João Pereira Coutinho
O filósofo britânico
conservador Roger Scruton, que agora tem seus livros lançados no país,
contrapõe-se a algumas das linhas mestras do pensamento progressista pós-Maio
de 68. O pensador critica a "cultura do repúdio", que nega as bases
da modernidade, e o relativismo ocidental que tudo compreende e perdoa.
Roger Scruton fala sobre seu livro "Filosofia Verde" em 2012 |
Anos atrás, recebi o
telefonema de um amigo com uma pergunta inusitada: "Você vai assistir ao
Scruton?". Estranhei. Assistir? Scruton?
Ele explicou: Roger Scruton,
um dos mais importantes filósofos conservadores vivos, estava em Portugal para
uma palestra. A dita cuja seria na Universidade Nova de Lisboa, a dois passos
do meu apartamento. Faltavam dez minutos para o início.
Saí de casa, caminhei até a
universidade e encontrei uma sala pequena que me pareceu gigante: estavam seis
pessoas e o próprio Scruton. Sentei-me, o autor começou a sua dissertação
(sobre a "common law" inglesa, creio), e a estranheza instalou-se nos
meus neurônios: como explicar a desolação do cenário?
Se Scruton fosse um perigoso
revolucionário (ou reacionário) e se Portugal vivesse sob uma ditadura de
direita (ou de esquerda), a deserção seria compreensível. Mas clandestinidade
em democracia é uma contradição nos termos.
Acontece que Scruton é um
perigo, sim, por dois motivos fundamentais. Em primeiro lugar, porque o
pensador britânico é um brilhante escritor. As ciências humanas estão
colonizadas por criaturas pedantes e vácuas que fizeram da opacidade uma ilusão
de respeitabilidade.
Scruton, que se considera
herdeiro estilístico de T.S. Eliot, escreve com uma elegância a que a filosofia
acadêmica já não está habituada. Nesse quesito, convém recordar as palavras de
Nassim Nicholas Taleb sobre a condenação à morte de Sócrates em Atenas:
"Existe algo de terrivelmente desagradável, alienante e sobre-humano em
pensar com demasiada clareza".
Mas o verdadeiro perigo de Scruton
estava no fato paradoxal de ele ser um conservador que defende princípios quase
iluministas no meio do caos pós-iluminista. A afirmação pode soar herética para
quem vê iluminismo e conservadorismo como inimigos genéticos.
Um erro. Se descontarmos a
evidência de que muitos autores conservadores (Hume, Burke etc.) são
tributários do iluminismo britânico, é importante lembrar que o conservadorismo
é uma ideologia reativa (ou "situacional", como diria Samuel P.
Huntington) que defende valores ou princípios ameaçados em determinados
momentos históricos.
Para Scruton, esses valores ou
princípios se traduzem, hoje, na busca incessante da verdade (contra o
relativismo epistemológico que deixou um rastro de destruição nas
"humanidades") ou na defesa da natureza humana e de valores morais
objetivos, e não contingentes (contra o relativismo ético que tudo compreende e
tudo perdoa). No século 18, a "cultura de repúdio" (expressão do
autor) estava nos revolucionários que pretendiam destruir as tradições ou
instituições que fizeram a grandeza da Europa. No nosso tempo, a "cultura
de repúdio" está nos intelectuais que pretendem reverter o "adquirido
civilizacional" da própria modernidade.
(…)
Título, Imagem e Texto: João Pereira Coutinho, Folha de S. Paulo, 30-10-2016
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