segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

1988 – A greve dos aeronautas


Luiz Coelho
A APVAR - Associação de Pilotos da VARIG - já havia determinado diversas "Operações Padrão", em protesto contra atitudes tomadas pela Chefia.
Os pilotos deveriam restringir-se apenas à pilotagem estritamente padronizada, sem solicitarem, por exemplo, "proas diretas", prioridades em acionamento de motores, enfim tudo o que era comum ser sugerido na época, com a finalidade de agilizar os voos, mantendo os horários. Muitas indefinições de despachantes e funcionários de terra, que resultavam em atrasos, eram resolvidas pelos comandantes, e assim o voo saía.

Nos períodos de Operaçâo Padrão, os comandantes deveriam só pilotar.
Como "fiscais" muitos tripulantes eram convocados para "piquetes" nos aeroportos. Eu sempre escolhia o Santos Dumont. Mais conforto, muito papo no cafézinho, e principalmente perto de casa. Cumpria o meu período geralmente conversando com os colegas e o Sr. Henrique, o "chefe" da Ponte Aérea. Fazíamos pose para as fotos mandadas fazer pela Diretoria de Operações da Varig. Eram muitas fotos...

Por motivos que já nem me lembro mais, tão insignificantes eram, o SNA - Sindicato Nacional dos Aeronautas - resolveu fazer uma greve - coisa que não havia há 22 anos*. Marcou então uma reunião geral na sede da OAB no Rio de Janeiro.

Três horas antes, a APVAR fez uma reunião, e por grande maioria os pilotos desaprovaram a greve. Todos, então, foram para a reunião do SNA.
O enorme salão estava cheio de tripulantes das principais Empresas Aéreas.
Tomou a palavra o deputado (PTB) Sebastião Nery.

Sebastião Nery. Foto daqui.
Todo de branco, gravata vermelha, meias e sapatos pretos (full carirí), fez um discurso inflamado, incentivando a greve. Parecia até que era tripulante, injustiçado por todas as Companhias Aéreas.
A maioria dos presentes era de comissários. O Papagaio, presidente da APVAR, informou o resultado de nossa reunião preliminar, os votos prós e contras.

Voltou a falar o deputado: 
"Parece que apenas uma minoria está contra, mas agora com a votação geral, tenho certeza que, insatisfeitos com a situação atual, teremos maioria para a greve!"
Realmente, a greve foi aprovada, e marcada para dali a três dias, à meia-noite.

Dezenas de pedidos de DM - Dispensa Médica - lotaram a Caixa de Entrada na mesa do Diretor de Operações.

Em outra comunicação, o SNA adiou a greve por mais três dias, igualmente começando à meia-noite, alegando motivos legais (prazo de comunicação às Cias).
Foi um vexame. Quem havia solicitado DM, correu a Operações para mudar a data da sua "doença". Muitos foram revelados, e desviavam o olhar ao cruzarem com colegas.

No dia marcado, Sandra, comissária da VARIG, muito preocupada, me procurou:
- Pai, hoje eu estou de reserva no Galeão... Se não for, vou para a rua...
- Tudo bem, não deves ir... Eu estou de sobreaviso, e vou desligar o telefone... 
Tudo deu certo: Um colega da Sandra foi ao Galeão e assinou por todos. Eu nem fiquei sabendo se a Escala me telefonou.

A greve durou apenas um dia. Ninguém foi demitido. Dizem que as Empresas Aéreas até tiraram partido dessa parada dos tripulantes.

Nova greve foi marcada, dessa vez de dois dias. Início à meia-noite.
Na véspera, pilotando o B-767, eu fui para Miami. Como o avião em que deveríamos regressar não chegou, ficamos dois dias a mais. Churrasco na praia.
Dessa vez a coisa mudou. Muitos comandantes foram demitidos, inclusive os presidentes do SNA e da APVAR.

Nova reunião do SNA. Desta vez a greve seria mais longa - até haver o acordo.
O Presidente  do  SNA  informou  que  havia  denúncias  de  que  elementos  estranhos  poderiam estar  infiltrados.  Solicitou que cada um identificasse seus vizinhos dos dois lados, para ficar confirmado que todos os presentes eram colegas.

Diversos tripulantes discursaram. Entre eles, o Comandante Walker:
"Caros colegas... Os tempos não estão favoráveis a essa greve de término indefinido... Ontem mesmo, conforme noticiado na imprensa, o ministro da Economia renunciou... A minha opinião é que essa terceira greve não deve sair por enquanto... Devemos "colocar o rabo entre as pernas, mas com muita dignidade..."

Foi uma risada geral. Diversas mãos se levantaram,  pedindo  a  palavra.
O Comandante da VASP, Sandres - conhecido como "Indio Juruna", foi o primeiro. Com sua voz fanhosa, acertou direto na ferida:
“Já ouvi de tudo em reuniões, mas é a primeira vez que alguém diz uma besteira dessas... ‘Ou rabo entre as pernas ou dignidade’...”

Mais três ou quatro discursaram, referindo-se jocosamente a essa frase.
Walker pediu prioridade para mais uma manifestação:
“OK, concordo com os colegas. Mantenho a dignidade e retiro o rabo entre as pernas... Aceitem essa minha retificação...”
Voltou para o lado de sua namorada, a comissária Coca, que permanecia de olhos baixos, ainda encabulada...

Houve a votação, e apesar do discurso do deputado, ainda de "full carirí", a terceira greve foi adiada "sine die" ou seja, nunca mais...
Foi bom. Um alívio geral. Principalmente para mim, escalado para o primeiro "vôo internacional" daquele dia - Assunção - e que seria certamente demitido.

Hoje eu lamento: Todos os tripulantes demitidos entraram num "arranjo", foram enquadrados como perseguidos políticos, "anistiados", receberam indenização a partir da data da demissão, e ganham uma gorda aposentadoria vitalícia com direito a pensão para cônjuge, pagos pelos cofres públicos. Mesmo aos que voltaram ao trabalho, seis meses depois.
Essa regalia eu perdi. Hoje a "anistia" lhes garante um integral salário extra.
Comandante Luiz Coelho
Via Etzel Carvalho

* Nota do Editor: houve uma greve de aeronautas (e aeroviários) nos primeiros dias de abril de 1985.

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