Valdemar Habitzreuter
Deslizamos na onda do tempo
sempre sujeitos ao que pode surgir pela frente e esperançosos de poder surfar
até à praia segura. Não é sem razão que o surfista desportista sente-se
desafiado quando adentra o imenso mar à procura de ondas gigantescas e poder dominá-las
com arte e técnica, fugindo do quebradiço. Assim, o tempo é o mar de nossa
existência cheio de ondas bravias onde exercemos nossas habilidades de
sobrevivência. Equilibrar-nos na prancha da vida é o que importa e não
soçobrar.
O tempo é uma coisa esquisita.
Aliás, nem coisa é. Não o vemos. Não o tocamos. Não o cheiramos. Mas, o
percebemos como ação e que tem domínio sobre as coisas no espaço. As coisas
envelhecem ao seu comando e têm determinada duração. Ele mesmo fica inalterado.
Ou seja, é duração pura sem começo e sem fim. Poder-se-ia dizer que é a
realidade única da qual tudo depende.
As coisas concretas que
enxergamos com nossos olhos são miragens da duração. Não há propriamente
coisas. Há somente ações. Tudo se agita na duração. Uma árvore a minha frente é
nada mais que uma ação trazendo-nos uma imagem que dura por um determinado
tempo. É um recorte da ação no tempo que começou na germinação e terá seu
término na corrupção.
E cá estamos nós, também um
recorte do tempo, cada qual perfazendo sua duração. E o que estamos realizando
como agentes inteligentes? O que ainda nos espera até o fim? O que, afinal,
estamos procurando enquanto duramos? Inquirições que nos surgem
indubitavelmente.
De uma coisa temos certeza:
somos assaltados por mil e um sentimento que não sabemos donde provêm e tão
pouco sabemos canaliza-los para um propósito. Somos munidos de psiquismo e,
consequentemente, sempre enredados com a angústia do porvir.
AH, a angústia! Que troço
estranho que nos acompanha na estrada da vida! Sinceramente, procuramos fugir
dela porque ela nos amedronta. Ela nos aperta. Ela, por vezes, nos sufoca. Ela
se veste da roupagem da desesperança. Ela nos quer engolir.
Mas, já imaginaram se ela
estivesse ausente de nossas vidas? O que seria de nós? Zumbis sem saber o que
fazer, sem noção de que existimos. A angústia nos desafia a tomar decisões. É o
chicote que nos impele a agir. A inquietude que ela nos provoca faz com que
busquemos forças de sempre querer destroná-la de seu poder sobre nós. A angústia
é nossa pedra de Sísifo que não nos dá tréguas na procura por libertação, por
um sentido de vida.
A angústia mistura-se à “feliz
culpa” agostiniana em que, lançados no mundo, estamos em estado de decadência
ao qual é necessário reagir e lançar-nos para o futuro, construindo-nos
existencialmente, e é a isto que a angústia nos impele: não ficarmos parados em
lamentações.
A decadência nos prende na
normalidade rotineira da vida, é o pecado da impropriedade, da vida pequena.
Apenas vive-se. Mas a angústia nos comprime de aflição nesse estado. Somos
instados a reagir. Existir não é apenas viver, é fazer projetos, planos de ser
alguém próprio e autêntico, ultrapassando a impessoalidade inapropriada sem
definição.
Ao sermos lançados no mundo
estamos, inicialmente, às voltas com o nada de riqueza pessoal. É preciso dar o
ponta pé inicial para construir nossa existência ao longo da duração. Sair à
procura de como realizar-nos. Começar a ser. Se a decadência continuar a nos
prender no nada é sinal que fugimos de nosso próprio ser. Do estado de
decadência temos que vislumbrar possibilidades de construir nossa existência.
Assim o nada pode revestir-se do ser.
Não há outra alternativa a não
ser levar em conta a disposição de ser se quisermos nos lançar para além da
decadência. A disposição é como que fazer uma abertura para as possibilidades
de nossa existência: tornar possíveis nossos projetos de vida. Viver envolvidos
no ser e fazer o périplo de nossa finita duração na existência e sentir-nos
invadidos pelo ser.
Bem-vinda ANGÚSTIA que nos
despertas para a vida!
Título e Texto: Valdemar Habitzreuter, 28-11-2017
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