Alberto Gonçalves
É por estas e por outras que,
pelo menos em Portugal, boa parte da "direita" só merece aspas e, com
frequência, uma marretada na cabeça. Agora certa "direita" deu em
criticar o governo por prejudicar os pobres e, assim, ignorar a sua principal
"causa" (felizmente as aspas ainda não são taxadas). Segundo a tese,
há uma contradição entre a lendária preocupação da esquerda com os
desgraçadinhos e as recentes medidas que mandam os desgraçadinhos apanhar
bonés, dos impostos indirectos aos salários dos administradores da CGD, da
punição das pensões mínimas às tropelias em volta da "sobretaxa" de
IRS.
Não vale a pena discutir as
medidas, mistura de saque a tudo o que se mexe e de benesse aos que se
encontram em posição de reclamar. Talvez valha a pena perguntar à "direita"
em questão de onde tirou a extraordinária ideia de que a perpetuação e o
fomento da pobreza traem os "princípios" da esquerda: nem de
propósito, esses são os seus fins. E se o país não se parecesse demasiado a um
asilo de lunáticos, o país notaria que a História está repleta de exemplos
alusivos de como o "progressismo" ideológico é especialista em fazer
progredir a miséria. Não há um único exemplo inverso. E não podia haver,
sobretudo quando, grosso modo, um programa político se fundamenta no ressentimento
e no parasitismo, e o roubo organizado é "justificado" pela crença de
que umas dúzias de fanáticos e oportunistas utilizam melhor o dinheiro do que
as pessoas que o ganharam.
A lamentável ironia disto é
que a esquerda não se limita a criar pobres, mas alimenta-se da respectiva
existência. Na oposição, os pobres, reais e imaginários, servem de argumento
eleitoral. No poder, servem de criminosa compensação "moral": ainda
que a esquerda espatife uma economia, espalhe a desgraça e, nos regimes que consagram
os verdadeiros apetites do BE e do PCP, vulgarize a fome, o "facto" é
que agiu com as melhores intenções, invariavelmente sabotadas por
"interferências" internas e externas. É difícil imaginar patranha tão
infantil. Porém, em pleno século XXI (para recorrer a um desagradável cliché),
é espantosa a quantidade de gente que a reproduz e, em situações de idiotia
terminal, a engole.
Lembram-se da
"austeridade" de 2011-2015, a qual, receosa ou injusta consoante os
dias, respondeu aos delírios do eng. Sócrates e, mal ou bem, esforçou-se por
devolver a nação a trilhos civilizados? É impossível esquecer, visto que os
"telejornais" andaram quatro anos a oferecer-nos o rol das vítimas do
dr. Passos Coelho, da troika e do "neoliberalismo" (?): a
"austeridade" forçava as crianças a chegarem subnutridas à escola; a
"austeridade" aumentava o número de suicídios; a
"austeridade" desmantelava o sistema público de saúde; a
"austeridade" propagava os divórcios; a "austeridade"
empurrava os jovens para a emigração; a "austeridade" despenteava os
pêssegos carecas; etc.
Quanto ao assalto em curso,
que se esgota em si próprio, que nos aproxima do Terceiro Mundo e que deixará
imensas saudades da "austeridade" (e, aposto, dos delírios do eng.
Sócrates), passa na "informação" televisiva a título de
"crescimento", "redução do défice", "virar de
página", o tal "tempo novo". Até um rating sofrível, antes
motivo de galhofa, é hoje uma celebrada proeza. Porquê? Porque o assalto em curso
é de esquerda, salvo-conduto para que coisas abomináveis sejam encaradas com a
devida ternura. Onde havia maldade gratuita, reina uma caríssima bondade.
A esquerda, cujo admirável
combate à desigualdade apenas se traduz no rendimento (dado que em breve não
sobrará nenhum), gosta tanto de pobres que não se satisfaz com os que há. A
esquerda precisa de mais pobres. Os pobres de espírito precisam da esquerda. E
certa "direita" precisa de juízo.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Diário de Notícias, 23-10-2016
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