segunda-feira, 6 de abril de 2015

Afinal, Portugal existe mesmo

Lucy Pepper
Há muitos portugueses a fazer coisas importantes, aqui e lá fora. Nos negócios, na ciência, nas artes. Será que têm de viver até aos 106 anos para merecerem uma menção na imprensa internacional?

Não é frequente Portugal ser notado no resto do mundo, a não ser como aquele país que actualmente tem um pouco menos de problemas financeiros do que a Grécia. É verdade que aparecem agora uns artigos nas secções de viagens dos jornais a proclamar as novas virtudes de uma “fashionable” Lisboa, mas quase nenhuma palavra sobre qualquer outra coisa portuguesa.

As vezes, ajudo uma amiga que guia turistas em Lisboa, quando lhe acontece ter um grupo demasiado grande, não vá ela perder um turista pelo caminho. Tento sempre explicar um bocadinho de história, enquanto passamos pela Câmara Municipal, pelo Terreiro do Paço, ou pelo Largo do Carmo. E sim, preocupo-me em acertar nas datas.

Mencionei um dia que um rei tinha sido assassinado no Terreiro do Paço. “Uau! Isso foi recente?”. Noutro dia, no Largo do Carmo, falei da revolução de 1974. “Vocês tiveram uma revolução? Espantoso!”. Aponto para a Margem Sul. Pergunta: “Além já é outro país?”.

Ontem, perguntei a umas turistas (como disclaimer, disse-lhes que ia escrever esta crónica, e elas concordaram em ser questionadas rigorosamente): “Sabem quem é o primeiro ministro de Portugal?”. “Não fazemos a mínima ideia. A única coisa portuguesa que conhecemos é o Cristiano Ronaldo, e nem gostamos de futebol”.

É estranho, no entanto, que quase todos tenham ouvido falar do terramoto de 1755. A história deve constar do primeiro parágrafo do guia que desfolham no avião, mas muitos saem do mesmo avião vestidos de calções e sandálias em Janeiro, e ficam espantados quando descobrem que não falamos espanhol.



Claro que nada disto é uma surpresa, porque quase ninguém lá fora sabe muita coisa de Portugal, como já aqui disse várias vezes. Para ser justa, a maior parte de nós também não sabe quase nada sobre outros países igualmente pequenos. O que sabemos, digamos, da Dinamarca, da Estónia, ou da República Checa? De qualquer modo, irrita-me esta falta de conhecimento. Portugal não está escondido, não está esmagado no mapa entre outros países maiores. É o nariz proeminente da Europa, dirigido para o mar, e foi Portugal quem cheirou muito do resto do mundo. As pessoas bem que podiam lembrar-se pelo menos disto.

Foi por isso uma agradável surpresa que, na semana passada, Portugal tivesse sido referido na imprensa estrangeira. A morte de Manoel de Oliveira foi anunciada na BBC, no Guardian, no Telegraph, no New York Times, e o mundo lembrou-se de que Portugal, sim, tem pessoas que superam a mediania. E foi uma surpresa ainda maior que, no mesmo dia, José Silva Lopes tivesse sido homenageado por Paul Krugman no New York Times.

Dois homens morreram e Portugal foi notícia. Parece estranho. Não creio que muitas pessoas, além de alguns adeptos extremos de cinema, conhecessem Manoel de Oliveira, e ainda menos que soubessem da existência de Silva Lopes, mas ambos figuraram na imprensa internacional. Acho bem. É bom Portugal ser conhecido por ter seres humanos que fizeram coisas interessantes, e que eram amados e admirados pelas pessoas da sua terra. É bom que isso seja notícia.

Mas onde está o reconhecimento dos outros seres humanos portugueses e das outras coisas portuguesas (sem ser o pastel de nata)? Há muitos portugueses a fazer muitas coisas importantes, aqui e lá fora. Nos negócios, na ciência, nas artes. Alguém fala deles? Não. Será que têm de viver até aos 106 anos para merecerem uma menção? Provavelmente.

E como é empobrecedor para Portugal e para o resto do mundo que a única notícia “boa” de Portugal lá fora seja, normalmente, Cristiano Ronaldo, aparentemente o único português vivo de que o resto do mundo ouviu falar, mesmo se não gosta de futebol.

Bem, pelo menos sempre terei muitas coisas para contar às pessoas sobre Portugal. As coisas que eles não sabem, ou seja, tudo. 
Título, Ilustração e Texto: Lucy Pepper, Observador, 5-4-2015

Um comentário:

  1. Duas coisas a comentar:
    Primeiro, o desconhecimento abissal sobre tudo que não lhes diz respeito, na grande maioria dos seres humanos, que desemboca em estupidez como não saber qual a língua que se fala no país que se está visitando.
    Segundo a clarividência de se não souber qual o idioma para onde viaja, pesquise naquele aparelhinho que vive colado nas suas mãos ou na sua cabeça. Ele não serve só para falar mal do seu amigo ou para bater papos desconexos.
    O resto, é estupidez, boçalidade ou qualquer outro adjetivo que prefiram.
    José manuel

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