriza por cá.
Claro que António Costa se
colou à vitória do Syriza e de seguida (naquilo que é o percurso costista
habitual) denunciou a ‘involução’ (que não é, atente-se, uma regressão; é uma
prima de ‘inverdade’; contudo que ninguém ouse dizer que Costa usa rodriguinhos
na linguagem). Mas a colagem foi feita e, dado que, hélas, condicionamento
psicológico ao estilo de Aldous Huxley ainda não está ao alcance do PS, ninguém
se esquecerá.
Tenho a certeza que inúmeras
intenções de voto terão sido vertidas sobre o PS – sobretudo as do centro –
depois de se ter congratulado com a vitória do BE grego. Se o PS diz que é
irrelevante e que as políticas do BE é que estão certas, porque irão os
eleitores teimar em dar relevância ao PS? E para os instantes não assim tão
curtos em que Costa se colou ao Syriza (o tal que ameaça não pagar aos
credores) os eleitores certamente aderem ao faz de conta que Costa, na mais
clara defesa dos interesses nacionais desde pelo menos as invasões
napoleónicas, não aplaudiu a intenção da Grécia fazer um calote de 550€ a cada
português.
Costa tem visão estratégica.
Sobretudo de como enxotar eleitores.
Título e Texto: Maria João Marques, Observador, 11-2-2015
Título e Texto: Maria João Marques, Observador, 11-2-2015
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