Pedro Malan
"A austeridade não é uma
fatalidade", disse o novo presidente da França no dia de sua vitória,
domingo passado. Os gregos, que votaram nesse mesmo dia, parecem estar de
acordo, assim como muitos outros europeus. A frase de efeito de François Hollande
não é incorreta, mas precisa ser situada no contexto do drama em que se debate
a Europa desde 2007. Com particular intensidade desde que, há exatos dois anos,
os ministros da Fazenda europeus viraram o segundo fim de semana de maio
acertando a forma de evitar um então iminente calote grego, e o efeito contágio
que isso teria sobre outros países da região – e sobre seus bancos.
Os gregos antigos entendiam de
tragédias e as expressavam em seus poemas épicos por meio de belas metáforas,
Na Ilíada, o herói atacava uma cidade que sabia que não conseguiria conquistar;
e a cidade se defendia valorosamente, sabendo que ao final seria derrotada. Uma
pessoa culta como Hollande talvez estivesse querendo dizer, metaforicamente,
que as coisas não precisam acontecer porque os deuses dos gregos antigos assim
haviam decidido. E que nossa vida e nosso futuro estão em nossas mãos – como
sempre estiveram. Nesse sentido, é correto dizer que a austeridade, como muitas
outras coisas na vida, não é uma fatalidade.
Mas a frase de Hollande, já
como presidente eleito, expressou de forma sintética o sentimento de milhões de
europeus. E deu renovado alento a um falso dilema, mais uma genérica dicotomia
entre os defensores da "austeridade" e seus antípodas, os defensores do
"crescimento", como se essa fosse a fundamental, óbvia – e fácil –
opção europeia.
Afinal, por que alguém
preferiria sofrer as agruras da "austeridade" quando poderia,
livremente, escolher maior crescimento, renda e emprego, votando em quem se
proponha a trazê-los de volta – pela força de sua vontade e capacidade para tal
empreitada?
A propósito, Linhas de Falha, o belo livro de
Raghuram Rajan, teve a sua edição brasileira lançada na semana passada. Vale
citar o trecho a seguir. "Governos democráticos não são
programados para pensar em ações que têm custos a curto prazo, mas que produzem
ganhos a longo prazo – que é o típico padrão de retorno de qualquer
investimento. Que por vezes governos façam estes investimentos é uma
consequência ou de uma liderança incomumente corajosa ou de um eleitorado que
compreende os custos de adiar escolhas difíceis. Liderança corajosa é coisa
rara. Mas também é raro um eleitorado informado e comprometido, porque os
próprios especialistas são muito confusos... O debate não leva a um consenso,
os moderados dentre o eleitorado não sabem bem no que acreditar, e o resultado
é que as escolhas de políticas seguem o caminho de menor desconforto – até que
a situação se torne insustentável".
Mas, como diz adiante o autor,
"as democracias são necessariamente
generosas, enquanto os mercados e a natureza não são". E nas
inevitáveis respostas a situações que se tornam insustentáveis, muitos governos
podem atingir os limites de suas capacidades (de tributar, de gastar, de se
endividar, de reformar, de gerir, de investir), ficando tentados a seguir
cursos indesejáveis de ação. Enquanto os políticos hesitam em empreender ações
dolorosas, mas necessárias, para colocar a economia no rumo apropriado para o
crescimento de longo prazo, os problemas se agravam e se tornam mais difíceis
de resolver. Como diz Rajan, "mais
anos à deriva" levarão ao aumento dos encargos da dívida pública, a
mais direitos (ou expectativas de direitos) frustrados ou inacessíveis e a um
crescente número de desfavorecidos.
Devo dizer que estou dentre os
inúmeros admiradores da "construção europeia" após a 2ª Guerra
Mundial. O que os europeus investiram nesse processo, ao longo de mais de 60
anos, permite certa confiança de que serão capazes, ainda que a elevados
custos, de se erguer à altura dos enormes desafios atuais. Porque as lideranças
políticas, econômicas e culturais europeias sabem o que está em jogo. E, apesar
de seu conturbado processo decisório, deverão fazer o necessário.
O necessário hoje, a meu ver,
já está acontecendo. Esse
debate sobre "austeridade versus crescimento", quando assim
generalizado, é um falso debate. Porém mesmo novas lideranças políticas
comprometidas com (e eleitas para) fazer "whatever it takes" (o que quer que seja necessário) para
retomar o crescimento sabem, e muito bem, que esta retomada, em muitos países
(inclusive na França), não pode ser realizada por meio do aumento adicional dos
seus já elevados déficits fiscais anuais e de seus não menos elevados estoques
de dívida pública. Na verdade, para muitos países é fundamental reduzi-los, e
não apenas não aumentá-los.
A discussão econômica séria
hoje na Europa não é sobre se há ou não necessidade de ajustes fiscais. É sobre
a possibilidade de recalibrá-los de maneira crível e factível (numa perspectiva
de médio prazo) para que a necessária redução dos déficits e dos estoques de
dívida seja menos intensamente concentrada nos primeiros anos e, portanto, não
tenha efeitos muito negativos sobre o crescimento. Isso é possível e, em alguns
casos, necessário. Mas a agenda do crescimento europeu, como a nossa,
transcende de muito essa questão.
Por certo, há limites para a
austeridade, que podem ser de natureza econômica ou político-social, e que
sempre dependem do contexto específico de cada país. Mas também é verdade que
há limites para o crescimento, que são ou deveriam ser conhecidos. Governos não
decidem, por meio de atos de vontade política, quais serão as taxas de
crescimento futuro de uma economia – só os ingênuos, ou arrogantes, pensam
assim.
Em resumo, há limites para
austeridade, há limites para o crescimento e há limites para o voluntarismo.
Nenhum deles é uma fatalidade. Ainda bem.
Título e Texto: Pedro Malan, Economista, foi ministro
da Fazenda no governo de Fernando Henrique Cardoso. Publicado no “Estado de S. Paulo”, 13-05-2012
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