João Batista L. Mariscal
Nome de guerra:
MARISCAL
Onde nasceu:
Rio de Janeiro
Onde estudou:
Colégio Lemos de Castro e
Colégio Barcellos Costa.
Quando e onde começou a trabalhar?
Em 1962, em uma companhia de
seguros no Rio de Janeiro.
Esses colégios localizam-se em Madureira, certo?
Correto.
Então, como foi a infância em Madureira?
Bem, nasci em Madureira
em 5 de janeiro de 1943 e lá fiz meu curso primário e ginasial e vivi meus primeiros
onze anos.
Foi uma infância feliz, pois
podíamos brincar na rua tranquilamente já que não havia preocupação com
qualquer tipo de violência, não havia, naquela época, maldade nas cabeças das
crianças e diria até que havia uma certa inocência, brincávamos de pés no chão,
na chuva, comíamos de tudo sem saber o que era agrotóxico (nem existia). Não
foi uma infância rica mas foi bem feliz e com liberdade.
Avenida Ministro Edgar Romero,
Madureira, 8 de maio de 2010
|
E de Madureira mudou-se para onde?
Mudei-me então em 1954/55 para
o bairro de Abolição onde terminei meus estudos (curso científico), naquela
época o ensino no Brasil era dividido em cinco anos de curso primário, quatro
anos de curso ginasial e três anos de curso científico.
Morei lá até 1969, quando
casei.
Foi ainda solteiro, morando na
Abolição, que ingressei na RG, mas aí é outra história.
Era melhor o ensino naquela época, era mais sério, não acha?
Sim, sem dúvida alguma, os
professores eram mais bem preparados, a qualidade do ensino público era bem
superior à existente hoje, os alunos respeitavam os professores pois recebiam
educação em casa e na escola.
Os pais preocupavam-se com o
desempenho dos filhos, hoje não há educação em casa e os alunos agridem
professores verbal e fisicamente e eles nada podem fazer graças a um famigerado
Estatuto da Criança e do Adolescente que permite que os pequenos menores façam
tudo e não sejam responsabilizados e nem punidos por coisa alguma.
Concordo.
Então você começou a trabalhar em 1962, tinha 19 anos…
Sim, na verdade, fui admitido
em 1º de julho de 1962 em uma companhia de seguros, e isto me faz lembrar de um
fato interessante, pois estava acompanhando um amigo que iria fazer um teste
para admissão naquela empresa e fui encorajado por esse amigo e por um
funcionário da empresa a fazer também o teste.
Acontece que eu não estava
ainda procurando emprego, mas já que iria ficar esperando aceitei a fazer o
teste, resultado; meu amigo não logrou exito e eu fui aprovado.
Comecei a trabalhar no dia
seguinte por engano ou por coincidência, o fato é que lá fiquei até 26 de
setembro de 1968. Bem, antes que você pergunte porque saí eu explico:
Nesses seis anos trabalhei na
carteira de seguros contra Acidentes do Trabalho. Era um seguro obrigatório que
todas as empresas faziam e que dava um lucro razoável às seguradoras. Então, o
Governo resolveu encampar esta área do seguro, obrigando as empresas a fazerem as
suas apólices no Instituto de Previdência Social, já a partir de 1969, e para
os empregados daquele setor foi oferecido uma migração para o serviço público
federal, o que por questões financeiras não me interessou.
Fui indenizado pelos meus seis
anos de serviços e fiquei curtindo a vida enquanto deu, quando o dinheiro
começou a diminuir, comecei a pensar no que iria fazer e foi quando disse para
mim mesmo que iria trabalhar em empresa aérea.
Diga lá, o que foi “curtir a vida enquanto deu”?
Em poucas palavras significa
"fazer o que quer, onde, como e quando quiser", enquanto tiver
dinheiro para bancar suas despesas, sem depender de outrem.
Cena do filme "Curtindo a vida adoidado" |
E aí, quando o dinheiro começou a acabar você disse para si mesmo que
iria trabalhar em empresa aérea…
Exato, é por aí, não dava
naquela altura para viver na dependência de mesada de pai e mãe, então resolvi
procurar trabalho.
E por livre e espontânea
vontade dirigi-me à Varig sem lá conhecer qualquer pessoa e sem que houvesse
qualquer anúncio em jornal solicitando candidatos.
Fui orientado a dirigir-me ao
setor de recrutamento onde marcaram uma entrevista com uma senhora chamada D.
