sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Mandem o corpo de Lenine para Portugal

João Pereira Coutinho

Passam 100 anos sobre a revolução bolchevique – e a Rússia optou por não comemorar a data. Vladimir Putin, manifestamente, não gosta de concorrência desleal. E é provável que os russos não tenham uma opinião favorável sobre um regime que matou vinte milhões de compatriotas – e escravizou um continente inteiro. Como diria Lenine, que fazer?

Sugestão pessoal: enviar para Moscovo a prosa hagiográfica que se produziu em Portugal na efeméride. Estamos em 2017. Mas é possível encontrar ainda um partido comunista “ortodoxo” (na teoria, não na prática) – e dezenas de “intelectuais públicos” que, em jornais ou revistas, sem falar no circo televisivo, recusam “simplismos”. Na peculiar cabeça desta gente, a catástrofe do comunismo não pode apagar a sua “mensagem de esperança”. Imagino que dirão o mesmo em 2033, no centenário da chegada de Hitler ao poder: o que é o Holocausto quando a Alemanha mostrou que é sempre possível renascer das cinzas?

Se os russos lessem a prosa da nossa gente, talvez curassem a respectiva ingratidão. E, quem sabe, talvez soubessem o que fazer com o corpo embalsamado de Lenine, que permanece no seu mausoléu à espera de dias melhores (digamos assim).
 
O corpo embalsamado de Lenine, numa foto de 1987. Foto: Sergei  Karpukhin/Reuters
Este ano, um grupo de deputados voltou a propor o enterro do cadáver. A coisa é macabra, a maioria dos russos já deu para o peditório e, por falar em peditório, os cento e sessenta mil euros anuais de manutenção não compensam.

O partido comunista local opõe-se. E Putin, para não comprar guerras desnecessárias, prefere não tocar neste infecto assunto. Serei o único a vislumbrar um compromisso?

Se o cadáver de Lenine continua a ser controverso, o melhor era despachá-lo diretamente para Portugal. A julgar pela idolatria reinante, a exibição do homem seria um sucesso bem maior do que qualquer Web Summit. 
Texto: João Pereira Coutinho, SÁBADO, nº 706, de 9 a 15 de novembro de 2017

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