José Manuel Fernandes
Enquanto António Costa vai gerindo o dia
seguinte, nós andamos por aqui como sonâmbulos, sem destino nem fito,
entretidos com o dia-a-dia, iludidos com a aparente doçura da ausência de
conflitualidade
Para onde vamos? Para onde nos
levam? Que destino nos espera?
Um ano de António Costa e
ninguém sabe responder. Toda a política do Governo é justificada com um só
objectivo: “repor rendimentos”. Todas as medidas que toma caem numa só
categoria: taxas e taxinhas para pagar essa política.
Há um ano falavam-nos de
crescimento, agora só nos falam de défice. Há um ano garantiam que iam salvar a
economia promovendo o consumo, agora garantem que vão salvá-la apostando nas
exportações.
Têm sempre na boca a urgência
da “diminuição das desigualdades” mas vão deixar de pedir a solidariedade aos
pensionistas que recebem mais de 7.000 euros ao mesmo tempo que não aumentam
dezenas de milhares de recebem menos de 275 euros.
No seu Congresso sobem à
tribuna para dizer que são socialistas, não europeístas, mas no Orçamento
obedecem à Europa, não às promessas que fizeram (e às leis que eles mesmo
aprovaram há um ano).
Uma semana aplaudem uma tirada
anti-capitalista, na semana seguinte ouvem o líder dizer que aquela não é a sua linguagem,
mais uns dias passados e espantam-se quando quase nem acreditam que o ministro
das relações com a geringonça disse que “não existe isso de “capitalismo”, nem existe isso de
“socialismo”.
Teria graça se não fosse
trágico. Gostássemos ou não das duas políticas, era habitual sabermos para onde
os governos de Portugal nos queriam levar. Até em Sócrates houve, durante algum
tempo, uma aparente coerência nos desígnios. Agora isso não sucede, e nada melhor
o ilustra do que este Orçamento.
Mudou a estratégia económica?
Não faz mal, como já não fizera mal ter elaborado um minucioso plano de
relançamento da economia – a chama “Agenda para a década” – e depois tê-lo
deitado todo borda fora para assinar o compromisso com bloquistas e comunistas.
Em 2015, ano em que a economia cresceu 1,6%, proclamava-se que era necessário
“romper com a resignação perante o empobrecimento”. Agora que se prevê que a
economia cresça ainda menos em 2016 e 2017 justifica-se tudo com a “conjuntura
económica internacional”, o eterno bode expiatório dos socialistas.
O essencial não é desenhar uma
política coerente e apontar um rumo para o país — o essencial é ter sempre um
discurso afinadinho que permita justificar os fracassos e as reviravoltas. É só
isso que, de resto, se consegue espremer das muitas entrevistas que
primeiro-ministro e vários ministros deram nas últimas semanas.
O essencial é também manter o
barco à tona de água, o que se faz atirando para o futuro os problemas e esperando
que o medo do regresso ao poder do PSD e do CDS contenham as ambições de um
Bloco de Esquerda que já anunciou que vai aprovar um orçamento que não é de
esquerda e acalmem um PCP cujos sindicalistas estão estranhamente silenciosos
mesmo quando é evidente a degradação dos sacrossantos “serviços públicos”.
É por isso que, mais do que
sinalizar uma “mudança de estratégia económica”, o Orçamento de 2017 prossiga
na mesma estratégia política que já vinha de 2016: navegar à vista, ir
calafetando os buracos, atirar com os problemas lá mais para a frente, no fundo
aguentar-se no poder sem um rumo nem um desígnio que não esse mesmo, o de
permanecer no poder até ao momento tido como mais conveniente para tentar a
sorte em novas eleições.
