Gabriel Mithá Ribeiro
A carga moralista do marxismo não é
dissociável das suas imensas responsabilidades na perversão do pensamento ao
ter confundido o inconfundível: coletivismo com altruísmo e individualismo com
egoísmo
Os povos são o que pensam.
Quanto mais se avançou na contemporaneidade, tanto mais o pensamento coletivo
dos mais variados povos ficou dependente das correntes intelectuais dominantes.
Antes da hegemonia do
progressismo esquerdista, o pensamento europeu ocidental viveu um ciclo marcado
por uma tradição magistralmente expressa nas ‘Causas da decadência dos povos
peninsulares’ de Antero de Quental (1871), tendência posteriormente tipificada
com maior rigor em inícios do século XX. Através do conceito de regressão,
devemos a Freud a possibilidade interpretativa de considerar que indivíduos e
sociedades podem não caminhar necessária e permanentemente rumo a estádios de
maior perfeição.
Ao remeter para o interior de
indivíduos e povos as responsabilidades pelos seus destinos, a herança
intelectual e cultural gerada no século XIX, discutível como quaisquer outras,
teve o mérito de contribuir para um dos períodos mais férteis da vida
intelectual europeia.
Em rutura com a tradição
referida e, de certa forma, contra todo o passado histórico o revolucionário
século XX legou-nos o domínio avassalador do marxismo cultural. Este não apenas
introduziu a sobrevalorização da dimensão material das existências como
pré-condição do progresso coletivo, como impôs ideais de avanço contínuo da
humanidade orientados por um rumo predeterminado. Por réstias de pudor fingimos
hoje ignorar que, na origem, o ponto de chegada idealizado em tal futurologia
era inequívoco: a tão mística quanto trágica sociedade comunista.
De forma manifesta ou latente,
consciente ou inconsciente, o tempo torna evidente que tal normatividade
idealizada por Karl Marx permanece subjacente, enquanto meta-ideal, na
generalidade do espectro político das esquerdas. Não admira, por isso, que as
fusões entre socialistas, sociais-democratas (europeus), comunistas,
trotskistas ou maoistas possam funcionar.
O balanço que pode ser feito
do materialismo histórico e dialético permite inferir que se despejássemos para
cima de diversos povos quantias estratosféricas de recursos financeiros (por
via dos lucros do petróleo ou de outras matérias-primas ou, noutra versão, por
via de empréstimos e dívidas públicas), seria muitíssimo mais exceção do que
regra a rutura desses povos com os atrasos comparativos endémicos em que sobrevivem.
Isso porque os verdadeiros
desafios que enfrentamos não residem na dimensão material, antes em bloqueios
culturais filiados nas ancestralidades de diversos povos que se manifestam, na
atualidade, em determinadas tendências de pensamentos e práticas quotidianos.
Por muito que seja proibitivo afirmar o óbvio, sintoma da demência
civilizacional que hoje nos domina, nos domínios cultural e identitário os
europeus não se confundem com os africanos, árabes, asiáticos, americanos e
vice-versa.
Foi a partir do momento em que
o marxismo cultural tomou de assalto sistemas de ensino progressivamente
massificados, do universitário ao básico, que se expandiu como nunca uma das
mais preocupantes pandemias civilizacionais. Por isso, combater tal fonte de
perversão do pensamento social é sinónimo de combater a pobreza e atraso
relativo dos povos.
Começo por um sintoma menor,
mas significativo. Vai sendo tempo de nos preocuparmos com as confusões
culturais semeadas nas salas de aula entre monarquia=ditadura ‘versus’
república=democracia. A realidade sempre desmentiu tais evidências conceptuais
instigadas pelo marxismo-leninismo. O rol de republicanos de renome do século
XX com relações avessas com a liberdade e com a democracia não deixa dúvidas:
Estaline, Hitler, Mao Tsé-Tung, Fidel Castro, Kim Il-sung, Robert Mugabe, Hugo
Chavez. Entre tantos outros.
Tal fraude intelectual
continua a ser ativamente propagada, entre outras fontes, por um excerto de um
texto que mantém valor didático nos manuais escolares há muitas e muitas
décadas: o ‘Manifesto da III Internacional Comunista’ de 1919. Trata-se de uma
das fontes históricas cujas teses foram transformadas em intemporais evidências
científicas, arte exímia dos marxistas culturais.
O sintoma referido não seria
significativo se fosse um caso isolado. Mas não. Faz parte de uma bola de neve
que tem gerado em parte significativa dos membros das sociedades atuais
retardados intelectuais letrados, entre eles licenciados, mestres e doutores.
Ao nível do pensamento social, o legado do século XX conta-se entre os mais
pestilentos de sempre.
É por terem capitulado às mãos
dos marxistas culturais que os sistemas de ensino se tornaram diretamente
responsáveis pelo sucesso eleitoral do ódio aos ricos, zénite que garantirá a
pobreza e o atraso por muitas e boas gerações.
Sem negar razões morais ao
pensamento de Karl Marx na época em que foi elaborado dada a afirmação
agressiva da industrialização no século XIX, Karl Popper explicou que essa
carga moralista do marxismo não é dissociável das suas profundas
responsabilidades na perversão do pensamento, posto que gerou uma salada russa
(expressão inequívoca) ao ter confundido o inconfundível: coletivismo com
altruísmo e individualismo com egoísmo.
O facto é que existem
coletivismos profundamente egoístas. Os próprios marxistas sempre acusaram a
burguesia dessas práticas. Hoje temos razões de sobra para acusar o
funcionalismo público do mesmo. Em qualquer dos casos – e poderia citar os
exemplos do funcionalismo-partidário do MPLA, em Angola, ou da Frelimo, em
Moçambique – trata-se de segmentos institucionalmente organizados que nunca se
importaram de sacrificar o destino coletivo dos povos à custa do egoísmo
coletivo do segmento social a que pertencem.
Mas também existem
individualismos profundamente altruístas. Inserem-se na longuíssima tradição
filosófica e cristã ocidental e estavam ainda bem presentes na matriz
intelectual oitocentista com que iniciei este texto. Em ‘A cidade e as serras’
(1901 – póstumo), Eça de Queirós retrata um parisiense, Jacinto, que decide
mudar-se para Guiães, terra dos seus antepassados nobres nas serras do Douro,
para aí empenhar-se em atividades beneméritas. Se transitarmos da ficção para a
realidade exemplos não faltarão. Destaco o das fundações privadas cujos
patronos promovem, à custa do seu sucesso individual, benefícios sociais e
culturais à sua escala por vezes bem mais valiosos do que a ação de estados
capturados por egoísmos coletivos.
Promovida pelo Partido
Comunista Português que, com o Bloco de Esquerda, se destaca por exigências
permanentes ao Estado para que dê o que deve e o que não deve, mesmo quando
manifestamente o erário público não tem condições para tal e, por isso, força a
máquina fiscal a rapinar rendimentos do trabalho individual e da propriedade
privada, a ‘Festa do Avante!’ serve de contraexemplo. Na orientação moral da sua
própria ação, os comunistas atropelam impunemente princípios que se habituaram
a impor aos outros. Que se saiba, aos pobres não ficam reservadas entradas
gratuitas nos três dias da festa na Quinta da Atalaia (Seixal) e muito menos
podem mitigar a fome nesses dias em requintadas refeições gratuitamente
fornecidas pelo PCP que, com a ‘Festa’, lucra como qualquer empresa
‘capitalista’.
Até quando admitiremos
sobreviver nesta insanidade?
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