Lidia, pessoa de presença marcante, elegante, simpática e atenciosa, sua
primeira pergunta foi "por que você escolheu a Varig?" e eu respondi
"porque quero trabalhar e fazer carreira em uma empresa aérea
brasileira."
Fiz um curso de atendimento em
aeroportos e no dia 2 de dezembro de 1968 fui admitido na Pioneira.
E foi trabalhar onde?
No despacho do Galeão - GIGKK
- comecei atendendo no check-in no turno da noite, das 18h às 24h e assim
comecei uma nova etapa profissional.
Saguão do Galeão, 26-7-1968.
Foto: Agência Globo
|
Nessa época e nesse horário saíam praticamente todos os voos
internacionais da Varig…
Sim, ainda no antigo GIG, a
maioria dos voos internacionais rumo norte (USA e EUROPA) decolava após as 22h…
… antigo GIG… Nova Divinéia, não era assim que chamávamos?...
Deixe-me explicar: antigo GIG
refere-se ao aeroporto do Galeão antigo antes do AIRJ, e a Divinéia foi um
terminal doméstico provisório construído para atender somente a voos domésticos
devido ao aumento da demanda nos voos RG em virtude do crescimento da frota dos
B-707 e a chegada dos DC-10. Esse terminal provisório operou até 1977 quando
então foi inaugurado o AIRJ.
Trabalhou sempre no
check-in?
Não, trabalhei no check-in
durante alguns meses e depois passei a fazer balanceamento de voos até meados
de 71, quando então fui promovido a Supervisor Júnior.
Lembranças boas dessa época?
Muitas. Foi nessa época, anos
70, como Supervisor Júnior (1971) e depois Sênior (1972), que tive a
oportunidade de assumir a Gerência de alguns Aeroportos quer fosse apenas
cobrindo férias dos gerentes titulares ou aquelas com reais chances de transferência
efetiva.
Trabalhei como gerente
substituto nas estações de LIM/PTY/CPT/UIO/GVA/LIS /LON/YUL E MEX.*
Cada período de cobertura durava
pelo menos trinta dias. Há de se mencionar ainda que nos anos 70/80 ainda
participava como representante da RG de reuniões anuais de Comitês da IATA como
o Airport Services Commitee e o Passenger Procedures Commitee.
O primeiro elaborava
procedimentos para o atendimento da aeronave e o segundo cuidava dos
passageiros e bagagens.
Com as atribuições de
supervisor mais as viagens de "replacement",
participação nas reuniões IATA, dá para se imaginar a experiência que se
adquiria a cada ano.
(*LIM:
Lima; PTY: Panamá; CPT: Cidade do Cabo; UIO: Quito; GVA: Genebra; LIS: Lisboa;
LON: Londres; YUL: Montreal e MEX: Cidade do México)
Dessas cidades todas da qual mais gostou ou guarda boas lembranças?
Olha, Jim, é dificil dizer
qual mais gostei, cada uma tem um atrativo próprio, ofereceu oportunidades e
experiências diferentes, mas eu poderia dizer que talvez Londres tenha sido a
que mais me chamou a atenção.
Sempre quis conhecer Londres
mesmo antes de entrar na Varig, e em 1977 quando de volta da Nigéria após 36
dias em Lagos, conheci a terra da rainha e realmente era tudo o que imaginava.
Posso também citar como experiência
de vida a minha permanência na Nigéria, houve um lapso meu na resposta anterior
e não mencionei minha estada em Lagos (LOS), onde pude ver bem de perto o que é
a miséria de um povo vivendo em condições sub-humanas sem condições mínimas de
higiene.
Frente a isso você passa a dar
valor a mínimas coisas que tem em casa e não percebe, foi um período que me
marcou muito.
Esta sua última frase faz-me lembrar um velho ditado “Você diz que não gosta de bananas, olhe
para trás: tem gente comendo as cascas”… triste.
Quando se aposentou?
Como disse anteriormente, em
1º de outubro de 1971 fui promovido a Supervisor Júnior de Tráfego, e em 1º de
novembro de 1972 galguei mais um degrau a Supervisor Sénior de Tráfego.
Em 1º de agosto de 1981 assumi
o cargo de Assistente da Superintendência de Aeroportos Internacional (GIGKD)
ficando assim desligado do despacho de passageiros (GIGKK), porém com uma
abrangência maior, pois atingia todos os sistemas de aeroportos operados pela
Varig.
