quarta-feira, 21 de novembro de 2018

[Daqui e Dali] Graciette Branco – a menina do “Pim Pam Pum“

Humberto Pinho da Silva 

Minha mãe acabara de ser trepanada, no Hospital Júlio de Matos, em Lisboa. Permanecia, ainda, inconsciente. Era uma manhã fria de Inverno. Chovia e ventava, que Deus a dava. Diante da estreita janela, que dava para o exterior, mergulhado em negros pensamentos, olhava indiferente, a forte bátega, que desabava do céu, cor de ardósia.

Lá fora, no jardim, rodopiavam endiabradas, folhas de plátano, ao ritmo infernal da canção do vento, que tudo varria, em fúria desenfreada, esguedelhando, em rajadas desabridas, os ramos, quase despidos, de árvores esqueléticas. De repente, senti abrir a porta de mansinho. Olhei.

Era uma senhora, elegantemente vestida, que trazia nos braços, vistoso ramo de lindas rosas amarelas:
Posso entrar?”  – Inqueriu em leve murmúrio, numa voz doce e velada.
Sim” – respondi, sem pensar.

Entrou. Depôs, delicadamente, o ramo de rosas, sobre a mesa de ferro esmaltada a branco, e, voltando-se para mim, sempre com sorriso acolhedor, disse em tom familiar:
Sabe quem sou?”
Fiquei indeciso; atrapalhado. Na verdade, não sabia; mas respondi-lhe, para não ser indelicado.” “Penso que sim… A sua fisionomia não me é estranha…”
Graciette Branco.“ – Disse, libertando-me do embaraço em que me encontrava.

Nesse lance, surgiu meu pai, que fora conversar com o cirurgião.
Cumprimentaram-se afetuosamente. Falaram da doente e da forte invernada que desabou sobre Lisboa.
Para alimentar a conversa, meu pai, falou-lhe do “Pim Pam Pum”; e disse-lhe que no dia em que era publicado, a avó, costumava visitar a amiga, que morava na rua dos Clérigos. Amiga, essa, mãe de Cal Brandão – futuro Governador Civil do Porto.

Ia brincar para a ampla varanda, que corre pela fachada do prédio, e ficava a espiar, por entre as grades de ferro pintadas a verde, os “Lóios”, tentando lobrigar o ardina, que vendia o “Século”.

Contou-lhe que se indignava todo, ao escutar o pregão “Olha o diário do Século!”, porque entendia “Olha o diabo do Século!”. Que atrevimento, anunciar o “seu” jornal desse jeito! O jornal que trazia o “Pim Pam Pum”.

Graciette Branco, sorria. Um sorriso bondoso e complacente, e recordava emocionada, cenas de infância, e a alegria que sentia ao escrever para o “Pim Pam Pum”.


Foi a primeira e última vez que vi a poetisa. Soube que embarcara para Lourenço Marques, onde vivia o filho.

Meu pai, ainda recebeu correspondência de Moçambique, mas, aos poucos, as cartas foram escasseando.

Na última, escrevia que andava muito triste. Tristeza, que não sabia a origem. O amor da Bolinha e do Guinózinho – seus netos, – não era suficiente para lhe reaver a alegria perdida.

Foram as últimas notícias da menina do “Pim Pam Pum”.

Meu pai ainda escreveu para a Avenida Miguel Bombarda, em Lisboa, onde residira, antes de embarcar, mas a missiva veio devolvida com a indicação “Destinatário desconhecido”. 

Pouco sei da biografia dessa grande poetisa e escritora. A Internet – que tudo sabe, – é omissa.
Sei que fazia parte do célebre Cenáculo da Marquesa de Valverde, que se reunia todas as terças-feiras, na Sociedade de Geografia de Lisboa.

Sei, igualmente, que publicou os primeiros textos no “Século“, e que desde menina era admirada e aplaudida pela crítica mais exigente, e que seus textos aparecem em seletas. V.G. “Livro Único para a 5ª Classe”.


Nada mais, infelizmente, posso adiantar.

Assim pensava. Mas… Guilherme de Santa-Rita (O Guinózinho) esclareceu-me:

Graciette Branco foi uma poetisa, escritora e declamadora. Publicou várias obras e escreveu muito para diversos jornais e revistas da época, muito particularmente para o suplemento infantil do Século ‘Pim Pam Pum’, cujo diretor literário era o seu marido Augusto de Santa-Rita, de quem, mais tarde, veio a divorciar-se.

O seu filho era Oficial do Exército (Guilherme Augusto Alves Branco de Santa-Rita) e, em 1973, foi colocado na P.S.P. de Lourenço Marques, para mais uma comissão de serviço no Ultramar. A 6 de Abril de 1974, Graciette Branco e seus netos, Isabel Maria Floro de Santa-Rita (a Bolinha), e Guilherme Augusto Floro de Santas-Rita (o Guimó) foram viver para Moçambique, com a previsão de ficar por quatro anos.

Por causa do 25 de Abril, deu-se o regresso a Lisboa, em dezembro desse mesmo ano, não para a Av. Miguel Bombarda (de onde tinha saído em finais de 1968), mas para os Olivais Norte.

Em 1975 foi-lhe diagnosticado uma arteriosclerose que a foi consumindo, física e psicologicamente, até meados do ano de 1980, quando morreu.” 
Título e Texto: Humberto Pinho da Silva, novembro de 2018

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