Helena Matos
Andamos há meses a falar de uma
geringonça mas o que temos vivido é um instalanço. Costa é um comprador de paz
e tanto BE como PCP têm muita paz social para vender. Em troca aceitam aparelho
de Estado
1. Na televisão, Costa, declara que vivemos agora num clima de paz
social e de normalidade institucional. Ao ouvi-lo, a pergunta torna-se-me
óbvia: quando esta negociata terminar como vai ser governar Portugal? Ou por
outras palavras, quanto nos vão pedir pela paz?
Andamos há meses a falar de
uma geringonça mas o que temos vivido nos últimos meses nada tem de
desajeitado. Pelo contrário, somos protagonistas e financiadores, enquanto
contribuintes, de uma tenaz estratégia de sobrevivência entre políticos
profissionais – António Costa, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins – e uma
eficaz funcionária política, Heloísa Apolónia. Cada um deles não sabe fazer
outra coisa senão trabalhar na política. Cada um deles só pode crescer à custa
dos outros. No fim todos esperam roubar votos ao PS e o PS espera reduzi-los
senão a todos pelos menos ao PCP à condição de dispensável.
Sob a retórica do combate à
austeridade, os partidos socialistas caíram nas mãos dos radicais – os
Trabalhistas ingleses foram tomados por grupos extremistas. Já os socialistas
espanhóis tiveram de chamar a polícia para enfrentar os seus aliados do Podemos
e quejandos que, tendo-se coligado com eles no poder local, não lhes perdoavam
que a nível nacional viabilizassem um governo dos populares. Em França, o pós-Hollande
adivinha-se complicadíssimo para os socialistas (já agora, que estranho
fenómeno levará a que impere em Portugal um silêncio espesso e um manto de
invisibilidade total sobre as manifestações que os polícias, sim os polícias,
estão a realizar noite após noite naquele país?)
Por cá, Costa tenta conquistar
os radicais. Como? Aglutinando. Afinal a retórica atabalhoada de Costa não é um
problema de oratória e sobretudo não é um problema. É sim um reflexo da sua
forma de agir: acredita que pode aglutinar adversários tal como come sílabas.
Até quando o conseguirá fazer? Até que tenha algo para dar aos adversários.
António Costa é um comprador de paz e tanto o BE como o PCP têm muita paz para
vender. No fim ganham todos: o primeiro-ministro garante que vivemos em paz
enquanto o PCP e o BE vêem o seu poder e os seus proveitos a crescer. Todas as
semanas notícias várias dão conta deste instalanço: é a Autoridade para as
Condições do Trabalho que vai passar a poder cruzar os dados da administração
fiscal com os da Segurança Social. É a marcação cerrada à Comissão de
Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap) que teve o pecado
original de ser dirigida por um segurista. É o metro de Lisboa que nem bilhetes
consegue imprimir mas que repõe “direitos”…
Como que num reflexo
automático, artistas, activistas, vanguardas, indignados profissionais,
sindicalistas, corporações, bispos vermelhos e especialistas nos males do mundo
(capitalista, claro) calaram-se. Vasco Lourenço e Otelo também parecem ter
desistido de organizar aquele não sei quê que queriam fazer não sei onde nem se
sabe bem porquê.
A fome tornou-se desequilíbrio
alimentar. Não se nasce em ambulâncias, nem se fazem cordões humanos, nas
escolas não acontece nada, mesmo quando acontece muita coisa, os manifestantes
profissionais tiraram férias… Mas podem voltar a qualquer momento. Como
voltaram os taxistas, apesar dos 17 milhões prometidos para o sector.
O negócio da paz tem feito a
fortuna de Costa, que parece governar sem críticas e funciona como
conta-poupança para o BE e o PCP que por cada dia de paz deixam marcas nas leis
e no aparelho de Estado. Mas e depois? Como vai ser quando tudo isto acabar? O
preço da paz de Costa vai chegar então nos acordos de trabalho blindados nas
empresas públicas, nas leis anacrónicas, nos garantismos que ninguém poderá
pagar.
Pior que ter de ouvir Costa a
dizer-nos agora que vivemos num clima de paz social e de normalidade
institucional, como se não soubesse quão caro isso nos está a custar, vai ser
ver montar o arraial da indignação aos profissionais do costume, dizendo as
coisas do costume. Afinal a única coisa que muda neste filme são os impostos
que os parvos do costume têm de pagar para que não falte nada aos
compradores-vendedores de paz.
2. Alegando que ia proteger os inquilinos, o governo de Costa
rasgou o compromisso que definia o ano de 2017 como aquele a partir do qual o
Estado pagaria aos inquilinos idosos ou deficientes os aumentos das rendas que,
para os contratos anteriores a 1990, seriam descongeladas nesse ano.
Por outras palavras, a dita
protecção dos inquilinos foi conseguida transferindo mais uma vez o ónus da
questão para os senhorios que viram o descongelamento desses contratos ser
adiado para 2022.
Esta semana chegou mais uma
novidade: o PS vai apresentar uma proposta de alteração ao diploma do subsídio
de renda no sentido de permitir que este, sempre que estejam em causa os
contratos de rendas anteriores a 1990, passe a aplicar-se, não só a inquilinos
com carências financeiras, mas também aos senhorios pobres.
Face ao imbróglio suscitado
por esta proposta – por exemplo, os senhorios que não sejam considerados pobres
alguma vez poderão actualizar as rendas antigas? – o melhor será, na minha
opinião, o PS assumir de vez o seu o seu projecto de engenharia social através
do arrendamento. Como? Contratando uma empresa de mudanças de casa que ponha
cada inquilino na casa do senhorio certo.
Repare-se no seguinte: se os
inquilinos pobres habitarem casas de senhorios ricos ficam isentos de aumento
de renda pois, como se sabe, os senhorios ricos não podem aumentar as rendas
aos inquilinos pobres. Também há a possibilidade de afectar senhorios pobres a
inquilinos pobres pois, irmanados na pobreza, nem o senhorio pobre aumenta a
renda nem o inquilino pobre pede obras. Por fim sobram os inquilinos ricos que
obviamente só podem ter senhorios igualmente ricos mas sendo todos ricos não
faz sentido que se mexa nas rendas. Como se vê, é simples, no fim ninguém pode
aumentar ninguém e o Governo pode dizer que protege todos, ricos e pobres. E,
acreditem, em matéria de arrendamento ainda vamos ver outras bem mais parvas.
Título e Texto: Helena Matos, Observador,
26-10-2016
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