Em 1º de abril de 1992 fui
nomeado Gerente do Departamento de Baggages
Services e em 1º de maio de 1992 fui transferido para São Paulo quando
então, em 30 de agosto de 1994 me aposentei.
Me diga uma coisa, quando você era Supervisor ou Gerente de Aeroporto
era você que liberava os GCs?
O controlador de voo liberava
o número de GCs a serem atendidos obedecendo ao número assentos disponíveis,
bem como a quantidade de refeições a bordo. O Supervisor autorizava o
atendimento observando a prioridade de cada um, mencionada no bilhete, ou a uma
eventualmente necessidade urgente…
Aposentou-se pelo
Aerus?
Sim, em 31 de agosto de 1994.
O AERUS complementava nossos salários e tínhamos um aposentadoria tranquila até
que em abril de 2006, com a quebra da Varig, começou a reduzir o pagamento da
complementação, inicialmente em 50% e foi reduzindo até chegar a pagar, a
partir de abril de 2009, apenas uns
10% e, em alguns casos, apenas 8%
daquilo que era devido.
Somente a partir de setembro
de 2014 foi que começamos a ter a complementação regularizada apoiada em uma
"Antecipação de Tutela" obtida na Justiça.
Hoje estamos com os salários
atualizados e regularizados até o final do ano, já para 2017 teremos que
esperar que a verba do Governo Federal para o Aerus seja incluída no Orçamento
da União para 2017.
(NdE: a verba já está incluida
no Orçamento da União, conforme pode ser lido em LDO 2017 reserva quase seiscentos milhões de reais para o Aerus)
Depois da aposentadoria dedicou-se a alguma atividade?
Não, sou e estou aposentado até
hoje, deixei o meu lugar para os mais jovens.
Mas tem viajado?
Sim aproveitei os TKT's RG
viajando pelo Brasil, USA e Europa até 2006, quando a RG parou de operar. Após
o fechamento da RG tive que reduzir um pouco as viagens já que não dispunha
mais dos bilhetes de cortesia (free). Mesmo assim, continuei viajando
anualmente à Europa pois meu filho já estava vivendo na Inglaterra (2004/2010).
Você acha que a RG fechou ou faliu?
Em minha opinião,
"faliu" devido a má gestão administrativa, falta de interesse do
governo em ajudá-la para beneficiar a TAM, além de outros contratempos como
concorrência predatória das empresas americanas, falta de coragem para tomarem
medidas restritivas na malha de voos, no quadro funcional, (tínhamos o dobro do
número de funcionários que deveríamos ter, cerca de vinte mil), quantidade de aviões
dispendiosos, etc. Somando tudo isso ela não conseguiu sobreviver.
Voltando às viagens, qual será a próxima?
Em princípio pretendo viajar a
NYC em final de novembro, sem um motivo específico. Talvez em janeiro passar
uma semana no nordeste brasileiro, e em junho, como não poderia deixar de ser, ir a LIS.
Sintra, 16 de abril de 2016, 1º Encontro Europeu de ex-Trabalhadores da Varig, Familiares, Amigos... |
Tem alguma pergunta à qual você gostaria de responder?
Não, mas certamente há muitas
perguntas sem respostas tais como:
Por que nossos administradores
deixaram acontecer a quebra da Varig?
Por que deixaram o quadro
funcional atingir um número incontrolável? Segundo a IATA, o número ideal de
funcionários em uma empresa aérea é de cem por avião, como nós tínhamos cem
aeronaves, o ideal seria dez mil funcionários e no início dos anos 90 tínhamos mais
de vinte mil.
Por que insistiram em manter
uma frota de B-747 quando as outras empresas estavam devolvendo esse tipo de aeronave
por ser muito dispendiosa e pouco rentável?
Por que o governo resolveu não
ajudar a Varig em favor da TAM que hoje já não existe pois foi adquirida pela
Lan Chile?
Meu caro, eu cumpri a minha
parte, foram vinte e seis anos dedicados à Varig e a ela agradeço por tudo que
consegui na vida. Lamentavelmente acabaram com a Empresa que foi orgulho
nacional e PIONEIRA na aviação comercial brasileira deixando seu lugar vazio
até hoje.
Obrigado, Mariscal!
