terça-feira, 25 de outubro de 2016

Marcela e Marcela

Paula Rosiska
A articulista da Folha viu na prostituta Marcela de Machado de Assis um exemplo melhor às novas gerações do que o dado pela primeira-dama.



“No Brasil, fazer sucesso no Brasil é ofensa pessoal” disse o Maestro Tom Jobim. Não poderia ser mais atual, especialmente se entendermos a beleza como sucesso. E isso explica os comentários cheios de ódio, deboche e desprezo cada vez que Marcela Temer aparece em público.

Li o rançoso artigo da Folha, “A República das Marcelas, o reino das princesas e o sonho das meninas“, no qual a autora afirma: “A primeira-dama reza por breviário mais simples e bem conhecido. Trafega em zona ultrassegura, nada precisa prover ou provar. Tem as contas pagas, as falas prontas, a vida decidida. Nem o nome do filho careceu escolher: no menino se reproduziu o senhor seu pai”. Como se esse fosse um exemplo de vida triste, na gaiola. Como se a mulher que é obrigada a pegar 4 ônibus por dia e trabalhar até doente para não deixar o filho, que ela sustenta sozinha, morrer de fome fosse muito mais livre do que a primeira-dama.

Ao compará-la à Marcela de Brás Cubas, a colunista faz o que outros tantos petistas/feministas/progressistas têm feito: chama-a de prostituta. “Mais perigosa que sua xará ficcional, a Marcela de verdade encarna um ideal: o da princesa”, segue . Devo presumir que se ela encarnasse o ideal de viver num cafofo, trocando sexo pelo sustento, seria melhor exemplo às meninas.

Em uma busca rápida no Twitter, encontram-se dezenas de mensagens parecidas.

Claro que a Escola de Princesas, empreendimento cuja franquia paulistana será aberta por Silvia Abravanel, não deixaria de ser mencionada como a realização do devaneio de uma mulher rica. O slogan da escola é “o sonho de toda menina é tornar-se uma princesa”. Angela Alonso rebate dizendo que “o sonho de toda menina devia ser se tornar o que quiser”, não percebendo que ela própria está determinando o que deveria ser o sonho de toda menina e criticando as que queiram ser princesa ou primeira-dama.

As mulheres da minha geração brincavam de Barbie e queriam ser uma. Não exatamente pelo padrão estético da boneca, mas porque a casa e os acessórios dela eram rosa. Eu sou formada na USP, trabalho em duas escolas, adoro dirigir, já fui guiando até a Argentina, sei trocar pneu, viajo e saio sozinha, mas se houvesse carros cor-de-rosa à venda, eu certamente compraria um. Ninguém se torna submissa, presa numa gaiola de ouro cercada de frivolidades por também sonhar com um mundo de corações, flores e vestidos de princesa na infância.

Ainda tentando entender como ser corajosa como a Mulan, empreendedora como a Tiane, inteligente como a Bela pode ser nocivo para as meninas.

Em suma, o artigo da Folha reforça o conceito progressista de ódio ao casamento e desprezo pela “princesa”. Exceto se o casamento for entre homossexuais, pois esse é celebrado como a coisa mais bela da modernidade. É a oficialização do amor verdadeiro. As meninas também não devem ser incentivadas a gostar de rosa e se vestirem como personagens Disney. Isso deveria estar no passado. No entanto, fossem meninOs realizando o sonho de ser princesa, haveria aplausos e comoção.

Vamos falar sobre essa coisa moderna, libertadora e empoderadíssima que é vestir o filho de princesa?
A autora só se esquece de mencionar algo sobre o destino da Marcela, a prostituta do livro, que ela vê como superior à nossa primeira-dama: a mulher termina na miséria, largada, com aparência desgrenhada, como balconista num comércio decadente. Acaba triste, abandonada e infeliz. O realismo de Machado de Assis jamais poderia ser usado como exemplo de sonho progressista.
Título, Imagens e Texto: Paula Rosiska, Senso Incomum, 24-10-2016

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