Em 2016 a forma como o Governo
programou as devoluções de salários aos funcionários públicos (os que ganhavam
acima de 1500 euros, é bom recordar) permitiu que o custo no OE deste ano fosse
mais reduzido do que será no OE de 2017. O mesmo sucedeu com as 35 horas e os
custos inerentes. Ou com a iníqua redução do IVA na restauração, que só
produziu efeitos na segunda metade do ano. Todos estes custos (e quebras de
receita) serão agora transportados para 2017, ano em que se repete a mesma
estratégia. O caso mais evidente é o aumento das pensões, que só terá efeito a
partir de Agosto. Ou a redução gradual das retenções na fonte da sobretaxa de
IRS, que ajuda a receita fiscal no início do ano e penaliza no final. Mas de
novo todos os custos inerentes serão transportados para 2018, ano em que o
“monstro” será ainda um pouco maior.
Entretanto, apesar destes
estratagemas, como se foi aguentando o barco? Em 2016, realizando cativações
que estão a deixar os serviços públicos à beira da ruptura, cortando no
investimento como nunca antes se vira e tendo ainda de recorrer a um “perdão
fiscal” para ter uma ajuda no final do ano. Mesmo assim eu, que sou céptico por
natureza, só acreditarei nos números finais depois de os ver, pois quem está
habituado a olhar para execução orçamental está tão céptico como eu sobre o
objectivo dos 2,5%.
Em 2017 já conhecemos dois
destes estratagemas: para levar a Bruxelas os números que Bruxelas quer, o
Governo já orçamentou uma receita extraordinária (os 450 milhões da garantia do
BPP, que dependem dos tribunais…) e outra quase extraordinária (o saque de 450
milhões de lucros do Banco de Portugal, mais do que triplicando a sua
contribuição para o Orçamento).
É fácil perceber as
consequências. Por um lado, rapa-se o fundo ao tacho, indo buscar receitas
especiais; por outro, coloca-se mais peso sobre a mesa do Orçamento, levando
para 2018 ainda mais encargos e tornando o futuro equilíbrio orçamental ainda
mais difícil.
E é assim que vamos, com o
país deixando-se ir ora porque está narcotizado – ajuda muito não ter os sindicatos
da CGTP a denunciarem todos os dias que há dificuldades nos hospitais e faltas
graves nas escolas –, ora porque a desistência de fazer a mais mínima das
reformas permite que ninguém se sinta incomodado e venha para a rua protestar,
ora sobretudo porque esse mesmo país nada faz – e sobretudo nada investe –
quando sente que a incerteza é grande e o rumo ziguezagueante.
Não são só pessoas como eu,
que sempre critiquei esta solução governativa, que têm consciência que assim
vamos esbarrar numa parede daqui por uns tempos. Foi Paulo Trigo Pereira,
deputado independente do PS, aqui mesmo no Observador, que defendeu que “o
OE2016 e o OE2017 mostram que é possível fazer diferente (TIA, There Is
Alternative), mas que essa diferença não é sustentável a prazo se não houver
também uma TIA à escala europeia dentro de poucos anos”. Nunca gostei de
defender políticas cujo êxito não depende de nós, do que formos capazes de
fazer, mas sim de outros. Mas ainda gosto menos de o fazer com base em
quimeras: a Europa não vai ser mais solidária no futuro, pelo contrário; o euro
não vai ter regras mais flexíveis, pelo contrário, pois vamos continuar a
perder soberania orçamental; os países do Norte nunca pagarão as facturas dos
países do Sul, nem perdoarão as dívidas, nem transferirão recursos como sucede
num Estado federal, pois nunca a Europa será um Estado federal em dias da minha
vida (e ainda bem, pois nesse dia deixaríamos de viver em democracia).
É por tudo isto que sinto que
andamos por aqui como sonâmbulos, sem destino nem fito, entretidos com o
dia-a-dia e iludidos com a aparente doçura da ausência de conflitualidade.
Caminhamos para um abismo qualquer (juros a 4% e DBRS a cortar o rating?) ou então conformamo-nos com o
empobrecimento relativo e uma estagnação sem fim à vista nem esperança de
reversão.
António Costa vai gerindo o
dia seguinte. Nós vamo-nos afundando, mas ao menos já nem queremos saber. O que
é a pior de todas as condições.
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