Conversas anteriores:
Thomaz Raposo:"Até hoje nunca desisti, pois sou uma pessoa determinada"
Curvello: “Nunca escondi nada da minha vida… apenas ocultei dos tolos e ignorantes”
Nelson Schuler:"O desmoronamento foi um DESASTRE que causou para mim e meus três filhos muita ARMAGURA e NOSTALGIA"
Curvello: “Nunca escondi nada da minha vida… apenas ocultei dos tolos e ignorantes”
Nelson Schuler:"O desmoronamento foi um DESASTRE que causou para mim e meus três filhos muita ARMAGURA e NOSTALGIA"
Tive o privilegio de compartilhar meu trabalho com o amigo Mariscal, ao qual, além de puxarmos a corda para a mesma direção havia um respeito mutuo e admirável. MARISCAL disse tudo que precisava ser dito, sempre respeitando a ética da profissão. Eu e Mariscal conhecemos muito bem o Velho Galeão e a Divineia. Se não fizemos mais pelo engrandecimento da Aviação Comercial Brasileira, porque sempre havia um empecilho daqueles que queria ver a VARIG e suas Afilhadas irem por água abaixo.
ResponderExcluirNelson Schuler
VARIG/SATA
Obrigado amigo Nelson, passamos uns momentos bons outros difíceis o velho
ExcluirGIG e no AIRJ, mas conseguimos sobreviver. Foi um prazer trabalhar com voce.
É verdade que a VARIG faliu tendo um crédito de 4 bilhões junto ao Governo Federal?
ResponderExcluirJorge E. M. Geisel
Sim, porem se voce tem um credito mas não recebe, voce nada tem, a não ser promessas e promessas não pagam dividas.
ExcluirHI Jim. Grande entrevista e ótima reposta.
ResponderExcluirMe lembro que me aposentei em 94 também. E passei pelos mesmos episódios.
Minha solução foi aderir ao Mvto Acordo Já. E a vitória veio.
Obrigado.
Muito bom
ResponderExcluirmuito bom
ResponderExcluirMoletta
Maravilhosa entrevista!
ResponderExcluirBoas recordações.
Miriam Loureiro
Parabéns, Jim! E ao Mariscal também! Muito boa a entrevista!
ResponderExcluirQuando comecei a voar, claro na VARIG a grande e Pioneira, foi no Galeão Antigo, tínhamos o Hangar 9, onde ficava o DO, e depois na Divineia! Estas lembranças são de grande valor! E o quanto a VARIG contribuiu para a Aviação Brasileira, é imensurável, estas empresas hoje receberam tudo de "mão beijada", e as nossas Divisas Financeiras, hoje vão todas para as Empresas Estrangeiras aos milhões de R$!
Pois as que estão aí, hoje, não competem por falta de qualidade e competência!
Vamos em frente!
Abraços!
Heitor Volkart
Excelente entrevista, Jim . Trabalhamos juntos , eu e o Mariscal, desde que entrei na Varig, em 1970 ! A vida profissional dele na Pioneira é muito parecida com a minha ; trabalhamos naquela empresa aérea pelo mesmo período : 26 anos. Uma coincidência!
ResponderExcluirQuando entrei ( Agente em preparo) no Galeão velho , meu amigo João fazia balanceamento de aeronaves ( Weight & balance) em um canto bem iluminado e aconchegante da sala da gerência . Aquilo me incentivou , para que mais tarde eu me tornasse também um "balanceador". Até hoje trocamos ideias - mais por whatsapp , do que que via e-mail...
As perguntas finais feitas pelo colega são também as minhas indignações .
Certamente o João executou com ética e rigor as suas tarefas . Eu, idem, as minhas . Acho que todo aquele magnífico grupo deu de si o melhor!
Como disse , certa vez, um gerente assistente:
" Na aviação não há lugar para amadores! "
Estamos orgulhosos de ter sido parte da maior empresa aérea brasileira da América do sul! É o que levaremos para depois da grande travessia.
Parabéns ao amigo João Batista!
Vendo as fotos do Galeão antigo bateu uma saudade enorme...
Abração.
Sidnei Oliveira
Assistido Aerus RJ
Ah ! Um adendo à entrevista :
ResponderExcluirNova "DIVINEIA"... o apelido dado ao terminal doméstico provisório foi por causa da novela da época : " Saramandaia" , que tinha a localidade fictícia como vilarejo distante da capital ( como se fosse um fim de mundo...).
A direção da Infraero fazia de tudo para que não se mencionasse o apelido do terminal pela fonia dos walkie-talkies ! Mas não teve jeito:
A moda pegou .... rsrsrs
Sidnei