sexta-feira, 28 de outubro de 2016

É difícil ser de direita em Portugal

João Miguel Tavares

Em Portugal, a esquerda é o homem e a direita é a mulher. Na teoria, têm os mesmos direitos. Na prática, não têm.

Tenho de dar razão à esquerda: a direita anda a choramingar há mais de um ano, a anunciar diabos que não vêm, e com muita dificuldade em aceitar aquilo que se está a passar. Gastamos o nosso tempo a apontar diferenças de tratamento, a lamentar que aquilo que em 2015 eram cortes selvagens em 2016 se tenham transformado em indispensáveis cativações, e que trocar tributação directa (progressiva) por tributação indirecta (regressiva) seja a nova definição de uma política de esquerda. Andamos cabisbaixos. Tristes. Jururus. Tudo isso é verdade. Mas se a esquerda vir bem, aquilo que a direita reclama é por um direito que a esquerda até costuma apreciar: a igualdade de oportunidades. Lamentavelmente, a igualdade de oportunidades não existe na política portuguesa. Em Portugal, a esquerda é o homem e a direita é a mulher. Na teoria, têm os mesmos direitos. Na prática, não têm. Um tem de limpar a casa muito mais vezes do que o outro.

Dou-vos um exemplo concreto desse tratamento diferenciado. Há dois dias, a Fenprof respondeu a um artigo meu sobre o desaparecimento de Mário Nogueira e a nova postura do sindicato, que desde que este governo tomou posse trocou a oposição nas ruas pela oposição no site. Embora Mário Nogueira, até para justificar o emprego, não possa abdicar totalmente de um pó-de-arroz sindical e de um eyeliner reivindicativo, a verdade é que o novo Mário Nogueira é o antigo Mário Nogueira sob o efeito do Xanax que lhe é diariamente prescrito pelo PCP enquanto suportar o governo. A Fenprof nem disfarça. Fala de uma direita “assustada e desorientada”, que se afunda nas sondagens e já não consegue enganar os portugueses, para depois concluir: “Não, a Fenprof não muda ao sabor dos governos e só há um interesse que serve: o dos professores que representa!” Esta conclusão faz lembrar a famosa frase de Henry Ford sobre o Ford modelo T: “O cliente pode ter o carro da cor que quiser, desde que seja preto.” Os professores também podem ter a Fenprof que quiserem, desde que seja comunista e desconsidere qualquer governo de direita. Um professor do CDS está tramado: chegou demasiado tarde ao mercado sindical, que vive em situação de quase monopólio. Ou se junta a Mário Nogueira e sus muchachos, ou a sua voz nunca será ouvida.

O meu problema, claro está, não é com a Fenprof, mas com a fenprofização do país, dada o número crescente de portugueses dependentes do Estado. Enquanto as vacas foram gordas, a alternância democrática foi sendo assegurada, e o país, mais mal do que bem, foi sendo empurrado para a frente – sempre contra a vontade do PCP e da CGTP, sublinhe-se. Mas em tempos de vacas magras, temo que a esquerda portuguesa e as instituições que a apoiam – como os sindicatos –, às quais o regime foi oficiosamente entregue no pós-25 de Abril em troca da democracia e da paz, tenham reconquistado um poder que já não tinham desde 1975. E o poder é este: a esquerda ou consegue governar, ou consegue impedir que a direita governe, seja através de uma enorme contestação social, seja através da cultura de esquerda que varre a Constituição. Daí a desigualdade de oportunidades. É verdade que a esquerda não pode repor mais “direitos” porque a Europa não deixa. Mas a direita não pode impor mais reformas porque a cultura de esquerda não permite. A esquerda tem um problema com o fora; a direita tem um problema com o dentro. Não admira que andemos enfastiados. É muito difícil ser de direita neste país. 
Título e Texto: João Miguel Tavares, Público, 28-10-2016

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