João Miguel Tavares
Em Portugal, a esquerda é o homem e a
direita é a mulher. Na teoria, têm os mesmos direitos. Na prática, não têm.
Tenho de dar razão à esquerda:
a direita anda a choramingar há mais de um ano, a anunciar diabos que não vêm, e com muita
dificuldade em aceitar aquilo que se está a passar. Gastamos o nosso tempo a
apontar diferenças de tratamento, a lamentar que aquilo que em 2015 eram cortes
selvagens em 2016 se tenham transformado em indispensáveis cativações, e que
trocar tributação directa (progressiva) por tributação indirecta (regressiva)
seja a nova definição de uma política de esquerda. Andamos cabisbaixos.
Tristes. Jururus. Tudo isso é verdade. Mas se a esquerda vir bem, aquilo que a
direita reclama é por um direito que a esquerda até costuma apreciar: a
igualdade de oportunidades. Lamentavelmente, a igualdade de oportunidades não
existe na política portuguesa. Em Portugal, a esquerda é o homem e a direita é
a mulher. Na teoria, têm os mesmos direitos. Na prática, não têm. Um tem de
limpar a casa muito mais vezes do que o outro.
Dou-vos um exemplo concreto
desse tratamento diferenciado. Há dois dias, a Fenprof respondeu a um artigo meu
sobre o desaparecimento de Mário
Nogueira e a nova postura do sindicato, que desde que este governo tomou
posse trocou a oposição nas ruas pela oposição no site. Embora Mário
Nogueira, até para justificar o emprego, não possa abdicar totalmente de um
pó-de-arroz sindical e de um eyeliner reivindicativo, a
verdade é que o novo Mário Nogueira é o antigo Mário Nogueira sob o efeito
do Xanax que lhe é diariamente prescrito pelo PCP enquanto suportar o
governo. A Fenprof nem disfarça. Fala de uma direita “assustada e
desorientada”, que se afunda nas sondagens e já não consegue enganar os
portugueses, para depois concluir: “Não, a Fenprof não muda ao sabor dos
governos e só há um interesse que serve: o dos professores que representa!”
Esta conclusão faz lembrar a famosa frase de Henry Ford sobre o Ford modelo T:
“O cliente pode ter o carro da cor que quiser, desde que seja preto.” Os
professores também podem ter a Fenprof que quiserem, desde que seja comunista e
desconsidere qualquer governo de direita. Um professor do CDS está tramado:
chegou demasiado tarde ao mercado sindical, que vive em situação de quase
monopólio. Ou se junta a Mário Nogueira e sus muchachos, ou a sua
voz nunca será ouvida.
O meu problema, claro está,
não é com a Fenprof, mas com a fenprofização do país, dada o número crescente
de portugueses dependentes do Estado. Enquanto as vacas foram gordas, a
alternância democrática foi sendo assegurada, e o país, mais mal do que bem,
foi sendo empurrado para a frente – sempre contra a vontade do PCP e da CGTP,
sublinhe-se. Mas em tempos de vacas magras, temo que a esquerda portuguesa e as
instituições que a apoiam – como os sindicatos –, às quais o regime foi
oficiosamente entregue no pós-25 de Abril em troca da democracia e da paz, tenham
reconquistado um poder que já não tinham desde 1975. E o poder é este: a
esquerda ou consegue governar, ou consegue impedir que a direita governe, seja
através de uma enorme contestação social, seja através da cultura de esquerda
que varre a Constituição. Daí a desigualdade de oportunidades. É verdade que a
esquerda não pode repor mais “direitos” porque a Europa não deixa. Mas a
direita não pode impor mais reformas porque a cultura de esquerda não permite.
A esquerda tem um problema com o fora; a direita tem um problema com o dentro.
Não admira que andemos enfastiados. É muito difícil ser de direita neste país.
Título e Texto: João Miguel Tavares, Público,
28-10-2016
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