Luiz Coelho
A APVAR - Associação de
Pilotos da VARIG - já havia determinado diversas "Operações Padrão",
em protesto contra atitudes tomadas pela Chefia.
Os pilotos deveriam
restringir-se apenas à pilotagem estritamente padronizada, sem solicitarem, por
exemplo, "proas diretas", prioridades em acionamento de motores,
enfim tudo o que era comum ser sugerido na época, com a finalidade de agilizar
os voos, mantendo os horários. Muitas indefinições de despachantes e
funcionários de terra, que resultavam em atrasos, eram resolvidas pelos
comandantes, e assim o voo saía.
Nos períodos de Operaçâo Padrão,
os comandantes deveriam só pilotar.
Como "fiscais" muitos
tripulantes eram convocados para "piquetes" nos aeroportos. Eu sempre
escolhia o Santos Dumont. Mais conforto, muito papo no cafézinho, e
principalmente perto de casa. Cumpria o meu período geralmente conversando com
os colegas e o Sr. Henrique, o "chefe" da Ponte Aérea. Fazíamos pose para
as fotos mandadas fazer pela Diretoria de Operações da Varig. Eram muitas fotos...
Por motivos que já nem me
lembro mais, tão insignificantes eram, o SNA - Sindicato Nacional dos
Aeronautas - resolveu fazer uma greve - coisa que não havia há 22 anos*. Marcou então uma reunião geral na sede da OAB no
Rio de Janeiro.
Três horas antes, a APVAR fez
uma reunião, e por grande maioria os pilotos desaprovaram a greve. Todos, então,
foram para a reunião do SNA.
O enorme salão estava cheio de
tripulantes das principais Empresas Aéreas.
Tomou a palavra o deputado (PTB)
Sebastião Nery.
Todo de branco, gravata vermelha,
meias e sapatos pretos (full carirí), fez um discurso inflamado, incentivando a
greve. Parecia até que era tripulante, injustiçado por todas as Companhias
Aéreas.
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Sebastião Nery. Foto daqui. |
A maioria dos presentes era de
comissários. O Papagaio, presidente da APVAR, informou o resultado de nossa
reunião preliminar, os votos prós e contras.
Voltou a falar o deputado:
"Parece que apenas uma
minoria está contra, mas agora com a votação geral, tenho certeza que,
insatisfeitos com a situação atual, teremos maioria para a greve!"
Realmente, a greve foi
aprovada, e marcada para dali a três dias, à meia-noite.
Dezenas de pedidos de DM -
Dispensa Médica - lotaram a Caixa de Entrada na mesa do Diretor de Operações.
Em outra comunicação, o SNA
adiou a greve por mais três dias, igualmente começando à meia-noite, alegando
motivos legais (prazo de comunicação às Cias).
Foi um vexame. Quem havia solicitado
DM, correu a Operações para mudar a data da sua "doença". Muitos foram
revelados, e desviavam o olhar ao cruzarem com colegas.
No dia marcado, Sandra,
comissária da VARIG, muito preocupada, me procurou:
- Pai, hoje eu estou de
reserva no Galeão... Se não for, vou para a rua...
- Tudo bem, não deves ir... Eu
estou de sobreaviso, e vou desligar o telefone...
Tudo deu certo: Um colega da
Sandra foi ao Galeão e assinou por todos. Eu nem fiquei sabendo se a Escala me telefonou.
A greve durou apenas um dia. Ninguém
foi demitido. Dizem que as Empresas Aéreas até tiraram partido dessa parada dos
tripulantes.
Nova greve foi marcada, dessa
vez de dois dias. Início à meia-noite.
Na véspera, pilotando o B-767,
eu fui para Miami. Como o avião em que deveríamos regressar não chegou, ficamos
dois dias a mais. Churrasco na praia.
Dessa vez a coisa mudou. Muitos
comandantes foram demitidos, inclusive os presidentes do SNA e da APVAR.
Nova reunião do SNA. Desta vez
a greve seria mais longa - até haver o acordo.
O Presidente do
SNA informou que
havia denúncias de
que elementos estranhos
poderiam estar infiltrados.
Solicitou que cada um identificasse seus vizinhos dos dois lados, para ficar
confirmado que todos os presentes eram colegas.
Diversos tripulantes discursaram.
Entre eles, o Comandante Walker:
"Caros colegas... Os tempos
não estão favoráveis a essa greve de término indefinido... Ontem mesmo,
conforme noticiado na imprensa, o ministro da Economia renunciou... A minha
opinião é que essa terceira greve não deve sair por enquanto... Devemos "colocar
o rabo entre as pernas, mas com muita dignidade..."
Foi uma risada geral. Diversas
mãos se levantaram, pedindo a
palavra.
O Comandante da VASP, Sandres
- conhecido como "Indio Juruna", foi o primeiro. Com sua voz fanhosa,
acertou direto na ferida:
“Já ouvi de tudo em reuniões,
mas é a primeira vez que alguém diz uma besteira dessas... ‘Ou rabo entre as
pernas ou dignidade’...”
Mais três ou quatro discursaram,
referindo-se jocosamente a essa frase.
Walker pediu prioridade para mais
uma manifestação:
“OK, concordo com os colegas. Mantenho
a dignidade e retiro o rabo entre as pernas... Aceitem essa minha retificação...”
Voltou para o lado de sua namorada,
a comissária Coca, que permanecia de olhos baixos, ainda encabulada...
Houve a votação, e apesar do discurso
do deputado, ainda de "full carirí", a terceira greve foi adiada "sine die" ou seja, nunca mais...
Foi bom. Um alívio geral. Principalmente
para mim, escalado para o primeiro "vôo internacional" daquele dia - Assunção
- e que seria certamente demitido.
Hoje eu lamento: Todos os tripulantes
demitidos entraram num "arranjo", foram enquadrados como perseguidos políticos,
"anistiados", receberam indenização a partir da data da demissão, e
ganham uma gorda aposentadoria vitalícia com direito a pensão para cônjuge, pagos
pelos cofres públicos. Mesmo aos que voltaram ao trabalho, seis meses depois.
Essa regalia eu perdi. Hoje a "anistia"
lhes garante um integral salário extra.
Comandante Luiz Coelho
Via Etzel Carvalho
* Nota
do Editor: houve uma greve de aeronautas (e aeroviários) nos primeiros dias de abril
de 1985.
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