Ana Paula Henkel
Não costumo descer do salto nas minhas colunas, mas hoje peço licença a
você para uma mensagem um pouco mais contundente a uma certa elite saudosa do
mais corrupto governo na história do país. A arte sutil de ligar o “dane-se”
fica para outro dia.
Com a definição antecipada do segundo turno (ou
alguém ainda acredita numa reviravolta?), o Brasil será convidado a dois
plebiscitos sobre o lulismo em outubro. A escolha entre Jair Bolsonaro e
Fernando Haddad é a final de um campeonato que já dura pelo menos três anos,
quando os brasileiros foram às ruas, nas maiores manifestações da história,
pedir democraticamente o impeachment de Dilma Rousseff. Vencemos!
O Brasil provou que, apesar de seus enormes
problemas, têm instituições funcionando e, mesmo com todo aparelhamento da
máquina estatal, conseguiu apear a “mãe do PAC” do poder respeitando todos os
ritos constitucionais e ainda dezenas de intervenções no mínimo curiosas do STF
ao longo do processo, como na definição judicial da ordem de votação. No último
ato, a sessão do impeachment foi presidida pelo ministro Ricardo Lewandowski,
presidente da Suprema Corte na época e insuspeito em termos de oposição ao
lulismo.
Depois do impeachment, tivemos uma recuperação
econômica acima da expectativa mais otimista, apenas interrompida pela
tentativa de derrubada do governo engendrada pelos irmãos Batista, parte da
imprensa e Rodrigo Janot, de triste memória. Aos trancos e barrancos,
conseguimos vencer mais esse ataque às instituições e, claro, temos hoje Lula
preso. Nunca vou cansar de repetir: Lula preso. Nem tudo está perdido, mas pode
se perder e é por isso que não podemos nos calar neste momento.
A população brasileira enfrenta problemas sérios
demais para tamanha insensibilidade desta elite hedonista e pervertida que não
vê as filas dos hospitais públicos, as mais de 60 mil mortes por ano, os mais
de 12 milhões de desempregados, a falência da educação, a corrupção desenfreada
que apenas começa a ser combatida pela Lava Jato. Será que de suas luxuosas
coberturas, de suas festas que lembram a parte final de “Um drinque no
inferno”, não conseguem ver o que sucessivos governos socialistas causaram aos
mais pobres?
Sei que um governo Jair Bolsonaro pode representar
um constrangimento adicional para a compra e venda de entorpecentes, para o
assédio de crianças, para que a máquina estatal seja usada para dar empréstimos
e vantagens para os amigos do rei, mas é preciso tomar posição contra ou a
favor da população que não tem lobistas em Brasília ou vaga cativa nos camarotes
da Sapucaí. Não há mais pão e circo que resolva.
Este não é um texto a favor de Jair Bolsonaro, mas
contra a possibilidade da volta do PT ao poder, a soltura de Lula, o fim da
Lava Jato, o controle da imprensa e a volta do toma lá dá cá sem limites no
Congresso. O Brasil convalesce como Bolsonaro num leito do hospital Albert
Einstein e ou esta elite acorda ou será acordada da pior maneira possível.
Mesmo daqui de Los Angeles, onde moro há alguns anos, fico sinceramente
preocupada com os rumos que o país pode tomar se o PT for reconduzido ao poder.
Depois ninguém pode dizer que não foi avisado.
Onde estava esta elite quando Celso Daniel foi
morto? Quando a Máfia dos Vampiros desviou dois bilhões do Ministério da Saúde?
No escândalo dos Correios, quando os dólares na cueca foram descobertos, quando
a Gamecorp do filho de Lula recebeu milhões, no caso dos Aloprados, no caso
Bancoop, no escândalo dos cartões corporativos, no caso Erenice Guerra, nos
empréstimos do BNDES para os “campeões nacionais”, na Operação Zelotes e
dezenas de outras? Onde estavam no Mensalão e no Petrolão? Nos bilhões gastos
numa Copa do Mundo e numa Olimpíada que não podíamos ter sediado, enquanto
leitos hospitalares se transformavam em corredores da morte? Defesa da
democracia? Ah, façam-me o favor!
Cansei de tanta hipocrisia e insensibilidade com a
população. Chega. A frouxidão moral e indignação seletiva de alguns
artistas e intelectuais não servem mais de parâmetro para uma sociedade que não
acredita mais na bolha dos ex-guardiões da opinião pública. A classe que
pretende falar em nome dos brasileiros ainda não percebeu que está falando
sozinha.
Título e Texto: Ana Paula Henkel, O Estado de S. Paulo, 25-9-2018
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